sábado, 12 de outubro de 2019


12 DE OUTUBRO DE 2019
COM A PALAVRA - leonardo.vieceli@zerohora.com.br

SOMOS IGNORANTES EM RELAÇÃO À CHINA.

ENTREVISTA COM: RICARDO GEROMEL, Administrador, 32 anos Chama a atenção o fato de ele ser o irmão caçula do ídolo do Grêmio Pedro Geromel. Mas Ricardo, que hoje vive na China e acaba de lançar livro sobre o país asiático, é bem mais do que isso. Ele esteve em Porto Alegre no dia 1º para uma palestra.

Logo depois de pegar o microfone, o palestrante faz questão de reforçar:

- Me apresento como Ricardo Geromel. Sou o irmão do Pedro.

A declaração espalha sorrisos na plateia que o aguarda para o início de um evento cujo tema é a economia da China, durante um almoço em um restaurante de Porto Alegre. Ricardo, 32 anos, vive no país asiático desde 2018. Do outro lado do planeta, acompanha o sucesso de seu único irmão, Pedro Geromel, 34 anos, com a camisa do Grêmio.

Além do laço familiar com o ídolo do futebol, a trajetória profissional de Ricardo também chama atenção. Formado em Administração pela Farleigh Dickinson University (EUA), trabalhou no mercado financeiro, já investiu em dois clubes de futebol dos Estados Unidos, mapeia bilionários para o ranking da revista Forbes e atua como CEO da StartSe na China - a plataforma busca fomentar o empreendedorismo por meio de cursos, eventos e viagens ao Exterior.

Ao longo da faculdade, Ricardo jogou futebol universitário, na posição de meio-campo. Como não se destacou no esporte, deixou a bola de lado e concentrou seus esforços nos estudos. Fluente em cinco idiomas, acaba de apresentar seu novo livro, O Poder da China, lançado pela editora Gente. A publicação detalha os processos de inovação e a capacidade da economia chinesa, que representa cerca de 15% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial.

Após desembarcar em Porto Alegre, no dia 1º, véspera do jogo entre Grêmio e Flamengo pela Copa Libertadores, Ricardo conversou com ZH. A entrevista ocorreu entre uma garfada e outra de seu almoço e incontáveis paradas para atender ao público que assistiu a sua palestra. A agitação, diz ele, faz parte de seu dia a dia no mundo oriental.

- A imagem que os brasileiros têm da China é do passado. O país é uma potência tecnológica. O que está por trás disso é a formação de cérebros - explica Ricardo.

COMO É A RELAÇÃO COM SEU IRMÃO?

A gente se fala bastante. Antes de chegar aqui (no local da palestra), fui vê-lo no Centro de Treinamentos do Grêmio. É o meu melhor amigo. Meu irmão foi a primeira pessoa a ler meu novo livro. Ele me sacaneou (risos). Mandei para ele a primeira versão, para depois corrigir eventuais erros ortográficos. A parte que está como anexa é culpa dele. Antes, era o primeiro capítulo, e meu irmão pediu para confiar nele e mandar esse trecho para o final do livro. Achou erros e me ajudou muito.

COMO SURGIU A IDEIA DE ESCREVER O LIVRO SOBRE A ECONOMIA DA CHINA?

É fato: somos ignorantes em relação à China. Ponto. O livro traz um pouco, o mínimo, o básico, para pensarmos no país como superpotência inovadora. Serve de ponto de partida para conseguirmos mergulhar mais profundamente no assunto. Entendemos e compramos o sonho americano, mas nem sabemos qual é o chinês. O país asiático é o nosso principal parceiro comercial. Os brasileiros não pensam muito na China. Têm preconceito, ideias errôneas.

POR QUÊ?

Não chega muita informação de lá. Não temos jornalistas daqui trabalhando no país asiático. O que chega ao Brasil são informações regurgitadas de The Wall Street Journal, Financial Times. A China deveria fazer parte do currículo básico de estudos aqui no Brasil. Há um consenso entre economistas de que a economia chinesa será a maior do mundo, só não se sabe quando. O Fundo Monetário Internacional (FMI) estima que isso vá ocorrer em 2030.

VOCÊ DESTACA EM SEU LIVRO O POTENCIAL DE INOVAÇÃO DOS CHINESES. HÁ CHANCE DE O BRASIL ALCANÇAR NÍVEL SEMELHANTE NA ÁREA?

A gente pode desconhecer a China, só que a tecnologia chinesa está chegando aqui, está cada vez mais presente entre nós. O AliExpress, uma plataforma do Alibaba (gigante que atua no setor de vendas), já é um dos 30 sites mais visitados do Brasil. A Huawei (do setor de telecomunicações) tem grandes operações aqui no país. Faz a infraestrutura de vários bancos e empresas de telecom. A China é o maior parceiro comercial do Brasil. Há traders (investidores) do mercado financeiro que chamam o Brasil de derivativo da China. Ou seja, um ativo que tem seu preço atrelado a outro. O Brasil é dependente da China, mas ainda não entendemos isso.

O PRESIDENTE JAIR BOLSONARO AFIRMOU QUE OS CHINESES PODERIAM COMPRAR NO BRASIL, MAS NÃO O BRASIL. QUAIS FORAM OS IMPACTOS DESSA DECLARAÇÃO?

Acho que, na ocasião, os chineses deram uma esperada para ver se Bolsonaro se aliaria totalmente a Donald Trump. Quando o (vice-presidente) Hamilton Mourão foi para a China, Xi Jinping (presidente do país asiático) o recebeu. Ele foi muito bem recepcionado. Mas não há clareza ainda. É esperar para ver.

COMO VOCÊ ANALISA O CENÁRIO DE INOVAÇÃO NO RIO GRANDE DO SUL?

Não acompanho o tanto que gostaria, porque moro em Pequim. Mas pessoas daqui, como o José Renato Hopf (criador da GetNet e da plataforma 4all) são visionárias. Quando ele me explicou o que está querendo fazer com a 4all, fiquei de queixo caído, porque é uma visão de longo prazo impressionante. Acredito no potencial do Estado por conhecer pessoas daqui, como os sócios da StartSe. Acredito nas pessoas em primeiro lugar. Na primeira vez em que estive no Tecnopuc, achei que estava na Califórnia. É impressionante, maravilhoso. Um ecossistema empreendedor e maduro precisa de bons empreendedores, de empresas grandes, do governo, da academia. Não sei como todos esses papéis estão no Rio Grande do Sul. Mas pessoas que conheci daqui, como Pedro Englert (sócio da StartSe) e o José Renato, são de classe mundial.

TANTO O GOVERNO FEDERAL QUANTO O GAÚCHO ENFRENTAM DIFICULDADES FISCAIS. COMO O PODER PÚBLICO PODE ESTIMULAR A INOVAÇÃO?

No Brasil, temos de começar pelo básico. A educação é a base de tudo. Sem melhora em educação, não dá para ter esperança. Não dá. Nessa área, o que posso fazer é trazer um pouco da experiência na China, que não teria tirado mais de 800 milhões de pessoas da extrema miséria (desde a década de 1980).

VOCÊ DIRIGE AS OPERAÇÕES DA STARTSE NA CHINA. QUAL É O OBJETIVO DESSE PROJETO?

A StartSe é uma empresa de educação, focada em trazer a nova economia para o Brasil e os brasileiros. Já levamos mais de 400 pessoas à China para conhecer empresas, em busca de oportunidades de negócios e investimentos. É educação executiva. Organizamos isso. Temos base em Xangai e outra em Pequim.

COMO É FEITO O MAPEAMENTO DOS BILIONÁRIOS PARA O RANKING DA REVISTA FORBES?

Trabalho ainda para a revista. Agora, como freelancer. Antes, como full-time. Cubro os bilionários para o ranking anual. Mapeio eles. Analiso, por exemplo, o valor de mercado de suas empresas. Tem a parte legal que você pode sentar e entrevistar os caras. Às vezes, fala com as ex-esposas (risos). Tem um cara sensacional, que é gremista, o Alexandre Grendene, presente na lista há muito tempo. O legal é a possibilidade de conviver com eles. Comecei a trabalhar na Forbes em 2011. Foi quando conheci minha esposa.

TEM IDEIA DE QUANTOS BILIONÁRIOS VOCÊ CONSEGUIU MAPEAR?

Não. Fiz alguns na Argentina, na França, na África, mas meu foco é o Brasil. Para aparecer na lista, a regra é ter US$ 1 bilhão ou mais de patrimônio. É uma tarefa engraçada. Já me peguei mandando vários e-mails para minha chefe dizendo que o cara "só tinha" US$ 500 milhões como fortuna pessoal. O país que mais cresce em bilionários hoje é a China. Se a Califórnia fosse um país, seria o terceiro da lista. No mundo, são 2,1 mil bilionários. No Brasil, há 66, segundo dados do ano passado.

VOCÊ JÁ INVESTIU EM DOIS TIMES DE FUTEBOL NOS ESTADOS UNIDOS, O FORT LAUDERDALE STRIKERS E O SAN FRANCISCO DELTAS. POR QUE RESOLVEU ATUAR NESSA ÁREA?

A liga à qual esses times pertenciam deixou de existir, e eles não tiveram onde jogar. Lembro que um amigo meu estava comprando um time em Phoenix. Quando eu trabalhava na Forbes, me mudei para lá para ver se valia a pena ter um clube. Fiz um plano para o país inteiro. Vi que o ideal seria montar um time em Fort Lauderdale, do ladinho de Miami. 

O número um seria San Francisco, mas era muito mais caro. Na equação de um novo time de futebol nos Estados Unidos, a principal variável é o estádio, que tem de ser confortável, com boa cobertura contra a chuva. As pessoas não vão a todos os jogos lá. Recomendei Fort Lauderdale e fui atrás de investidores. Depois que compramos o time, o Ronaldo Fenômeno entrou como sócio. Aprendi muito com essa experiência. Depois, pensei em tirar da gaveta o plano de San Francisco e encontrei investidores de Apple, Google, PayPal, Facebook e Yahoo!.

QUAL SUA ATIVIDADE PROFISSIONAL PREFERIDA?

Quando estou aprendendo, estou feliz. Tem o empreendedor. Na verdade, sou um "aprendedor" profissional. Meu negócio é aprender.

Qual é o seu time do coração?

O time do meu pai é o Corinthians. Até hoje, quando o Corinthians enfrenta o Grêmio, ele torce contra o filho. É uma coisa louca. Põe a camiseta do Corinthians. Meu irmão fica chateado, minha mãe fica chateada, eu dou risada (risos). Eu era são-paulino, mas, quando fui aos Estados Unidos, teve uma confusão no Campeonato Brasileiro com arbitragem (em 2005, quando reportagens da revista Veja denunciaram a chamada Máfia do Apito). Na época, perdi o tesão de torcer. Agora, torço para o Grêmio e para o Pedro Geromel. Peguei um carinho gigantesco pelo Grêmio. Gosto de futebol, não de times, tirando o Grêmio e a Seleção Brasileira.

TEM IDEIA DO QUANTO A TORCIDA GREMISTA IDOLATRA SEU IRMÃO?

A gente fica feliz. Realmente, ele atingiu um nível de excelência. No Brasil, geralmente o jogador fica por um ou dois anos em um clube e sai. Meu irmão teve várias propostas para deixar o Grêmio, mas não quis. Ele queria jogar a Copa do Mundo, gosta de Porto Alegre. É louco pelo Grêmio. É legal que o clube conseguiu mantê-lo por tanto tempo. Isso traz um retorno que é difícil tangibilizar.

LEONARDO VIECELI


12 DE OUTUBRO DE 2019
FRANCISCO MARSHALL

A MORTE DE SÓCRATES

Em 399 a.C., Atenas cometeu um dos mais sórdidos crimes da História, a execução de Sócrates. Como pôde uma cidade democrática, em que há lugar precioso para a liberdade, a vida das ideias e as garantias judiciais, condenar um homem de pensamento, bom cidadão?

O evento foi examinado por Platão em quatro obras: Êutifron, Apologia de Sócrates, Crítias e Fédon. Na Apologia, Sócrates apresenta sua defesa diante do júri de cidadãos da Heliaia, o tribunal popular, acusado de perverter a juventude e de impiedade, por introduzir novas divindades. A Apologia é o primeiro monólogo da história da literatura, diverso do estilo que consagrou Platão, o diálogo. É um texto trágico, onde vemos o homem debater-se diante de destino incontornável. 

Em grande parte ficção composta por Platão, é nesse livro que apareceria a frase atribuída a Sócrates, "só sei que nada sei", paradoxo que põe em contradição saber e não saber, pois se nada sabe, não pode saber nem que não sabe. A sentença original, todavia, não contém paradoxo, apenas refere o principal argumento da defesa, de que ele se tornou antipatizado ao tentar encontrar, sem sucesso, algum ateniense que detivesse saber verdadeiro. Diz então que um de seus arguidos: "Sem saber nada, imagina que sabe, mas eu, sem saber, de fato, coisa alguma, não presumo saber algo" (Apologia, 21d).

Sócrates sabe, sim, que nada pode diante da opinião pública adversa, e que seu julgamento é uma farsa, em que triunfam alegações sem evidência, para saciar aos rancores de homens ultrajados por sua virtude. Para piorar, o réu provoca os jurados com sua insolência (hybris), dizendo que deveria ser, ao invés de condenado, sustentado pela cidade. O monólogo termina mostrando um filósofo que aceita o destino trágico e prepara-se para a morte, tema do diálogo Fédon, em que Sócrates bebe cicuta enquanto argumenta acerca da imortalidade da alma. Antes disso, no Críton, discute sobre a justiça e recusa a chance de sair da prisão indevidamente.

Há fatos políticos graves por trás da condenação de Sócrates. O regime democrático enfrentou, desde sua origem, a oposição de parte da aristocracia ateniense, os eupátridas (bem nascidos). Sócrates vivia sustentado por esse grupo, que realizou o golpe de Estado de 411 a.C., instituindo um regime tirânico, liderado por Crítias, aluno de Sócrates, e que executou sem julgamento centenas de atenienses. Com a restauração da democracia, e após Atenas perder para Esparta a Guerra do Peloponeso (431-404 a.C.), iniciou-se a caça às bruxas, e o mestre era visto como o guru do grupo antidemocrático. O clima era contra Sócrates, que já havia sido ridicularizado por Aristófanes como líder de alienados e promotores de cacoetes, na comédia As Nuvens (423 a.C.), origem do discurso antiacadêmico.

Anos depois, revoltado com o que Atenas fez com seu mestre, Platão escreveu seu célebre ataque à democracia, a República, em que defende o governo autocrático do rei filósofo, a resposta ao regime que matou pensador. Quem morreu com aquela condenação injusta, o réu ou a democracia?

FRANCISCO MARSHALL

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