sábado, 6 de junho de 2015



06 de junho de 2015 | N° 18185
CLÁUDIA LAITANO

O Quinze

Rachel de Queiroz tinha apenas 20 anos quando publicou seu romance mais conhecido, O Quinze (1930). O título fazia referência ao mítico ano da seca que expulsou a família da escritora, entre outras tantas, de sua terra natal, o Ceará. Outras secas, nos últimos cem anos, podem ter sido piores do que aquela, mas nenhuma terá gravado sua data na História de forma tão bela e definitiva quanto a de 1915, narrada com a força de uma memória de primeira infância por uma das maiores escritoras brasileiras.

Há datas – dias, anos, séculos – que nem sequer precisam de um grande autor para gravar seu número na História. Poucas tão vibrantes como o Maio de 1968, que lembra primavera em Paris, liberdade, ser jovem e estar presente na própria juventude, ou o século 5 antes de Cristo, que viu Atenas florescer e com ela toda uma ideia de civilização que perseguimos até hoje. Em geral, a data mítica é a da sobrevivência – à guerra, ao desastre, à fome, à perseguição, à crise.

Congelar uma data no calendário serve para que outras gerações reflitam sobre o passado, honrando os que não sobreviveram, mas também para lembrar que existe resistência nas circunstâncias mais adversas – e um futuro como promessa. O romance de Rachel de Queiroz parece nos dizer que o Quinze, por pior que tenha sido, virou memória e ficou para trás, levado pela mesma poeira que varre, com igual diligência, tanto os anos de chumbo quanto os dias mais dourados.

Pessoalmente, todos temos um Quinze particular, um momento que serve de régua para medir infortúnios passados e futuros. Deles pode-se tirar diferentes tipos de aprendizado, assim como ressentimentos incuráveis. Pode sair dali um livro, uma história que se conta para os filhos, um drama que se revive no divã, uma memória negada. Durante o Quinze, porém, em meio à seca e sem qualquer sinal de chuva no horizonte, nossa única preocupação é a sobrevivência. É muito difícil prever no que a nossa dor vai se transformar quando não for mais uma ferida aberta, mas poucas coisas impactam nosso destino de forma tão intensa e definitiva quanto a maneira como conseguimos reagir àquilo que nos abateu.

Este 2015, no Brasil, está cada vez mais parecido, no sentido dramático, com aquele outro Quinze de um século atrás. Um ano do qual nos lembraremos, sem saudade, como aquele em que a crise nos atingiu praticamente de todos os lados possíveis, abatendo ânimos assim como os números da economia.

E o que faremos do nosso Quinze no futuro? Um grande romance? Um filme de ação? Um livro de História? Um país melhor ou, pelo contrário, ainda mais cínico? Talvez tenhamos algumas dessas respostas em 2018. Por enquanto, só nos resta torcer para que este Quinze não tenha a deselegância de invadir 2016.

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