sábado, 25 de novembro de 2017



Submarino desaparecido é a terceira tragédia em Mar del Plata em 2017


desaparecimento do submarino ARA San Juan após uma explosão há dez dias não foi a única tragédia marítima a impactar Mar del Plata, na Argentina, neste ano.

Em junho, o naufrágio do barco pesqueiro marplatense Repunte a 80km da costa de Rawson (província de Chubut) causou um trauma que essa cidade costeira ainda não superou. Dos 12 tripulantes, três foram encontrados mortos e sete nunca tiveram os corpos resgatados.
A primeira versão recebida pelos familiares era a de que todos haviam subido num bote salva-vidas e sido salvos. Mas a primeira ajuda demorou quase cinco horas para chegar, depois que o capitão Gustavo Sánchez soou o alarme. Apenas dois tripulantes, Lucas Trillo e Julio Guaymas, se salvaram.

De janeiro de 2000 a setembro de 2017, a Argentina registrou 41 naufrágios que deixaram 86 mortos, de acordo com estudo independente da pesquisadora Silvia Paleo.

Os dados levam em conta apenas embarcações civis comerciais, o que leva a crer que o número total de ocorrência seja muito maior. Apenas em 2016 foram nove acidentes no país, três deles com mortes, num total de oito mortos. Em 2017, antes do San Juan, houve dois acidentes que somaram 12 mortos, entre eles o Repunte em Mar del Plata.

"A principal causa dos sinistros está nas políticas e sistemas de prevenção, com descumprimentos sérios das normas de segurança", afirma Paleo no estudo, apontando a dificuldade no acesso às estatísticas referentes a acidentes marítimos. Outra questão é que a frota é obsoleta. A maioria dos barcos têm mais de 40 anos e, na Argentina, embarcações pequenas não têm caducidade. Basta passar na inspeção.

QUEM LIGA

O último barco que naufragou no país, ironicamente chamado de "Que le importa" (algo como "quem liga?"), era de 1948. O Repunte, de 1965. Havia passado pelo Brasil, onde havia sofrido um sinistro; nos últimos quatros anos, estava parado na Argentina, até que foi adaptado para a pesca do lagostim, comércio que movimenta milhões na temporada.

"Foi muito precário o que fizeram no navio, não aguentou um temporal", conta Irene Guerrero, mulher do oficial José Arias, o único de Puerto Madryn na embarcação e nunca encontrado. "Não podemos encerrar nossa dor porque o deixaram no mar."

Ela pressiona as autoridades para que resgatem do mar a embarcação para que então se veja as condições em que estava e os responsáveis sejam punidos. "Eles saíram para trabalhar e não voltaram mais por causa da corrupção, naquela lata velha. Mandaram eles para o matadouro", diz, chorando.

O grupo "Nenhum Naufrágio Mais", criado pelos familiares das vítimas do Repunte, pressiona por mudanças no setor, como mais segurança aos marinheiros e melhor inspeção nos barcos.

Gabriela Sánchez, irmã do capitão do Repunte, também nunca encontrado, conta que o grupo passou a receber denúncias sobre condições dos barcos em várias cidades. "As pessoas temem represálias e a falta de emprego, então recorrem a nós", diz.

"Na Argentina está naturalizado na cabeça das pessoas que um barco afunde", afirmou Sánchez. "Mas isso tem de mudar", pondera. "Há quatro ou cinco empresários que controlam tudo [no setor]. E há uma relação íntima desses empresários com políticos, sindicatos e fiscalização. No final quem morre? O trabalhador, que é só um custo de produção."


25 DE NOVEMBRO DE 2017
LYA LUFT

O tempo, amigo feroz

É uma das esquisitices do nosso tempo que na época em que mais tempo vivemos haja tanta dificuldade em relação ao que se convencionou chamar velhice. Palavras significam emoções e conceitos, portanto também preconceitos. Por isso, quero falar de minha implicância com a implicância que temos com os vocábulos - e a realidade - velho, velhice.

E, como gosto de historinhas, algumas, como esta, reais, lembro um episódio com Tônia Carrero, ainda uma linda mulher aos oitenta anos, na casa de minha comadre Mafalda Verissimo. De repente, alguém lhe perguntou: "Tônia, chegando aos oitenta, como você lida com a velhice?". Nós todos gelamos, mas ela, em pé no meio da sala, possivelmente com um cálice de champanhe na mão, respondeu sem hesitar: "Ora, eu acho ótimo. Porque a alternativa seria a morte".

A presença de Tônia era sempre uma festa naqueles tempos. E nós, eu então com mal uns cinquenta, achei maravilhosa aquela presença de espírito, e aquele pensamento. Naturalmente, nem ela, nem ninguém gostaria de envelhecer com as doenças, perdas e fragilidades que tantas vezes nos acompanham quando o número de anos cresce assustadoramente. Mas que, pelo menos, não sejamos velhos chatos e sombrios, eternamente reclamando de tudo e de todos.

Quando não pudermos mais realizar negócios, viajar a países distantes ou dar caminhadas, poderemos ainda exercer afetos, agregar pessoas, ler bons livros, observar a humanidade que nos cerca, eventualmente lhe dar abrigo e colo. Para isso, não é necessário ser jovem, belo (significando carnes firmes e pele de seda...) ou ágil, mas ainda lúcido. 

Ter adquirido uma relativa sabedoria e um sensato otimismo - coisas que podem melhorar. A mim, o que me aborrece é o preconceito evidente com que cercamos velho, velhice, como se fossem uma enfermidade, um incômodo para os outros, a demência inevitável, a chateação: "Ah, tenho de ligar para a mamãe, poxa, tenho de visitar o velho".

Isso não é apenas grosseria, mas grave pobreza emocional. Viver deveria ser poder celebrar sempre mais um dia: o nosso, e dos que amamos. E, em momentos de dor indizível, redobrar sem espalhafato, com delicadeza, o amor de que somos capazes.

LYA LUFT

25 DE NOVEMBRO DE 2017
MARTHA MEDEIROS

Humor é coisa séria

Um dia desses, um amigo me enviou uma piadinha por WhatsApp, e eu não respondi nada, que é o máximo de educação que eu consigo manter diante de uma foto bizarra acompanhada de um trocadilho infame. Ele deveria ter se tocado que não agradou e deixado por isso mesmo, mas resolveu cobrar pelo meu silêncio: pô, humor tem que ser sempre inteligente?

Que eu saiba, só existe humor na inteligência. Na falta dela, reside a idiotice.

Eu sei, eu sei. Estou parecendo extremamente mal-humorada, mas, diante desta histeria coletiva de se mandar duzentas mil gracinhas para os grupos de WhatsApp, é preciso ficar atento. Quando fazemos parte de uma turma íntima, vá lá, a idiotice pode funcionar como uma válvula de escape para as tensões do dia a dia, além de ser uma forma de manter contato - a troca de piadas tolas substitui a cervejinha no fim de tarde que não se teve tempo de tomar. Em todo caso, é bom cuidar para que a bobajada intramuros não vire alienação irreversível.

Humor bom é humor crítico. Pense na Escolinha do Professor Raimundo e no Porta dos Fundos, por exemplo. Duas épocas e duas linguagens completamente diferentes, mas a crítica está ali, no subtexto. Uma é mais popular e alegórica, a outra é mais ácida e realista, mas ambas prestam homenagem à sua, à minha, à nossa inteligência.

O humor combate a hipocrisia. O humor é uma via de transcender a mediocridade. O humor estimula o raciocínio e a reflexão. O humor desestabiliza. O humor ridiculariza o status quo. O humor empodera movimentos ("Homem não gosta de calcinha bege. Poxa, manda ele usar uma cor-de-rosa então"). O humor nos insulta e nos obriga a rir de nós mesmos, nos reposicionando no mundo de uma forma menos solene e mais humana. É o antídoto mais eficaz contra a arrogância.

Inverter o estabelecido: transformar o notável em banal, o defeito em virtude, a derrota em vitória. O olhar renovado para velhas convicções desperta a nossa consciência e solta o nosso riso, seja através da paródia, da sátira, da imitação, da ironia, do exagero, do besteirol. Até mesmo aquilo que é engraçado sem querer (o uso de um chapéu totalmente sem noção, por exemplo, ou se desequilibrar e cair da cadeira) tem uma espontaneidade que quebra o protocolo.

Qual a quebra de protocolo que há no trocadilho? É um humor tão simplório que até constrange.

Pra quem deseja ir mais fundo no assunto, vale a pena ler o livro A Doença, o Sofrimento e a Morte Entram num Bar, do português Ricardo Araújo Pereira. Ajuda a entender que o humor serve para acordar os neurônios, não para anestesiá-los, e que a ignorância só produz sorrisos amarelos.

MARTHA MEDEIROS


25 DE NOVEMBRO DE 2017
CARPINEJAR

Capitão Gancho


Quando está sozinho, os braços são um problema para o homem. Um estorvo. Ele não decidiu muito bem o que fazer com os gestos. Vacila no controle da marionete de si mesmo. Quer manter uma postura séria, compenetrada e não relaxa o tronco. Costuma escolher duas posições de defesa: braços cruzados e mãos no bolso. Neste momento, metade dos homens do universo está com a mão no bolso e a outra metade de braços cruzados.

O que o macho gostaria é de pegar tudo com os pés. Seu maior desejo é nunca parar de jogar futebol e fazer embaixadinha com objetos e roupas. Se possível, inventando um gol na cesta da lavanderia ou na gaveta.

Se largo uma cueca no chão, jamais vou me abaixar para buscar, raciocino o custo-benefício da situação, vejo que será mais fácil não me mexer e ergo a roupa com o dedão. Jogo para cima e seguro depois em festa, como se fossem cupons de urna de shopping no Natal.

Não é uma atitude isolada. Tento abrir portas com os pés, mexer na geladeira com os pés, segurar elevador com os pés, recolher xampu com os pés. Os pés são sempre mais rápidos. É também uma forma de me divertir, de manter a infância da molecagem, de realizar malabarismo de circo, de ser engraçado. Até para tirar ou colocar o tênis dispenso as mãos. Vou enfiando os pés e pulando pela casa esperando me encaixar na fôrma.

A praticidade não me seduz, opero por desafios nas atividades prosaicas e domésticas. É um rapel estranho pelas paredes do apartamento. Realizo simpatias e cumpro metas - falta apenas me fantasiar de Capitão Gancho.

Quem não gosta nem um pouco das minhas brincadeiras é a minha esposa. Vive cortando o meu barato. Acha que sou preguiçoso e não entende nada do meu incurável universo infantil. As mãos são o fracasso do homem, somente usadas em último caso.

CARPINEJAR

sábado, 18 de novembro de 2017



18 DE NOVEMBRO DE 2017
MARTHA MEDEIROS

Um bebê na plateia

Acho que já comentei este episódio: muitos anos atrás, em 1993, assisti a um show da banda Living Colour num pequeno ginásio em Santiago do Chile. Quem conhece o grupo sabe que eles tocam um funk rock pesado. O som estava incrivelmente alto, e as pessoas fumavam no local. Foi quando vi, ao meu lado, uma moça com um bebê de colo. 

Que agonia. Um bebê naquele ambiente era tão adequado quanto um gorila num concurso de miss. Não me segurei: perguntei a ela se o bebê não estaria melhor em casa. Ela respondeu que não tinha com quem deixá-lo. Tinha, sim, respondi. Com você. E dei uma piscadinha pra ela, pra parecer simpática. Ela me fulminou.

Sei que fui invasiva, mas na época eu tinha uma filha pequena e bateu mesmo um desespero: se meus tímpanos mal estavam aguentando (saí antes do bis), imagine o desconforto daquela criaturinha de poucos meses.

Os argumentos a favor da moça: só por que virou mãe não tem mais o direito de se divertir? O pai, pelo visto, não estava a postos, e babá é caro. É provável que não tivesse um parente ou uma amiga que a socorresse, e devia estar amamentando. Merece ser crucificada por causa disso?

Agora um episódio mais atual, envolvendo o ator Marco Caruso, que passou recentemente por uma situação desagradável. Ele estava encenando a peça O Escândalo Philippe Dussaert quando percebeu uma senhora na segunda fila amamentando seu filho de nove meses, uma criança que logo começou a fazer os ruídos naturais de todo bebê (regurgitar, resmungar etc). A plateia distraiu-se, o ator também, e por fim ele solicitou que ela se retirasse para que pudesse continuar o espetáculo.

A mulher saiu do teatro direto para as redes sociais, onde chamou o ator de preconceituoso, machista, ignorante, mal-educado, além de dizer que a peça era horrível (já assisti, é genial). Muitos defenderam o ator, outros deram razão à mulher, e não consigo entender mais nada. O que faz uma mãe levar um bebê a uma peça de teatro adulto, à noite? A administração do teatro deveria ter orientado a espectadora antes de o espetáculo começar, mas não o fez, e deu-se a confusão.

Mães têm o direito de amamentar no ônibus, numa sala de espera, no meio da rua. Elas precisam se deslocar até o trabalho, ir a consultas médicas e, ao mesmo tempo, manter seus bebês alimentados. Amamentação não é um ato erótico e pode acontecer em qualquer lugar, mas levar um lactente a um show de rock pesado ou a um monólogo teatral é, convenhamos, facultativo: a opção de ficar em casa tem que ser considerada. Pelo bem da própria criança e também por uma questão de bom senso.

Mas alguém quer saber de bom senso? Cada um faz o que bem entende e defende seus direitos aos berros, peitando quem ousar questioná-los. Ok, estando dentro da lei, podemos tudo, mas não custa se perguntar de vez em quando: poder, eu posso, mas devo?

MARTHA MEDEIROS

18 DE NOVEMBRO DE 2017
PIANGERS

Os tempos mudaram

Não faz muito tempo eu e minha esposa resolvemos viajar pela primeira vez sem as crianças, decisão que nos tomou tempo e discussões. As meninas teriam que ficar com as avós, e nosso medo era que de que as senhorinhas não dessem conta do recado. Que elas não soubessem alimentar direito nossas filhas. Que perdessem o horário da aula de natação. Que permitissem assistir televisão demais. Que dessem bolacha e suco artificial de jantar, algo que as duas fizeram comigo e minha esposa quando éramos crianças nos anos 80.

Essas senhoras, as avós, não entendem que as coisas mudaram. Na época que nos educaram o mundo era outro, menos violento e mais permissivo. Minha mãe tinha um Fusca e permitia que eu viajasse no vão atrás do banco de trás do carro, sem cinto e muito menos cadeirinha. Minha esposa conta que sua mãe permitia que ela saísse de casa depois do almoço e só voltasse às nove horas da noite, com a roupa suja e o joelho ralado. Imaginem isso acontecendo hoje em dia! Prendam estas senhoras!

Por isso nossa preocupação. Dizem que o trabalho dos avós é destruir todo o trabalho dos pais, e isso seria inadmissível. Levamos meses para que a minha filha de 12 anos se interessasse por matemática, através de um canal do YouTube que é engraçado e informativo ao mesmo tempo. Nossa filha de cinco anos está comendo um prato inteiro de comida no almoço, basta darmos as colheradas uma a uma na boca. Imagina estragar tudo isso deixando as meninas com as avós.

Durante a viagem imaginamos as avós permitindo tudo, comida em cima da cama e pular corda no meio da sala. Imaginei minha filha pequena indo sozinha à padaria. Meu deus! As avós não sabem como é o mundo hoje, cheio de perigos e gente má. Nos anos 80, a última década em que minha mãe cuidou de uma criança, era normal as pessoas fumarem. Só o que me falta a vovó oferecer um Marlboro pra minha filha mais velha!

O que fizemos! Precisamos voltar desta viagem!

As duas avós se revezaram para cuidar das netas. Quando chegamos em casa, preocupados, minha filha mais velha veio correndo nos receber: "Olha o que a vovó me deu", nos disse. Era um ábaco. "Agora consigo fazer qualquer conta!". A mais nova já dormia. Minha mãe me disse que ela agora come um prato inteiro de comida sozinha. "Sem aviãozinho?", perguntei. "Sem aviãozinho. E escova os dentes e dorme sozinha na cama dela", respondeu a vó.

Seguiram-se semanas em que as meninas dormiam em suas próprias camas, sempre no horário apropriado. Comiam sozinhas. Liam livros e não assistiam desenhos. Tudo muito estranho e organizado. Depois de um tempo de convivência elas deram uma piorada, é verdade. É o que dizem: trabalho de pai é destruir todo o trabalho dos avós.

PIANGERS


18 DE NOVEMBRO DE 2017
CARPINEJAR

Receita para manter a sogra longe

Você não suporta a sogra insistentemente por perto?

Não tem mais paciência para vê-la aparecendo de repente e assumindo o controle de casa?

Você conversou com o marido, pediu limites e providências e nada foi feito?

Você descobriu que está casada com um filhinho da mamãe, de sangue de barata, e que ele jamais vai se opor à invasão do espaço e desembaraçar a confusão de papéis?

Você já está no último auge da escravidão, quando ela abre a geladeira como uma fiscal da vigilância sanitária para verificar o que tem e determina o que deve ser descartado e o que deve subir no congelador?

Tenho a receita de olho de sogra, a simpatia para ela nunca mais incomodar.

Pense comigo. Não funcionou a clara oposição: ou ela ou eu, pois ele ainda continua pendendo para as razões e tirania materna, sob a alegação de que ela somente pretende ajudar. Não surtiu efeito o boicote ao sexo, a birra, as intermináveis discussões de relacionamento chamando atenção para a manutenção da privacidade e dos segredos, sem que sejam partilhados com a matriarca.

A fórmula é realizar exatamente o contrário: seja a melhor amiga da sogra. Convide-a para todos os eventos a dois, até para aquele restaurante romântico que costumam frequentar uma vez por semana. Só fale dela para o marido durante dois meses seguidos, elogiando-a, defendendo-a, achando estranho que ele não vem dando a devida atenção à própria mãe, que ele precisava agradecer, com esforço redobrado, o mérito do nascimento e da vida. Compre presentes de decoração estranhíssimos, com bilhetes açucarados: "Segui o conselho de sua mãe, um exemplo de mulher!".

Transforme a admiração em obsessão. Traga a sogra para assistir a uma longa série de Netflix de noite com direito a cobertor no sofá e pipoca. Desligue o celular e faça longas incursões com ela pelos shoppings - ao chegar tarde, o esposo se sentirá excluído dos planos de passeio e perguntará "onde estavam?". Confidencie manias na cama para a sogra e depois encerre o assunto com muitas gargalhadas quando ele se aproximar.

Trate de ser mais filha que o filho. Nenhum marido aguenta disputar a mãe com uma irmã. Ele romperá os laços com a mãe por ciúme e desfrutará de longeva exclusividade. Ainda poderá colocar a culpa nele, telefonar para a sogra dizendo não entender o que está acontecendo, que ele é um filho ingrato e que ela foi sempre excelente e não merecia nem um pouco tamanha desconsideração.

CARPINEJAR

sábado, 11 de novembro de 2017


11 DE NOVEMBRO DE 2017
LYA LUFT

O menino e sua mãe



No dia 2 de novembro, Finados, a morte - que tudo comanda - levou um de meus filhos. André, um gigante de corpo e alma, belíssimo por dentro e por fora, morreu na plenitude da vida, fazendo o que mais amava: surfando nas águas verdes de Florianópolis, onde, embora trabalhando na África, ele e sua mulher residiam. Ainda incapaz de escrever coisas coordenadas, reproduzo aqui, para meus leitores, o trecho da página 67 de meu novo livro, A Casa Inventada, que já está nas livrarias. O menino, então com uns sete anos, era o André.

Um menino e sua mãe voltavam das compras no ônibus quase vazio. Ele segurava no colo o presente cobiçado: um microscópio "de verdade", dado pelo pai, mas a mãe fora com ele comprar. De vez em quando, ele passava a mão no pacote:

- Parece mentira, né, mãe? - olhar sonhador daqueles olhos grandes de um azul indescritível.

- Mãe, que igreja é essa?

- Nossa Senhora Auxiliadora.

- Por que tem tanta Nossa Senhora? Não era só uma?

- É uma, sim, filho, mas ela tem muitos nomes.

- E o Nosso Senhor é São Pedro, né? Marido dela.

- Não, é Jesus. Quem se casou com ela foi São José. São Pedro era amigo de Jesus - a mãe suspirou: não praticar muita religião dava nisso.

- Ah... E por que o José não é o Nosso Senhor, se era casado com Nossa Senhora? - os olhos azuis começavam a deixar a mãe inquieta.

- Acho que é porque Jesus e Nossa Senhora são mais importantes, filho.

- Mas o José não era pai dele?


- Não era de verdade, o pai dele era Deus, José era pai adotivo.

- Então Jesus não nasceu da sementinha do José?

O silêncio no ônibus já meio vazio parecia imenso. O menino falava em voz alta e clara, pra ele era tudo natural, assim ensinavam em casa.

- Não, filho, Deus fez brotar a sementinha direto em Nossa Senhora, foi um milagre.

- Ué, então não foi como nas pessoas? - agora o silêncio podia ser cortado com faca. A mãe se fez de distraída, mas o menino pensava, concentrado.

- Mãe, como é que antigamente as primeiras pessoas sabiam como se fazia pra ter bebê, se ninguém tinha ensinado a elas?

- Ora, filho, essas coisas a natureza ensina.

- Mas a natureza não é pessoa pra ensinar a gente.

- Quer dizer, quando a gente cresce, aprende por si.

- Mãe, olha, nessa placa estava escrito Rua Mozart! Eu acho que ele mora aqui!

- Ele quem?

- O Mozart, mãe. Quem ia ser?

- Não, filho, ele viveu na Europa.

- Ah é? Até achei que era nos Estados Unidos, onde moram pessoas importantes.

Finalmente desembarcaram. Parado na calçada, sol nos cabelos claros, o menino retomou seu ar sonhador ainda segurando o pacote.

- Mãe, como eu tenho um pai bom, né?

E acrescentou depressa:

- Mãe também, claro...

LYA LUFT

11 DE NOVEMBRO DE 2017
J.J. CAMARGO

A FALTA QUE FAZEM AS COISAS MAIS SIMPLES


O consultório pode ser um lugar monótono e desanimador, mas também pode ser divertido e estimulante. Claro que uma parte de como será vai depender do que você leva consigo, mas o mais instigante é não ter a menor ideia do que vai encontrar.

Muitas vezes penso nisso quando empurro a porta e abro o melhor sorriso para anunciar um simpático "boa tarde". Tudo aprendizado de anos de atendimento que me ensinaram o quanto é difícil restaurar uma relação que começou torta. Por isso, insisto com os residentes da importância de ter em mente que aquele paciente saiu de casa com a maior expectativa, fantasiosa ou não, de que encontraria alguém capaz de ao menos ouvi-lo com dignidade, e isso não deve ser considerado um bônus do atendimento médico, mas a rotina entre duas pessoas estranhas, aproximadas por uma circunstância inesperada que vitimou emocionalmente a uma delas.

E como o médico, por mais experiente e generoso que seja, não consegue carregar mais do que um ser humano com suas limitações, problemas e angústias, sempre haverá um dia daqueles em que o modelo de gentileza e doçura não funciona.

Às vezes, se consegue restaurar a cordialidade atropelada, outras não. Muitos meses depois da cirurgia, o Albino fez um comentário revelador: "Hoje, meu doutor, estamos comemorando o nosso aniversário de namoro. E depois de um ano posso lhe contar que só aguentei a primeira consulta porque me disseram que o senhor era muito bom pra consertar a traqueia das pessoas, mas que antipatia naquela segunda-feira!".

O comentário do Albino, um homem tosco, mas afetivo, tinha a sinceridade que marca as pessoas mais puras, e por isso mais confiáveis. Eu não lembrava o que tinha ocorrido na tal segunda-feira, mas fiquei com a certeza de que o extravasamento daquele mau humor, por mais justificado que fosse, tinha sido imperdoável. Menos mal que a tolerância do Albino permitira uma segunda chance que, quando negada, deixa a sequela definitiva com que são penalizados os subestimadores do sofrimento alheio.

Outras vezes, a relação fortuita traz uma revelação inesperada e inesquecível. Quando abri a porta que dá acesso ao ambulatório dos pacientes mais humildes e chamei a dona Rosaura, não houve resposta imediata. Até que uma velhinha, depois do segundo chamado, começou a se deslocar com aquela lerdeza de quem está iniciando a única tarefa do dia. Quando lhe dei a mão, a ideia, como sempre, era de cumprimentá-la, e então, metade porque ela tinha a pele com aquela inconfundível maciez da velhice e outra metade porque queria ajudá-la a percorrer mais rapidamente o caminho até a minha sala, continuamos de mãos dadas.

Ao perguntar-lhe quais eram suas queixas, ela foi muito sincera: "Ah, doutor, eu não queria que o senhor ficasse bravo comigo e me desculpasse de eu não ter nada doendo, mas eu só queria conversar com alguém, e já vou lhe contando que lá fora tem duas mulheres, até mais moças do que eu, que também não têm doença nenhuma. Mas o que aconteceu comigo aqui eu não esperava, e aquelas ciumentas nem vão acreditar. Desde que o Antenor morreu, há 13 anos, eu nunca mais tinha andado de mãos dadas com ninguém".

E encheu os olhos para confessar: "E eu sinto uma falta dele!".

J.J. CAMARGO



11 DE NOVEMBRO DE 2017
CLÁUDIA LAITANO

PODER E RESPONSABILIDADE


Se Mark Zuckerberg, fundador do Facebook, fosse o Homem-Aranha, este seria o momento em que seu Tio Ben deveria puxar o guri prum canto para proferir uma das mais célebres (e sábias) lições de moral do universo dos quadrinhos: "Com os grandes poderes vêm também as grandes responsabilidades".

Em junho, o Facebook atingiu 2 bilhões de usuários - quase 25% da população mundial, que chegou a 7,6 bilhões de almas no mesmo mês -, mas a responsabilidade de Zuckerberg diante do seus superpoderes na internet anda mais para Formiga Atômica do que para Homem-Aranha.

As cobranças tornaram-se especialmente intensas nas últimas semanas, depois que a própria empresa admitiu que mais de 10 milhões de usuários da rede social foram expostos a anúncios cuja finalidade era estimular a divisão política nas eleições americanas de 2016. A chapa esquentou ainda mais no último domingo, dia 5, quando as investigações da série de reportagens Paradise Papers revelaram que um empresário ligado ao Kremlin andou investindo na empresa.

Originalmente, o Facebook via a si mesmo (e era visto) como uma força do bem, uma plataforma criada para facilitar a comunicação entre as pessoas e "mudar o mundo" - para usar o jargão preferido de Silicon Valley. Amistosa o suficiente para ser frequentada por avós e seus netinhos, a rede social era também potencialmente revolucionária, com a capacidade de mobilizar forças em torno de causas justas sem a necessidade de intermediários. A imaginação no poder, como sonhavam os jovens rebeldes de 1968.

Nos últimos tempos, porém, o Facebook anda mais parecido com aqueles vilões megalomaníacos que dão gargalhadas macabras enquanto fazem planos para dominar o mundo. Não que Mark Zuckerberg seja uma espécie de Lex Luthor disfarçado de nerd, mas o fato é que ele não tem agido à altura dos seus superpoderes. Talvez lhe faltem as luzes (ou a disposição) para perceber que sua empresa deixou de ser um negócio como outro qualquer, tornando-se uma entidade sem paralelo, em dimensão e influência, na história das relações humanas.

Esse ambiente em que fotos de gatinhos, publicidade e notícias falsas disputam a atenção das pessoas sem que elas percebam que estão sendo manipuladas por algoritmos que nem sequer entendem como funcionam, tem produzido, como subproduto, a erosão do espaço público e da capacidade de convívio com o contraditório. Nada mais justo que sejam cobradas da rede social transparência e algum tipo de regulamentação - e até mesmo que o modelo de negócios seja menos ávido por dinheiro de origem nebulosa.

O Facebook tem se mostrado muito ágil para reconhecer e censurar peitos (mesmo os de mármore...) e para desenvolver algoritmos capazes de antecipar os movimentos de seus usuários. O que se espera agora é que a empresa reaja com a mesma eficiência para combater a desinformação, as notícias falsas, as fraudes e o dinheiro suspeito.

CLÁUDIA LAITANO


11 DE NOVEMBRO DE 2017
MARTHA MEDEIROS

Somos todas DIVAS


Até mesmo as mulheres mais estonteantes do planeta passam por momentos tensos em frente ao espelho. Nunca estamos 100%, ao menos não na nossa própria avaliação. Digo nossa a fim de englobar o gênero feminino, e não a classe específica das estonteantes, coisa que nunca fui. Bem que eu queria ser lindona, mas não me coube essa sorte e tudo certo. 

A beleza pode ser substituída por charme, por sensualidade, por exotismo, por maturidade, por mil outros atributos. Jamais sonhei em ser clone da Barbie, uma perfeitinha sem expressão. Ando ocupada com questões mais relevantes, porém, claro, adoraria ser bonita, e não interessante, o eufemismo clássico para quem não chegou lá.

Calma. Está tudo bem. Ninguém cortando os pulsos por aqui.

A maioria das mulheres é bela. As brasileiras são exuberantes e atraentes em toda a sua diversidade. Negras, brancas, crespas, lisas, gordas, magras. Eu percebia isso já na sala de aula, criança ainda. Cada menina tinha sua graça. Eu me sentia o patinho feio entre todas elas e, como namorava menos, tinha solidão de sobra para me dedicar aos livros, que foram meus verdadeiros affairs da adolescência.

Ao menos era alta e tinha um corpo bacana, mas isso não era suficiente pra ser a primeira opção nas reuniões dançantes. Então os anos passaram e meu cabelo melhorou, minha cabeça melhorou, a vida melhorou, e por fim descobri que a atração entre um casal pode ser dar por outros caminhos, tanto que tive namorados, casei, descasei, segui namorando e me tornei o grande amor de mim mesma, a relação essencial que alavanca todas as outras. Mas, entre mim e meus botões, às vezes ainda lamentava: quem dera ser gata.

Até que surgiram as redes sociais e o autobullying chegou ao fim. Hoje, nem mesmo a irmã gêmea do Quasímodo tem do que reclamar. Somos todas divas.

A criatura acorda às sete da manhã com o rosto inchado pelas 26 long necks que entornou na noite anterior. Posta uma selfie de ressaca, coberta de olheiras, e adivinha os comentários: Lindíssima! Poderosa! Lacrou!

Se você tem um pouco de noção, deleta a foto da ressaca e posta a foto em que está com o cabelo estrategicamente cobrindo metade do rosto: Musa! Deusa! Arraso!

Você tem 96 anos, com aparência de 104, está deformada por uma dúzia de plásticas e posta um autorretrato mesmo assim, pois anda meio gagá e já não enxerga quase nada: Gatíssima! Avião! Perfeita!

Não é o paraíso? Se a gente não está num dia bom, é só escolher a melhor foto entre as duzentas que tirou no fim de semana, caprichar no enquadramento e postar com a legenda: "sem filtro". E então começar a contar os "uau" pipocando um embaixo do outro. Não existe mais mulher feia nem com baixa autoestima - a não ser que ela não tenha seguidores.

MARTHA MEDEIROS


11 DE NOVEMBRO DE 2017
CARPINEJAR

Um crucifixo no jardim

Um pouco de sofrimento dá saudade e pode apressar reconciliações. Uma colher de sopa de dor, não mais que isso.

Qualquer um aguenta um mês longe, inclusive dois meses, um constrangimento, um desentendimento sério, uma ausência muda de telefonemas e aparições.

Angústia breve é salutar, permite ajustes necessários na convivência, trazendo à tona exigências e reivindicações até então secretas. Uma briguinha não é ruim, revela o que não foi acertado no início, aumenta com a lupa as cláusulas minúsculas do contrato afetivo.

Já não deixe o seu amor sofrer demais, o risco da superdose é fatal. É necessário não passar do ponto, evitando converter teorias dissonantes em grosserias e aviltamento da personalidade.

A generosidade do enamoramento tem o seu limite. Logo a distância perde o charme e expõe que, de repente, não vigora nenhuma aceitação e compatibilidade de gênios.

O sofrimento excessivo termina relacionamentos. O sofredor é capaz de realmente cansar de amar e não querer mais nada em seguida. Ficará vacinado para qualquer nova aproximação.

Não brinque com as esperanças e expectativas, não recue nas palavras, não apresente a todos amigos e familiares para remendar que não queria algo sério. A vergonha costuma não oferecer caminho de volta.

Quando as lembranças ruins superam as boas, quando o mal-estar abafa a paixão do começo, o namoro tem os seus laços quebrados. Quem pensa demais sempre vai se separar, já que a emoção tornou-se secundária. Pois daí é possível se defender racionalmente daquilo que não se gostou.

Depois de aguardar um pedido de desculpa por longo tempo inutilmente, não existe conserto. Arrependimento não deve ser demorado. Mesmo que o perdão venha, será atrasado e servirá para somente limpar a consciência, não lavar o amor. O outro não acreditará mais. O outro não suportará a ideia de passar pela mesma tormenta no futuro. Terá força para dizer não, de tantas negativas acumuladas dentro de si.

Separação é como esteio de uma planta jovem. A madeira de alicerce, se tremendamente pesada, encurvará o caule e se transformará em crucifixo de lápide no jardim.

CARPINEJAR

quinta-feira, 9 de novembro de 2017



09 DE NOVEMBRO DE 2017
FEIRA DO LIVRO

QUANDO O RISO É A MELHOR CRÍTICA

MESA COM HUMORISTAS como Gregório Duvivier e Luis Fernando Verissimo foi atração concorrida da praça

Em suas variadas formas, o humor faz rir, provoca reflexões e pode ser até uma forma de levar a vida mais leve e encarar situações complexas de uma forma diferente. Na noite de ontem, escrever e falar com humor foram os temas de um encontro de grandes personalidades como Luis Fernando Verissimo, Antonio Prata, Gregório Duvivier e o português Ricardo Araújo Pereira. 

Em comum, todos têm, além da verve e de já terem produzido humor para várias mídias, o fato de serem colunistas da grande imprensa - Verissimo, em Zero Hora e no Globo. Os demais, na Folha de S.Paulo. Com tal experiência, mediados pelo jornalista Roger Lerina, o quarteto não teve dificuldade para arrancar risadas do público que lotou o Teatro Carlos Urbim, na 63ª Feira do Livro de Porto Alegre. Verissimo abriu a conversa falando sobre o humor como ferramenta de discurso

- Com o humor a gente pode fazer comentários sobre qualquer assunto, mas sempre com cuidado - disse Verissimo.

Gregório Duvivier fez um adendo. Para ele, o humor "nasce do incômodo", mas com ressalvas:

- Quando a revolta é muito grande, aí é difícil. O tempo todo tenho dificuldade, às vezes há uma briga entre política e humor. Porque você pode falar coisas sérias através do humor, mas seriedade demais pode matar o humor.

OS LIMITES DO HUMOR TAMBÉM EM DISCUSSÃO

Para os debatedores presentes, assim como tem a capacidade de, por meio do riso, fazer alguém pensar sobre as coisas sob uma nova perspectiva, o humor deixa de ser humor quando gera incômodo em quem está ouvindo. Há um limite, que vale para os dois lados. 

- A gente vive num país que não tem o hábito de problematizar. Antigamente, as minorias não tinham voz. E agora, o que muda é que elas têm voz e isso foi uma revolução. Tem gente que acha que a liberdade de expressão vale só para o piadista, mas ela precisa valer também para quem se ofende quando o humor vira preconceito - comenta Duvivier.

De acordo com o humorista do Porta dos Fundos, que veio a Porto Alegre lançar seu livro de crônicas Caviar é uma Ova, é preciso haver um equilíbrio entre a liberdade do humorista e a repercussão da piada em um determinado grupo:

- Não dá para dizer que o ofendido tem sempre razão, mas, da mesma forma, também não dá para dizer que o humorista tem sempre razão.

Antonio Prata, que veio lançar o misto de crônica e memória Trinta e Poucos, vê o ofício de fazer rir sob uma luz mais pragmática e crítica:

- Nenhum humorista, em sã consciência, acredita que vai mudar a realidade com as suas piadas.

Como contraponto, Ricardo Araújo Pereira, que autografa ontem os livros Se Não Entenderes eu Conto de Novo, Pá e A Doença, a Morte e o Sofrimento Entram num Bar, afirmou que o humor pode tornar o mundo menos duro:

- Eu acho que é possível que o humor contribua para tornar o mundo um pouco mais fácil pra nós. O mundo não muda, o mundo continua igual, mas a nossa perspectiva muda diariamente.

Na era das redes sociais, onde todos têm opinião, Duvivier considera a internet um espelho deformado da realidade:

- A maioria das polêmicas da internet só afeta a internet, é uma bolha. A gente ainda tá aprendendo a lidar. O mundo é mais legal do que a internet.

Matando a curiosidade do público, Ricardo Pereira disse que em Portugal não há piadas de brasileiros:

- Uma vez me perguntaram se em Portugal não existia piadas de brasileiro. Aí eu disse "e precisa"? - divertiu-se o português, fazendo a plateia rir

Dica do dia

Luís Eduardo Gomes
Diadorim Editora, 176 páginas

Os Lanceiros Negros

Com o subtítulo Histórias de Vida e de Luta pela Moradia, este livro-reportagem do jornalista Luís Eduardo Gomes reconstitui os quase dois anos da ocupação Lanceiros Negros, no centro de Porto Alegre, de novembro de 2015, quando famílias ocuparam um prédio público na esquina das ruas General Câmara e Andrade Neves, até a desocupação do local realizada pela Brigada Militar em junho deste ano. 

O livro reconstitui as histórias dos ocupantes do imóvel e esmiúça os bastidores do processo judicial que levou à desocupação. Gomes participa hoje, às 18h30min, de um debate sobre o livro e a questão da moradia no Brasil na Sala Leste do Santander Cultural, e, às 19h30min, autografa o livro na Praça de Autógrafos.

O papel da escrita

Uma das principais vozes da literatura de autoria negra no Brasil, a escritora Conceição Evaristo conversou ontem com os leitores na feira. O público lotou o Teatro Carlos Urbim, maior espaço do evento, para ouvir a autora de Olhos d?Água tratar de temas como a representação da mulher negra na ficção e o papel da literatura na criação de uma identidade coletiva.

A escritora foi recebida pelo professor Luiz Maurício Azevedo e pela jornalista Priscila Pasko. Conceição começou o bate-papo explicando a importância da tradição oral em sua formação familiar:

- Não nasci rodeada de livros. Nasci rodeada de palavras. Tenho tentado o máximo possível estar próxima dessa herança que me foi conferida. É uma herança da cultura africana, das mulheres que me antecederam. Pessoas que mal iniciaram a formação escolar, mas eram donas de outro saber. Foram essas mulheres que me introduziram no mundo da literatura.

Hoje com 70 anos, Conceição começou a publicar seus primeiros livros no início dos anos 2000, mas só passou a ser reconhecida por grandes eventos literários nos últimos anos, depois de vencer um Prêmio Jabuti, em 2015.

- A valorização atual das escritoras negras partiu muito dos nossos esforços, das nossas lutas. O primeiro lugar de recepção dos meus textos foi o movimento social negro, principalmente pelas mulheres professoras, que levavam esses textos para sala de aula. Hoje, meus textos já são lidos em outras situações, mas quem os legitimou em primeiro lugar foi o movimento. Hoje já temos alguns pesquisadores não negros que defendem a inclusão de nossos nomes nas universidades e no vestibular.

Além de tratar da importância das escritoras negras, Conceição também analisou como as personagens negras têm mudado com um maior reconhecimento da literatura feita por negros:

- Na literatura brasileira canônica, a personagem negra como mãe é muito rara. Nas obras como Gabriela, de Jorge Amado, ou Menino de Engenho, de José Lins do Rego, as mulheres negras são muitas vezes responsáveis pela iniciação sexual dos meninos. Na cosmogonia africana, há o papel fecundante das mulheres, que vai além da fecundação física. É por isso que nós, autoras negras, damos tanta atenção às cosmogonias. A literatura é uma possibilidade de criação de identidade coletiva. Para um povo de diáspora, isso é importante. É um modo de escrever sobre uma origem que não conhecemos.

Infantil

Muitos dos autores que autografam na Feira ao longo do evento têm longa experiência em lançar livros e assinar exemplares para o público. Não é o caso dos 40 (muito) jovens autores de Balão Vermelho É História e Poesia, livro que será autografado hoje, às 10h, no Saguão do Memorial do RS. O livro de 161 páginas compila textos e poemas escritos por alunos das turmas Jardim A e Jardim B da Escola de Educação Infantil Balão Vermelho, uma das mais tradicionais da Capital. Os pequenos autores têm idade entre 4 e 6 anos. Este é o oitavo volume reunindo textos de alunos do projeto de escrita literária da escola.

Cultura

Paulo Roberto de Fraga Cirne autografa hoje, às 18h30min, na Praça da Alfândega, seu livro Tradicionalismo Gaúcho Organizado: 70 Anos de História (1947 - 2017). Com a experiência de quem trabalhou por 19 anos no MTG, Cirne recupera fatos e estatísticas do gauchismo, da fundação do movimento entre estudantes do Colégio Júlio de Castilhos a sua disseminação pelo país.

Misturando os formatos de ensaio e almanaque, o livro (Edição do autor, 230 páginas, R$ 30) apresenta também a evolução do MTG como movimento e o surgimento dos principais festivais de cultura gauchesca, como o Enart ou a Califórnia da Canção Nativa.

Quadrinhos

O cartunista e agora cada vez mais quadrinista Neltair Abreu, o Santiago, estará hoje na praça para discutir as relações entre a literatura oral e a narrativa em quadrinhos. Santiago está lançando na Feira hoje, às 18h30min, seu livro A Menina do Circo Tibúrcio (Libretos, 60 páginas, R$ 40), no qual transforma em quadrinhos causos de infância. Antes, às 17h, na Sala Leste do Santander Cultural, participa de um bate-papo com o jornalista Hiron Goidanich, o Goida, e com o também artista Guaraci Fraga sobre a natureza oral dos causos e seu processo para transformá-los em narrativa gráfica.

Destaques da programação

Hoje - 18h30min
Debate sobre "Os Maias", de Eça de Queirós

A professora da UFRGS Maria da Glória Bordini apresenta uma palestra sobre o maior romance do autor português. A atividade é parte da programação da Secretaria Municipal de Cultura que discute grandes clássicos. Na Sala O Retrato do Centro Cultural CEEE Erico Verissimo (Rua dos Andradas, 1.223)

Hoje - 19h
Sarau sobre Hilda Hilst

Arlete Cunha, Diego Schütz e Camila Umpiérrez apresentam o espetáculo In Cantus de Hilda Hilst, que reúne prosa, entrevistas e poemas da autora musicados por Zeca Baleiro. Na Tenda de Pasárgada, na Praça da Alfândega (Diante do Memorial do RS).

Amanhã - 15h
Homenagem a Ricardo Piglia

Exibição do filme Ricardo Emilio Piglia Renzi, sobre o escritor argentino falecido em janeiro deste ano. Após, debate com a professora da UFRGS Márcia Ivana de Lima e Silva e o jornalista e escritor Sergio Karam sobre o legado do autor de Dinheiro Queimado e A Respiração Artificial. Na Sala Oeste do Santander Cultural (Sete de Setembro, 1.028)

Amanhã - 18h
Bate-papo com Luiz Philippe de Orleans e Bragança

Cientista político e descendente da família real brasileira discute "Por que o Brasil é um país atrasado?". No Auditório Barbosa Lessa do Centro Cultural CEEE Erico Verissimo (Rua dos Andradas, 1.223)
BÁRBARA MÜLLER ALEXANDRE LUCCHESE

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