
19 de Julho de 2025
JUDICIÁRIO E TECNOLOGIA
JUDICIÁRIO E TECNOLOGIA
Uso da inteligência artificial avança no TJ
Judiciário e tecnologia
Em um mês desde o lançamento, a IA do Tribunal de Justiça gaúcho produziu 95 mil minutas que, após revisão humana, vêm se transformando em decisões judiciais. Uso da ferramenta visa elevar a produtividade e minimizar erros cometidos por pessoas
Gabriel Jacobsen
Decisões judiciais já estão sendo tomadas com o auxílio de inteligência artificial (IA) no Brasil. Com a promessa de aumentar a produtividade do Judiciário e minimizar erros humanos, as IAs se tornaram realidade em dezenas de tribunais que adotam a tecnologia em diferentes etapas dos processos - desde a distribuição das ações, passando pelo exame de provas e argumentações, até a redação das sentenças.
No Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), em cerca de um mês de operação (desde 12 de junho), a IA nomeada Gaia Minuta produziu mais de 95 mil minutas, rascunhos de decisões - das quais milhares já foram publicadas e se tornaram despachos em processos. O dado foi obtido com exclusividade por Zero Hora junto à Corte.
As sentenças e os votos produzidos a partir das IAs do Judiciário não podem ser publicados sem revisão humana. A lógica esperada do juiz ou do desembargador é de que o magistrado primeiro use a IA para compreender bem o caso, depois forme internamente a sua convicção e, somente então, peça para a IA redigir a decisão.
Procedimento
Na plataforma do TJ para gerar uma decisão com IA, o magistrado primeiro insere um comando de texto, o prompt, dizendo se quer, por exemplo, condenar ou inocentar um acusado por determinado crime. Ou se decidiu prover ou rejeitar determinado recurso. No comando, o juiz pode apontar os elementos que a IA deve considerar para redigir a sentença. Em geral, em menos de um minuto, o rascunho da decisão judicial aparece na tela.
A partir daí, se abre um segundo momento, considerado fundamental pelo TJRS para preservar o papel do ser humano no processo de julgar: a revisão. Se concordar com o texto feito pela IA, o magistrado clica e transforma a minuta em uma decisão judicial com todos os seus efeitos. Senão, o juiz pode pedir à IA novas versões ou fazer manualmente alterações no documento.
- Não poderíamos perder a essência de julgar. O juiz não pode abrir mão disso. A gente não pode pensar em abrir mão da jurisdição, senão o Estado perde. Quando o juiz delega a sua atividade, ele não está sendo juiz. A IA vai produzir uma decisão no mesmo contexto que um assessor meu produziria - defende o desembargador Antonio Vinicius Amaro da Silveira, presidente do Conselho de Inovação e Tecnologia do TJRS.
Sem "alucinação"
O Gaia Minuta opera sob dois motores de IA mundialmente conhecidos: o Claude, desenvolvido pela Anthropic e oferecido pela Amazon, e o Gemini, do Google. Semelhantes ao famoso ChatGPT, são IAs do tipo "generativa" e, portanto, capazes de criar conteúdos novos em vez de apenas automatizar procedimentos.
Ao criar, as IAs generativas frequentemente "alucinam", termo usado quando essas tecnologias inventam informações inverídicas ou inexistentes. Para reduzir a chance de "alucinação", as IAs do TJRS operam sob parâmetros restritos definidos pela Corte, como busca exclusiva de informações no banco de dados do Judiciário. Em outras palavras, a IA do TJRS não pode pesquisar livremente na internet.
- A IA vai te ajudar a construir a redação da decisão, mas ela não vai decidir por ti. Uso a IA, primeiro, para produzir um resumo do processo. Então, me decido e só depois faço a decisão com o Gaia Minuta. E depois vou lá revisar a minuta, porque as LLMs (grandes modelos de linguagem das IAs generativas) podem "alucinar" - destaca o desembargador Clóvis Moacyr Mattana Ramos, da 15ª Câmara Cível do TJRS, um dos precursores no uso de IA na Corte.
Resolução do Conselho Nacional de Justiça definiu as regras do uso da IA no Judiciário. Apesar da permissão, os magistrados seguem integralmente responsáveis pelas decisões. _
Acerto de 97%
O uso de IA pela TJRS começou a ser testado, de forma incipiente, em 2023. A virada foi em 2024, após a cheia que atingiu o RS - incluindo parte das instalações do tribunal.
Ao longo de 21 dias, em processo emergencial, a Corte migrou todos os seus sistemas e dados para a nuvem, o que permitiu o uso dos motores globais de IA, hoje em operação.
A IA do TJRS foi lançada oficialmente em 12 de junho de 2025, após meses de programação e treinamento.
Segundo a Corte, a plataforma erra em 3% dos casos. O índice é considerado muito positivo e superior ao que hoje é atingido pelo trabalho exclusivamente humano. A meta é diminuir à medida que a IA vai aprendendo.
Olhar no histórico ou análises novas
Para limitar a postura "criadora" das IAs generativas, a aplicação no TJRS é programada para resolver os impasses do presente com base nas decisões já tomadas por cada magistrado em casos anteriores semelhantes. A meta é garantir a coerência jurídica e textual de cada julgador.
Os juízes, contudo, também se deparam com casos novos, nunca antes enfrentados por eles ou pelo tribunal onde atuam. Além disso, ao longo da carreira, os magistrados podem mudar de entendimento sobre temas já julgados, seja por transformações próprias ou da sociedade. Nessas situações, a melhor colaboração da IA é para a análise do processo.
- A análise em situações novas não pode ser feita com uma minuta de uma IA generativa, mas ela será de enorme valia na análise dos dados. Um dos grandes méritos da IA, principalmente em processos complexos, é a capacidade de absorção de grande quantidade de dados - pondera o desembargador Ricardo Hermann, coordenador do Comitê de Governança de Segurança da Informação do TJRS. _
Em busca de decisões mais rápidas
Consideradas as peculiaridades de cada área e de cada caso, a meta da Justiça gaúcha é ter, com a inteligência artificial, a produtividade de gabinetes como o do desembargador Clóvis Moacyr Mattana Ramos. Por lá, a maior parte dos processos é julgada em até um dia, respeitados os prazos processuais.
Zero Hora visitou o gabinete de Mattana Ramos, no 13º andar do TJRS, em uma segunda-feira. O sistema interno mostrava 10 processos distribuídos entre três assessores, todos recebidos, no máximo, um dia antes.
- Tenho 10 processos e, quase todos, de hoje, segunda-feira. O mais antigo aqui deve ser de sexta. Então, se consegue fazer com que as coisas sejam apreciadas no mesmo dia. Claro, um ou outro processo pode demorar mais, demanda mais. Mas a gente conseguiu reduzir o tempo de tramitação. Eu preciso me decidir, mas na hora de construir a decisão é muito mais rápido - conta Ramos.
A juíza Taise Velasquez Lopes, da 4ª Vara Criminal de Caxias do Sul, também passou a usar a inteligência artificial. Nos primeiros dias, conta, testou a IA pedindo que ela produzisse sentenças para casos em que os humanos já haviam realizado antes o trabalho, buscando comparar os resultados. A avaliação foi de alta qualidade, não apenas para produção das minutas, mas com ganho de tempo, especialmente na análise do processo.
Apesar da perspectiva positiva, a juíza criminal tem avançado com cuidado. Nestas primeiras semanas, ela conta que se sente mais confortável de usar a IA quando está decidida a inocentar do que nos casos em que formou convicção de condenação.
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