sábado, 25 de maio de 2024


25 DE MAIO DE 2024
CARPINEJAR

Na linha de frente

Bombeiros e brigadianos, que estão corajosamente na linha de frente dos resgates, precisam de ajuda. Por trás da farda, são também moradores e vítimas do maior desastre ambiental da história gaúcha.

Cerca de mil policiais militares perderam casa ou tiveram prejuízos incalculáveis pela enchente.

São inúmeros os exemplos de desamparo na Região Metropolitana e no Interior.

Recebi notícia de alguns: os soldados Souza e Coutinho, da Brigada Militar de Taquari, tiveram suas residências totalmente inundadas pela enchente.

Souza cuida de duas filhas e uma netinha. Coutinho é responsável por três filhos. Ambas as famílias estão desabrigadas.

Sei ainda do PM Gilberto Ferreira, em Nicolau Vergueiro. Não sobrou nada de pé na sua rua.

Viraram igualmente escombros o lar do sargento Gonçalves, em Muçum, e a moradia do sargento Cristiano Ávila, em Guaíba.

Imagino que nenhum deles é contemplado pela política do governo federal, que abrange famílias com renda na faixa 1 e 2 no Minha Casa Minha Vida.

Para crédito imobiliário, neste momento de calamidade pública, não há alternativa. E eles são estatutários, tampouco têm FGTS para sacar de imediato.

Dificilmente você verá bombeiros e brigadianos pedindo ajuda, desabafando ou comentando suas necessidades em redes sociais. Colocam a sua vida em risco por um juramento. São esquecidos logo após efetuarem corretamente o amparo, pois, para a sociedade, representam forças do Estado, arcam com a invisibilidade protetiva e não fazem mais do que a sua obrigação.

São socorristas profissionais, mobilizados para emergências, treinados a serem os últimos no atendimento, depois que todos já se encontrarem seguros, condicionados a sofrer calados, a não depor suas armaduras, muito menos a abrir os corações em causa própria.

Enquanto as cheias persistem, com o vaivém das chuvas, prosseguem peleando com a água no pescoço. Podem até não ter mais para onde voltar, podem até não mais possuir um endereço devido à invasão da correnteza, podem até penar de preocupação com os seus amores desassistidos, porém continuam trabalhando, cumprindo os seus deveres acima de suas dificuldades.

Realizam um serviço insano, homérico, heroico, anônimo, de manter a calma dos flagelados durante os salvamentos, de acolher os outros independentemente das suas condições pessoais.

Por isso, sabendo do laconismo do ofício, num movimento de empatia, eu me ponho no lugar deles.

Sugiro que o governo do Estado, via Banrisul, abra um crédito imobiliário com carência e juros menores para a corporação. Até porque eles terão muito trabalho pela frente na reconstrução e patrulhamento de nossas cidades.

Não seria um privilégio, mas uma questão de justiça.

CARPINEJAR


25 DE MAIO DE 2024
ARTIGOS

APRENDER COM A TRAGÉDIA

As tragédias não surgem ao acaso, como cogumelos após leve chuva. Ao contrário, têm causas concretas, mesmo escondidas do olho humano. Esta conclusão nem sempre é lembrada e, assim, tomamos as catástrofes tal qual o homem das cavernas, atribuindo o horror à "ira de Deus".

A catástrofe atual não surgiu por magia. Desenvolveu-se pouco a pouco. A seca de 1877 a 1878 no Nordeste matou perto de 400 mil pessoas. Tomamos o horror como algo "natural", sem vê-lo como consequência do desmatamento da região ao cortar "pau-brasil" para tingir vestimentas na Europa.

A ciência ainda não descobrira as mudanças climáticas e desconhecíamos que secas e enchentes eram apenas uma consequência. Tudo se agravou com os anos e séculos, acumulando o horror. Agora, destruiu o que encontrou pela frente numa guerra sem canhões ou balas, mas que não nos fez aprender com o passado.

Na Capital e em todo o Rio Grande do Sul, os governantes foram displicentes, dedicando-se apenas a atos burocráticos. As enchentes de 2023 não serviram sequer de alerta. No Estado, o governador Eduardo Leite já tinha mudado o pioneiro Código Estadual do Meio Ambiente (que serviu de modelo ao país), abrindo caminho para o horror climático. Em Porto Alegre, o prefeito Sebastião Melo desconheceu que o Guaíba cresceria com as chuvas, inundando a cidade. Não se interessou em consertar as comportas e bombas e a avalanche das águas surgiu num dilúvio moderno.

Mas há também o lado oposto: os milhares de voluntários que atuam em todas as áreas, salvando pessoas ou cozinhando para os desabrigados. De vários e distantes Estados vieram voluntários e máquinas de salvamento.

O Observatório do Clima da Fiocruz calcula que perto de 3 mil "estabelecimentos de saúde" (hospitais, consultórios e farmácias) foram atingidos no Rio Grande do Sul.

Nossa tragédia comoveu o mundo. Recebi mensagens de aflitos amigos da Bretanha, na França, e de Berlim, na Alemanha, onde também houve enchentes.

Indago: aprenderemos com a tragédia de agora ou seguiremos alheios ao horror? A ciência ainda não descobrira as mudanças climáticas e desconhecíamos que secas e enchentes eram apenas uma consequência



25 DE MAIO DE 2024
ARTIGOS

O DOADOR DAS ÁGUAS

Trabalhamos, em psicologia, com o fortalecimento do mundo interno, mas sabemos o quanto conta - e até mesmo decide - o que vem de fora. O outro sempre me salvou, conforme escreveu Ernesto Sabato, em seu último livro, escrito quase aos cem anos. "Outros" não vêm faltando neste momento trágico das enchentes no RS. Se não são todos - há quem produza fake news e pratique golpes -, é a maioria.

Surgem de todos os lados, no meio das águas. Doam, doam-se: a pé, de carro, de bote. É gente humilde. É gente rica em empatia. Gente incansável, que não se encolhe ao impossível. Cada um(a), a seu modo, está ali para salvar o outro, e vão além: ajudam a ativar o modo esperança, este que anda tão castigado diante da destruição do planeta e do aquecimento global. Com essa gente, não há cobiça, não há voracidade, não há capitalismo desenfreado ou desconhecendo limites. O bando só desafia o limite da morte e do sofrimento, combatendo-os o quanto pode.

Eu estava trabalhando como podia, tentando estar ao menos um pouquinho à altura desses outros, quando, ao final do dia, passei no súper. Apesar da promessa de não haver desabastecimento, não havia uma única água em prateleira nenhuma, não só ali como em outras filiais dessa Porto Alegre tão triste em suas catástrofes e paradoxos: água por tudo que é lado, mas sem água para beber; um céu azul, mas sem luz para ativar o que fosse necessário.

Na volta, entrei no táxi 3041 do Antônio Francisco, este senhor idoso e grisalho, com quem desabafei a gota seca desse drama. Ao final do relato, quando tentei me despedir, pediu que eu esperasse, enquanto abria o porta-malas. Ofereceu-me, então, em plena rua, dois litros de uma água potável que vinha do poço artesiano de seu terreno, na Zona Norte. Ele havia passado a manhã distribuindo-a aos vizinhos e se negou a receber qualquer gratificação.

Agora sim, despedi-me de Antônio Francisco com o modo esperança mais ativado do que as águas. "Outros" não vêm faltando neste momento trágico das enchentes no RS


25 DE MAIO DE 2024
OPINIÃO DA RBS

RECUPERAR O AEROPORTO

A recuperação do aeroporto Salgado Filho está entre as principais premissas para o retorno pleno da atividade econômica no Rio Grande do Sul. Com a pista e o terminal tomados pela água que invadiu a zona norte da Capital, permanece incerto o prazo para a volta das operações. Vai depender da extensão dos estragos, uma avaliação ainda pendente.

A mais recente informação é a de que a Agência Nacional de Aviação (Anac) comunicou ao Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea) da Aeronáutica que os voos estão suspensos ao menos até 7 de agosto. Mas existem diferentes projeções. Tanto de que poderia ser um retorno rápido, assim que o alagamento deixar de existir, quanto de que poderia ser mais demorado e incerto, em caso de danos estruturais na pista.

É preciso contar com que o poder público e a concessionária Fraport farão todos os esforços sob suas respectivas responsabilidades para abreviar o período de inatividade. Considerando-se as expectativas atuais, seria plausível traçar um cenário em que empresas e negócios afetados pela enchente já estariam em condições de voltar ao patamar de atividade anterior à enchente, enquanto o Salgado Filho permaneceria sem pousos e decolagens. 

Isso agravaria os prejuízos de segmentos de significativo peso na economia, como turismo de lazer, viagens corporativas, eventos e cultura, entre outros serviços. Ademais, o aeroporto não movimenta apenas passageiros, mas também cargas. São mercadorias que chegam a Porto Alegre de outras partes do país e do Exterior, assim como também são embarcadas. Em regra, são itens de maior valor agregado e, sem a opção aérea, os custos logísticos são maiores.

Até ser forçado a parar as operações, o Salgado Filho recebia, em média, 165 voos comerciais por dia, de acordo com a Fraport, citada em reportagens. Conforme o ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, com o uso de outros terminais no Interior, seria possível ter emergencialmente no Estado, a partir desta segunda-feira, 134 voos semanais - provavelmente também em aeronaves com menor capacidade. Assim, em uma semana os gaúchos seriam atendidos por uma oferta aérea inferior ao movimento diário no Salgado Filho. Apenas esse dado comprova a importância de uma recuperação breve do aeroporto da Capital, onde em março circularam mais de 580 mil usuários, entre chegadas e partidas.

Como não há certeza de quando o Salgado Filho poderá reabrir, espera-se que as demais opções sejam dotadas de melhor estrutura para compensar parte da malha perdida. Não apenas a Base Aérea de Canoas, mas os aeroportos do Interior, concedidos ou administrados pelo poder público, já bastante utilizados para ajuda humanitária. São os casos dos terminais de cidades como Caxias do Sul, Passo Fundo, Santo Ângelo e Pelotas, entre outros. Qualificar as estruturas espalhadas pelo Estado também significará, no futuro, um trunfo para a aviação regional, com melhores condições de interiorização da malha. Por linhas tortas, trata-se de uma oportunidade, portanto.

Em relação ao Salgado Filho, outra consequência inevitável será a rediscussão entre o governo federal e a Fraport dos termos da concessão, para buscar o reequilíbrio econômico-financeiro do negócio. É algo previsto em contratos do gênero. Entre as opções está o aumento do tempo de exploração do terminal. Aguarda-se uma negociação que flua sem necessidade de judicialização e com o menor impacto possível para os usuários. Antes, porém, toda a energia deve ser canalizada para remover a água que toma o Salgado Filho e, em seguida, avaliar danos e tomar as providências para torná-lo outra vez operacional.


25 DE MAIO DE 2024
DIÁRIOS DO PODER

Canção para os gaúchos

O músico gaúcho Riccardo Crespo compôs a música Lágrima na Chuva como forma de contribuir para o esforço de reconstrução da autoestima dos gaúchos. Veja a letra.

LÁGRIMA NA CHUVA

Essa enchente é um grande aprendizado

É uma lição, é um baita desafio

Para unir nós, Gaúchos, um povo bravo

A irmandade aqui sempre existiu!

Solidários, venceremos a batalha

Nessas águas com calor, ou muito frio

Não se vê uma lágrima na chuva!

Só valentes, o peito aberto e muito brio

Oh! Rio Grande é a nossa pátria mais querida!

Cada um é o fruto Bento desse chão

Não se vê uma lágrima na chuva!

Canta forte com a voz do coração!

Salva Vidas!

Pra manter a Gauchada sempre unida

Salva Vidas!

Ao trabalho, muita luta, e amor à Vida!


25 DE MAIO DE 2024
PORTO ALEGRE

Mais de 30 animais mortos são retirados de loja alagada

Em uma vistoria conduzida pela Polícia Civil, na quinta-feira, foram retirados 38 animais mortos em uma unidade da Cobasi em Porto Alegre. A loja de dois andares, no subsolo de um shopping do bairro Praia de Belas, alagou com as chuvas e a alta do nível do Guaíba.

Do local foram retiradas carcaças de roedores, aves e peixes, número que pode ser ainda maior, de acordo com Samieh Saleh, titular da Delegacia do Meio Ambiente.

- Conseguimos retirar 38 carcaças de animais. A gente acredita que tem muito mais. Mas, por exemplo, os peixes, que são bem pequenos, esses aí vão ser quase impossíveis de localizar. E a loja é bem grande, o subsolo é bem grande, então a gente focou onde eles ficam expostos - revela.

A investigação também sinalizou que equipamentos eletrônicos usados no caixa foram levados ao mezanino - que não alagou -, possivelmente para não estragar, já que a água invadiu o subsolo, onde ficaram os animais.

- Eles foram retirados como precaução e levados ao mezanino, tendo ficado intactos. Esses materiais, CPUs, ficaram intactos no andar de cima. O que denota que a loja teve uma preocupação em subir esses objetos - diz a delegada.

A empresa informou, por meio de uma nota (leia abaixo), que a unidade "teve de ser deixada de forma emergencial, seguindo as orientações das autoridades locais" e que "foi garantido que os animais estivessem seguros e com o necessário para a sobrevivência até o retorno dos colaboradores".

Vistoria

Esta foi a segunda vistoria realizada na semana e só foi possível porque o nível da água estava mais baixo. No domingo, a ONG Princípio Animal entrou no local para resgatar animais, porém não havia sido possível, porque a loja estava inundada e sem luz.

Desta vez, a vistoria foi realizada por representantes da Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente (Dema) juntamente do Instituto-Geral de Perícias (IGP), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e a Patrulha Ambiental da Brigada Militar.

A polícia informou que diversas testemunhas foram ouvidas desde a última segunda-feira, e há previsão de que outros depoimentos sejam colhidos.

Na nota, a empresa afirma que está colaborando com as investigações realizadas pelas autoridades.

Duas unidades da Cobasi são investigadas pela Delegacia do Meio Ambiente em Porto Alegre por crime de maus-tratos a animais. A outra loja fica na Avenida Assis Brasil, na zona norte da Capital, que também alagou.

MAURÍCIO PAZ


25 DE MAIO DE 2024
CATÁSTROFE NO RS

Buraco bloqueia duas pistas de trecho da Ipiranga

Na manhã de sexta-feira, um buraco surgiu entre as faixas da direita da Avenida Ipiranga, próximo do Museu da PUCRS, no sentido Centro-bairro. Com isso, por volta das 9h, agentes da Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) bloquearam o trecho, mantendo livres para tráfego somente as faixas da esquerda.

Durante o dia, o buraco foi fechado, mas o reparo da galeria não foi concluído, conforme informações do Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae).

O órgão afirma que o rompimento aconteceu devido ao carregamento de material em uma camada que fica a três metros da galeria do Arroio Moinho, um dos que desembocam no Arroio Dilúvio. Por esse motivo, o bloqueio parcial na Avenida Ipiranga será mantido por medida de segurança. Para o trânsito ser liberado no local, será necessária a recomposição da base e pavimentação da via.

Além disso, será preciso avaliar a galeria para identificar a necessidade de reparo. No entanto, isso será feito apenas após a diminuição da vazão do arroio para permitir o acesso ao interior da estrutura. Com o alto nível do Dilúvio, a galeria estava cheia. Enquanto isso, a EPTC realiza o monitoramento da via. A Avenida Bento Gonçalves é alternativa para deslocamento na região.

Com nova elevação do Guaíba, limpeza do Mercado é adiada

A limpeza do Mercado Público, iniciada e interrompida na quinta- feira, somente será retomada na segunda-feira. A reorganização do patrimônio histórico, que é um dos símbolos de Porto Alegre, chegou a ter sua continuidade planejada para este sábado, mas o nível do Guaíba voltou a elevar- se na sexta-feira, chegando a 4m29cm por volta das 21h30min, o que causou o novo adiamento.

- Prosseguiremos monitorando. Está tudo preparado para reiniciarmos esta atividade, pois calculamos, para cada dia a mais que fica fechado, um prejuízo de R$ 500 mil para a economia da Capital - descreve o secretário de Administração e Patrimônio, André Barbosa.

Conforme o secretário, a atividade envolverá retirada de entulho e de lama, remoção de produtos e do mobiliário interno estragados e lavagem por hidrojateamento de pisos, paredes e equipamentos como câmaras frias.

O serviço será compartilhado entre operários do Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU) e equipes da empresa Stihl, indústria do segmento de ferramentas motorizadas e parceira na recuperação.

Segundo Barbosa, a atividade deve ser mantida até sua conclusão, exceto se ocorrerem novos episódios de chuva intensa e cheia.

A espera pela possibilidade de acelerar a limpeza para retomada das atividades empresariais no Mercado Público também provoca preocupação entre os lojistas permissionários. Para o presidente da Associação do Comércio do Mercado Público Central (Ascomepc), Rafael Sartori, o desafio é muito grande.

- Infelizmente, tivemos de suspender a primeira fase da operação de limpeza. Enquanto começávamos, a água dos bueiros subiu rapidamente e, por precaução, evacuamos o prédio novamente - lamenta Sartori.

LUIZ DIBE


25 DE MAIO DE 2024
POLÍTICA +

Todos no mesmo barco

Teve até discurso do ministro de apoio à Reconstrução, Paulo Pimenta, sentado ao lado do governador Eduardo Leite no ato de sanção do Plano Rio Grande. Mais do que uma gentileza protocolar, a foto ilustra o que se espera de personagens encarregados de coordenar as ações de recuperação de um Estado devastado.

Divergências políticas à parte, os gaúchos precisam que Leite e Pimenta demonstrem maturidade para lidar com a situação em que um responde pelo governo estadual e outro pelo governo federal no momento mais desafiador para gestores públicos, empresários e pessoas físicas que precisam do Estado para se levantar.

Pimenta não só foi convidado para a solenidade como assinou o documento na condição de testemunha, discursou e disse que o momento é de "união e reconstrução", slogan adotado pelo governo Lula em 2023.

Leite e Pimenta conversam praticamente todos os dias. E tentam, cada um a seu modo, desfazer a ideia de que exista um governo paralelo no Estado.

- Cada um tem seu papel. Estou aqui para ajudar. Estamos no mesmo barco e só conseguiremos atravessar essa tempestade se remarmos para o mesmo lado - disse o ministro.

Reduzir a ação dos governos estadual e federal à eleição de 2026 é apequenar o debate sobre o que realmente interessa: a reconstrução do Estado.

As mudanças no Código Ambiental poderão ter impacto no futuro, mas não há como estabelecer, ainda, relação de causa e efeito entre elas e a chuvarada que castigou o Rio Grande do Sul em setembro ou a que bateu todos os recordes no mês de maio.

TJ libera dinheiro para hospitais

A Santa Casa de Pelotas, o Hospital Vida e Saúde de Santa Rosa e o Hospital de Clínicas de Ijuí vão receber, juntos, R$ 13,6 milhões do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, para aquisição de equipamentos.

Os convênios foram assinados na manhã de sexta-feira, na sede provisória do governo do Estado, pelo presidente do TJ-RS, desembargador Alberto Delgado Neto, o governador Eduardo Leite e a secretária da Saúde, Arita Bergmann.

Os recursos fazem parte de um pacote de R$ 154,7 milhões para a área de saúde, negociados no final de 2023, quando a desembargadora Iria Helena Medeiros Nogueira, presente à cerimônia, era a presidente do tribunal.

A Santa Casa de Pelotas receberá R$ 5,64 milhões para aquisição de aparelho de ressonância magnética, o Hospital Vida e Saúde de Santa Rosa foi contemplado com R$ 5 milhões para procedimentos de hemodinâmica e o Hospital de Clínicas de Ijuí terá R$ 3 milhões para adquirir um angiógrafo, equipamento para análise do sistema circulatório.

A lógica dessa ajuda, segundo o desembargador Alberto Delgado Neto, é reduzir a fila para exames e evitar que as pessoas entrem na Justiça para pleitear o que é um direito e pode ser atendido sem precisar de advogado.

Os intelectuais de esquerda que defendem o impeachment ou a renúncia do prefeito Sebastião Melo esquecem que o vice-prefeito é Ricardo Gomes, que era do PL e só se desfiliou por divergências internas.

O governo do Estado vai assumir integralmente a gestão do centro de distribuição e auxílio aos municípios atingidos pelas enchentes, localizado em Passo Fundo. O CD vem sendo gerenciado pela prefeitura, com o apoio da iniciativa privada e de voluntários.

Aos 82 anos, o ex-governador Olívio Dutra trabalha como voluntário, ajudando na preparação de comida para os atingidos pela enchente. Amigos de Olívio divulgaram a foto como contraponto ao senador Hamilton Mourão, que diz não poder ajudar presencialmente porque tem 70 anos.

ROSANE DE OLIVEIRA

25 DE MAIO DE 2024
MARCELO RECH

Atalhos da tragédia

Para o bem e para o mal, há certas coisas que só despertam em uma emergência. Na conta das surpresas positivas, a enchente produziu um sentimento de união em torno de uma causa, o socorro ao Rio Grande do Sul, há muito abafado no Brasil. Na conta dos aprendizados pelo sofrimento, tivemos dois tratamentos de choque: a constatação dos efeitos práticos e desastrosos do aquecimento global e o flagrante de como fake news buscam a desagregação para obtenção de vantagens políticas.

A ficha pode não ter caído para todos, mas o dilúvio evidenciou ao mundo, infelizmente tendo o Rio Grande do Sul como epicentro, que a mudança do clima não é uma discussão teórica restrita a acadêmicos, ONGs, imprensa e governos conscientes. Como nunca, o Rio Grande do Sul foi notícia mundial, e a torrente despejada por um Rio Amazonas aéreo reforçou a convicção global de que o planeta deve se preparar para grandes enxurradas e outros cataclismos com origens no aquecimento.

Podemos fazer algo em contrário? Todos podemos, ainda que as raízes climáticas da tragédia possam estar a milhares de quilômetros do Rio Grande do Sul, como o desmatamento da Amazônia e a liberação de gases de efeito estufa no Hemisfério Norte. A primeira medida é se informar e agir no seu âmbito pessoal.

Assim como o aquecimento é uma ameaça à saúde física da Terra, as fake news são um atentado à sanidade mental da humanidade e, como tal, deveriam receber atenção e enfrentamento global. As linhas de montagem destinadas a fabricar indignação e catapultar políticos com plataformas extremistas têm múltiplas origens, mas a quase totalidade desemboca na sociedade por meio de redes sociais que ganham fortunas com a intoxicação dos cidadãos. O acordo fechado entre governo e as principais big techs no Brasil para agirem sobre as fakes envolvendo a enchente é um bem-vindo alento, sobretudo porque a autorregulação é a melhor das regulamentações.

A lógica é simples: nenhuma empresa pode se desvencilhar da responsabilidade da forma como faz dinheiro. Esse é um princípio básico e meritório do capitalismo, que evoluiu para o que se chama de licença moral para operar um negócio. Uma empresa por cima de controles, leis e valores éticos que fatura com a disseminação deliberada de mentiras, portanto, solapa os princípios do sistema capitalista moderno. 

A responsabilização das redes por elas mesmas pode ser um avanço, mas a epidemia desinformativa só será eliminada com a educação midiática em larga escala, ou seja, a preparação das pessoas para aprender a desconfiar de conteúdos que lhes empurram e, assim, conseguir distinguir verdade de mentira, contextos e nuances.

O caminho é longo, mas, ao custo de muitas aflições, tanto no aquecimento global como no combate à desinformação, a tragédia rasgou atalhos.

MARCELO RECH

sábado, 18 de maio de 2024


18 DE MAIO DE 2024
MARTHA MEDEIROS

Desculpe o incômodo

Quando me perguntam por que gosto tanto de Londres, que é considerada uma cidade difícil, destaco logo o que me atrai nela: a mistura de vanguarda com polidez. A gente sabe que para romper padrões, é preciso ousadia, e ousadia raramente está relacionada aos bons modos. A pessoa arrojada se coloca de forma quase afrontosa, é assim que ela consegue ser vista e escutada, é o jeito que ela estimula o mundo a sair do comodismo e dar um passo à frente. A vanguarda é o motor que faz o mundo avançar e este motor faz barulho.

Aí penso em alguns ingleses notórios. Mick Jagger e David Bowie nunca foram homens recatados. Tim Roth sempre pensou fora da caixa. Vivienne Westwood estava longe de ser uma senhora discreta. Os Beatles convulsionam seus fãs até hoje. Artistas inovadores, que revolucionaram os costumes e a maneira de pensar a vida, mas com um adicional very british: nunca dispensaram a pitadinha de fleuma.

Sejam monárquicos ou plebeus, ingleses inspiram esta cronista avessa ao estardalhaço. Tenho um fraco por gente reservada, que não chega com um megafone na mão, metendo os dois pés na porta. Por homens e mulheres que, mesmo tendo conquistado visibilidade para suas expressões artísticas ou de qualquer outra ordem, respeitam o espaço do outro e cruzam as pernas, elegantemente, durante uma conversa. Podem ter o cabelo encardido e olheiras profundas, podem trocar o chá pelo bourbon no café da manhã e mandar todo mundo longe, mas nunca perdem a educação. "Go to hell... please".

Eu adoraria ser uma escritora de vanguarda, mas até agora só consegui ser polida. Procuro não ser um estorvo na vida de ninguém. Estou sempre atenta para não atravancar o vai e vem dos pedestres, não chegar atrasada, não incomodar com pedidos esdrúxulos. Fico embaraçada se alguém tiver que desviar da sua rota habitual para me dar uma carona, me apresso no banheiro quando sei que há uma fila lá fora, não toco em assuntos constrangedores com quem não tenho intimidade. 

Lembrei agora de um amigo que também é assim, um roqueiro brasileiro que tem com sua guitarra uma relação titânica, mas depois que o show termina, é quase tão encabulado quanto Eric Clapton. Não quero aborrecê-lo com essa exposição, melhor perguntar a ele se estou autorizada a revelar sua identidade. (....) É um lorde, autorizou. Sir Tony Bellotto.

Eu poderia desistir de meu amor por Londres por causa da chuva, esse trauma que agora tenho, mas as mudanças climáticas estão afetando os dias por lá também, Londres anda mais quente e ensolarada. Meu fascínio só aumenta por esta cidade que sempre me cativou com sua energia criativa, rebelde e progressista, sem deixar de ser civilizada. É meu pequeno manifesto por cidades menos caretas e brutais.

MARTHA MEDEIROS


18 DE MAIO DE 2024
DAISY VIVIAN

Animais e a incrível rede dos abrigos

A sociedade pode ter certeza de que simplesmente tudo o que foi doado chegou ao seu destino final. É possível ver mascotes ganhando peso e muitos serão entregues em situações bem melhores àquelas em que foram encontrados na enchente

No início, tudo era escuro e assustador. Animais no meio do nada e molhados até os olhos se descobriram dentro de botes, com gente estranha e vozes desencontradas. Alguns mordiscavam seus salvadores do começo ao fim do resgate, enquanto outros, aliviados e agradecidos, deixavam-se levar no colo de seus protetores.

Em terra firme, o caos não podia ser pior. Mascotes chegavam às dezenas e por todos os lados. Voluntários não se intimidavam com sarnas, mordidas, uivos e miados incessantes e seguiam madrugada adentro fazendo carinho, quando não cobrindo com o próprio corpo aqueles que tremiam de frio. Colocavam cães e gatos dentro de carros, levando-os para suas próprias casas e seus sítios. Mas o Rio Grande do Sul não está dando trégua para amadores, e o passo seguinte foi perguntar a si mesmo "onde foi que eu me meti? ". Organizar a rotina de animais perdidos, famintos e assustados não é para qualquer um.

Às pressas, abrigos começaram a ser erguidos, do jeito que se conseguia. A rede de voluntários nunca foi tão útil e, amparados pelas doações de caixas de transporte, rações, lonas, coleiras e medicamentos, o grande desafio tomou forma. Carregados no colo, puxados por cordas ou dentro de caixas, centenas de animais molhados começaram a chegar.

Os abrigos souberam da existência uns dos outros e uma extensa e ramificada rede de auxílio começou a se organizar.

REALIDADE

As pessoas têm a ilusão de que um local repleto de cães e gatos é um lugar bacana de se estar. Não se enganem. Animais de todos os tipos e de diferentes perfis de repente se veem um ao lado do outro, e os ânimos começam a se alterar. Sendo assim, mordidas e arranhões ocorrem o tempo todo, rotina conhecida por Letícia Burmann, fundadora da ONG Paixão por Quatro Patas, que circulou por diversos abrigos advertindo sobre o perigo dessa combinação. "Todos querem fazer rápido alguma coisa, mas é necessário ter o cuidado de separar machos e fêmeas no cio, mães com filhotes e cães agressivos porque as pessoas realmente podem se machucar", enfatizou a voluntária.

Assim, instalados em praças públicas, em paradas de ônibus e até em estacionamentos de supermercados, os voluntários doaram seu trabalho e, aos tropeços, descobriram-se frente a situações inéditas. Como conviver com gatos fofinhos, cães furiosos, bichanos enlouquecidos e outros tantos adoecidos em um único recinto improvisado? Como se já não tivesse confusão o suficiente, alguns necessitavam de cuidados intensivos, enquanto outros sequer se deixam tocar.

DAISY VIVIAN

18 DE MAIO DE 2024
CARTA DA EDITORA

Ninguém soltou a nossa mão

Grata por cada trabalho voluntário em abrigos, ação de resgate ou doação, a população do Estado conheceu heróis anônimos nas duas últimas semanas. Não sabemos seus nomes, mas todos contaremos a história da maior enchente do Rio Grande do Sul a partir de imagens destas pessoas que enfrentaram água, frio e insegurança para salvar vidas de desconhecidos. 

Assim como lembraremos desta edição, em que conseguimos reunir marcas e profissionais das áreas da beleza, da moda, do design e da saúde feminina para auxiliar quem ainda procura alternativas seguras de ajudar. Uma curadoria triste no seu ponto de partida, mas com o afeto por trás de quem entregou sua experiência para a reconstrução de todos.

Grandes marcas do setor da beleza se comprometeram em unir forças para ajudar as vítimas das enchentes do Rio Grande do Sul por meio de ações, doações ou como ponto de coleta. Acompanhe algumas iniciativas.

Kits

A marca vegana AhoAloe Ethnic Ethics se mobilizou no envio de kits de higiene para as pessoas afetadas pela chuva. Além disso, também focou na criação de dois kits solidários para clientes que queiram ajudar na causa: o primeiro sai no valor de R$ 19, com um xampu (30ml), um condicionador (30ml) e um desodorante (30ml); e o segundo por R$ 99, com um xampu (250ml), um condicionador (250ml), um sabonete líquido (250ml) e um desodorante (115ml). Acesse ahoaloe.com.br e vá na categoria kits para encontrá-los.

Contrapartida

O grupo Natura&Co, formado por Avon e Natura, está promovendo a campanha Rede pela Rede, em que a cada R$ 1 doado até o dia 30 de maio, as duas marcas doarão mais R$ 1. O valor será destinado para consultoras e consultores de Beleza Natura e Avon, e também para sociedade civil. Ao final da campanha, ambas irão dobrar o valor arrecadado, respeitando o teto de R$ 1 milhão para a contrapartida da empresa. A doação pode ser pelo Pix com a chave movimentonatura@natura.net. Além disso, o grupo também participa de iniciativas que incluem a distribuição de água potável, itens de higiene pessoal, medicamentos, roupas, apoio logístico e voluntariado. Os escritórios das marcas espalhados pelo Brasil estão funcionando como pontos de coleta para agasalhos e cobertores. Saiba mais em natura.com.br

Doações

A Flora Cosméticos & Limpeza, marca-mãe de produtos como a OX Cosméticos, se solidarizou com as vítimas das enchentes e fez uma doação de R$ 1 milhão em itens de higiene pessoal e limpeza como xampu, condicionador, desinfetantes, detergentes, detergentes em pó e sabonetes para a população gaúcha. Os colaboradores também fizeram doações. A ação ocorre em parceria com o programa Fazer o Bem Faz Bem, da JBS. Para saber mais, siga @oxcosmeticos no Instagram.

Suporte

O Boticário está se dedicando a cuidar da população gaúcha, em especial seus revendedores, parceiros e franqueados que foram afetados pelas cheias, com doações, apoio financeiro, assistência médica e psicológica. Em atuação conjunta com o Movimento União BR, que tem trabalhado na destinação de recursos, a marca também está atuando na doação de produtos de higiene pessoal. O movimento conta com a parceria da Quem Disse Berenice. Quem quiser, pode fazer doações por meio do Pix: doe@movimentouniaobr.com.br.


18 DE MAIO DE 2024
CARPINEJAR

1875

Sou neto de italiano, Leônida Carpi, que deixou tudo para trás em Reggio Emilia para tentar uma nova vida em Guaporé. Casou-se com gaúcha, descendente de italianos, Elisa Margarida Bonnato (minha avó), abriu hotel, enraizou-se na comunidade, envolveu-se com política partidária, e jamais se viu aprisionado pela nostalgia, a ponto de escolher este epitáfio para sua lápide: "Um brasileiro".

Quando as filhas perguntavam curiosidades da sua trajetória pregressa em solo natal, ele não falava nada. Trocava de assunto, usando como fiador o poeta Dante Alighieri:

- Nada mais dolorido do que recordar o passado.

Pelo jeito, o sofrimento havia sido tão grande que ele nem queria cometer o desatino do suspiro e da recordação. Participara da Primeira Guerra Mundial com apenas 17 anos, testemunhando mortes de colegas e atrocidades.

Mantinha a cabeça focada no presente - "a pátria é a minha esperança" -, sem correr o risco de um torcicolo da saudade.

Muito além da transferência de um paradeiro, mudou de destino e de profissão. Largou para sempre a carreira de músico, de violinista, em nome do sustento e do comércio.

Várias cidades do nosso interior foram profundamente atingidas pelo maior desastre climático da história gaúcha. Muitas delas, como Encantado, Muçum, Roca Sales, Santa Tereza, Serafina Corrêa, Garibaldi, Galópolis (Caxias do Sul) e Veranópolis, têm em comum a imigração italiana.

Os descendentes estão enfrentando a hercúlea tarefa de refundar seus municípios, muito mais do que reconstruí-los.

Em 1875, os imigrantes chegaram ao Rio Grande do Sul já traumatizados pela miséria. Atravessaram o Oceano Atlântico devido à severa crise agrária que assolava a Europa. Egressos de Vêneto, Trento e Lombardia, buscavam novas alternativas de trabalho.

Abandonaram subitamente seus parentes, casas e histórias na Itália.

Dependendo da origem, as famílias levavam cinco dias para alcançar a estação de trem mais próxima, rumo ao porto de Gênova. Uma travessia feita a pé, debaixo de sol e chuva, por trilhas íngremes. Contavam apenas com o auxílio de animais para carregar os pertences.

Depois, os imigrantes, amontoados e desnutridos, suportavam uma viagem de navio que poderia durar 60 dias.

Só que não encontraram sossego e repouso em terra firme. Não havia nenhum povoado pronto os esperando em nossa serra e nossos vales. Nenhuma estrutura. Eram locais desabitados e de difícil acesso. Até estradas tiveram que abrir, num processo de preenchimento de áreas não ocupadas economicamente.

Foram desbravadores, pioneiros, iniciando assentamentos em zonas rurais, precisando lidar com as dificuldades do idioma e com a falta de incentivo. A primeira fase da ocupação teve um caráter exclusivamente rural, devotado para a agricultura de subsistência. Em seguida, viriam as atividades vitivinicultoras, intensificadas com a inauguração da ferrovia entre Montenegro e Caxias do Sul, em 1910 - meu avô chegou nesse período. Ocorreriam também o ingresso na industrialização e a formação de cooperativas, assumindo-se o modo de produção capitalista e certa independência em 1950.

Com a destruição pelas cheias, é como se tivéssemos voltado para 1875.

CARPINEJAR

18 DE MAIO DE 2024
CONSELHO EDITORIAL

NUNCA ESQUECEREMOS

Em linha reta, a distância do Oiapoque ao Chuí é de 4,18 mil quilômetros, mais do que entre Lisboa e Moscou. Mas foi do Amapá que o governador Clécio Luís, a exemplo de tantos outros dirigentes estaduais, ligou para o governador Eduardo Leite para colocar os recursos de seu Estado, por mais modestos que sejam, à disposição do Rio Grande do Sul. Em Brasília, doadores congestionaram por horas os acessos à base aérea para levar doações; e o terminal do aeroporto de Guararapes, em Recife, ficou lotado de mantimentos e roupas trazidos às pressas pelos irmãos nordestinos.

Helicópteros, barcos, bombeiros, policiais civis e militares de todo o Brasil acorreram ao Rio Grande do Sul tão logo se configurou a dimensão da catástrofe. Caminhões com faixas de força aos gaúchos transportam de outros Estados milhares de toneladas de doações, que formam uma linha vital de salvação neste momento. Heroicos são também esses caminhoneiros que, com devoção, têm passado dias em rodovias semidestruídas, desvios e engarrafamentos para manter o abastecimento do Rio Grande do Sul.

Talvez não soubéssemos que éramos uma nação profundamente solidária, ou não nos lembrássemos mais, diante da divisão entre brasileiros escavada artificialmente para eleger políticos de diferentes matizes ideológicos que tiram vantagem do ódio entre conterrâneos. Mas a tragédia que se abateu sobre o Rio Grande do Sul nos deu uma janela para enxergar por cima dos cretinos das redes sociais que, do sofá, tripudiam dos esforços de servidores civis e militares que há duas semanas mal se alimentam e dormem para salvar vidas e tentar restabelecer um mínimo de normalidade.

Quem sabe não está nascendo aqui no Rio Grande do Sul, como uma flor no pântano da catástrofe, um Brasil com mais cara do Brasil onde as divergências não separavam famílias e amigos e nem catalogavam partidos como anjos ou diabos? Esse Brasil não concordava, e nem devia concordar, em tudo, mas não desejava a aniquilação daquelas partes que não pensavam como as outras. É essa chance que temos agora diante de nós, por obra de voluntários, doadores, servidores e poderes que não distinguem crenças políticas ao estender a mão.

No telefonema ao governador gaúcho, seu colega do Amapá aproveitou para agradecer o apoio do Rio Grande do Sul a 24 amapaenses tratados aqui por problemas renais crônicos. Esse é o Brasil que estava oculto e que pode emergir das águas de maio. Basta que, ali na frente, quando os rios baixarem e o noticiário voltar ao normal, as promessas e os discursos oficiais não sejam arquivados e que, principalmente, não percamos de vista que, um dia, o Brasil se uniu para salvar o Rio Grande do Sul. Nós nunca esqueceremos.


18 DE MAIO DE 2024
TRAGÉDIA NO RS

Empresários prometem "virar o jogo"

Antes da tragédia, cinco grandes empreendimentos do 4º Distrito estavam em fase adiantada, como indutores de desenvolvimento, entre eles a construção do prédio mais alto de Porto Alegre. Em 2022, a prefeitura aprovou o primeiro projeto arquitetônico da região seguindo o novo regime especial de flexibilização dos parâmetros urbanísticos e concessão de benefícios. O projeto está localizado entre as ruas Sete de Abril e Emancipação, no bairro Floresta. Aproveitando a estrutura de um antigo moinho de farinha, prevê a implantação de uma torre de 117 metros de altura.

Eduardo Fonseca, CEO da ABF Development, responsável pelo projeto, reforça o compromisso com a região.

- Permaneceremos no 4º Distrito, acreditamos nele, e estamos ainda mais acreditando nesse momento - diz. - Temos de pensar medidas de curto, médio e longo prazo para mitigar eventuais chuvas, como casas de bombas, obras mais complexas, diques. Essa tragédia vai gerar uma oportunidade.

No 4º Distrito, abandono e promessas sempre se misturaram. A renovação demorou décadas para ocorrer. O empresário afirma não se sentir "traído" pelas águas:

- A gente tem empreendimentos no Menino Deus, e teve água ali. Teve também na Cidade Baixa, Assunção, Tristeza, não foi uma coisa especifica do 4º Distrito, do Centro. Não dá para pensar em derrocada. Estou pensando em oportunidade. Vamos virar esse jogo.

Alguns dos principais empreendedores do 4º Distrito consultados pela reportagem reafirmam essa perspectiva: mesmo com a enchente histórica de 2024, pretendem permanecer investindo na região. CEO do Instituto Caldeira, iniciativa que abriga startups de Porto Alegre, Pedro Valério faz uma profunda reflexão sobre o momento dramático que vive aquela região da cidade:

- É um momento que leva a muitas reflexões. Tem o momento de tristeza, de luto. Teve todos os sentimentos. E esse momento é de visão de futuro. Qual é a cidade do futuro que a gente quer reconstruir de alguma maneira e como o Caldeira pode contribuir, que tipo de 4º Distrito a gente pode construir ali, e como proteger.

Valério afirma que não pretende sair dali "de jeito nenhum":

- O Caldeira vem fazendo uma articulação tanto com atores locais quanto internacionais. O exemplo que eu dou é Amsterdã, faz 750 anos que está abaixo d?água. Ou Veneza, que todo ano alaga, mas sabe conviver com isso. O próprio instituto iniciou o trabalho de projetar o futuro, convocando um grupo de especialistas para repensar planos de contingência, de como lidar com uma situação: revisão das comportas, a 14 e a 16, como a gente pensa o sistema de bombas. Então, a gente está fazendo todo um projeto de engenharia nesse sentido para, de fato, ao limpar, ao tirar a água, proteger de forma a não acontecer de novo. Temos de viabilizar uma cidade melhor. Fomos omissos por muitas décadas em relação a esse assunto.

O Instituto Caldeira tem como sede as antigas fábricas das Indústrias A.J. Renner, contando com uma área de 22 mil metros quadrados. Mas tem plano de expansão: com investimento de R$ 120 milhões, pretende ocupar a fábrica de tecidos Guahyba. Com isso, a área para atividades de empresas e instituições passará para 55 mil metros quadrados. Valério afirma que, por ora, o projeto não está comprometido e reforça que está fazendo estudos para proteger áreas de futuras inundações.

Coletividade

Eliane Soares, proprietária da Sou Elevadores Autorais e uma das organizadoras da associação de empresários e moradores do 4º Distrito, está preocupada é com a insegurança na região.

- Roubam energia, arrombam as coisas. Com água já estão agindo dessa forma, imagina depois que não tiver água. Será que o poder público vai dar atenção não só às pessoas físicas, mas a quem faz a economia girar? Nossa dúvida é se teremos o mínimo: segurança, limpeza, energia elétrica, depois que tudo isso se acalmar - questiona Eliane, que diz ter investido mais de R$ 1 milhão na sede, que estava, até sexta-feira, debaixo d?água.

Antonia Wallig, gestora do Vila Flores, afirma que será necessária muita força coletiva para reerguer o centro cultural, que teve todo o térreo alagado:

- Há 10 anos, viemos sediando reuniões da prefeitura, com a população, para que essa região possa se desenvolver. O essencial nunca foi feito. Por isso, está acontecendo o que está acontecendo. A gente precisa retomar esse olhar para as politica públicas estruturantes. A cultura e a arte acabam sendo catalisadoras disso tudo.


18 DE MAIO DE 2024
TRAGÉDIA NO RS

Secretaria planeja abrir até 500 leitos clínicos no RS

Para reforçar o atendimento nos hospitais que receberam novos pacientes devido às enchentes, a Secretaria Estadual de Saúde (SES) está organizando a abertura de até 500 leitos clínicos em diversas regiões do Rio Grande do Sul. De acordo com a pasta, essas vagas já estão disponíveis em diferentes instituições gaúchas, mas precisam ser devidamente reguladas para que possam ser acessadas. Além disso, são necessários recursos federais para financiar esse funcionamento.

A abertura de até 400 novos leitos foi anunciada pela SES na última terça-feira, mas a diretora do Departamento de Gestão da Atenção Especializada da pasta, Lisiane Fagundes, afirma que já se fala em 500 vagas espalhadas por todo o Estado, não apenas na Região Metropolitana.

- Haverá ampliação em hospitais do Norte, do Sul, da Serra, dos Vales e da Região Metropolitana. São leitos que estão prontos, disponíveis para a acessar a qualquer momento. Mas não basta estar disponível, tem que ter regulação para acesso - explica, ressaltando que a Central Estadual de Regulação de Leitos identifica os hospitais com vagas e os pacientes que precisam de internação, fazendo uma ponte entre ambos.

Além da regulação, é necessário que o governo federal envie recursos para financiar esses leitos. Conforme Lisiane, o assunto já vem sendo tema de conversas com o Ministério da Saúde e há uma expectativa de que o financiamento seja aprovado:

- A nossa prioridade é atender o paciente. Então, enquanto não houver financiamento, vamos dar um jeito quando for necessário.

Reforço

A medida tem como objetivo reforçar o atendimento pelo Sistema Único de Saúde (SUS) nos hospitais que precisaram receber pacientes que estavam internados em instituições impactadas pelas enchentes. Como exemplo, a diretora cita o Hospital de Pronto Socorro de Canoas, que foi bastante atingido e precisou transferir seus atendidos para o Hospital Universitário, no mesmo município.

- O hospital que precisa transferir cadastra os pacientes e a regulação habilita esses leitos em outros hospitais. Mas pode ter uma situação mais urgente, como em São José do Norte, onde tivemos risco de inundação e imediatamente transferimos 25 pacientes - relata Lisiane.

JHULLY COSTA


18 DE MAIO DE 2024
POLÍTICA +

Parceria para limpar o Centro

Uma parceria foi firmada entre a Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL POA), o Sindilojas e a prefeitura de Porto Alegre para limpar o Centro Histórico, coração do varejo, quando a água do Guaíba baixar.

A parceria foi acertada entre o presidente da CDL POA, Irio Piva, e o secretário de Planejamento, Cezar Schirmer. Além da limpeza, a CDL está preocupada com a recuperação das lojas que foram atingidas pela enchente. A maioria dos comerciantes perdeu mobiliário e mercadorias.

Em um primeiro momento, o que ficará sob responsabilidade da CDL POA será o fornecimento de kits de limpeza, máquinas lava-jato e comunicação com os lojistas atingidos no Centro Histórico.

Plano Rio Grande projeta reconstrução

Diante da preocupação com uma suposta intervenção federal no Rio Grande do Sul, com a nomeação de Paulo Pimenta para ministro da Reconstrução, o ideal é que ele e o governador Eduardo Leite travem uma disputa para ver quem faz mais. O vencedor será o povo gaúcho se todos, incluindo os prefeitos, olharem na mesma direção.

Apresentado pelo governador Eduardo Leite na sexta-feira, o Plano Rio Grande traz o roteiro completo do que se pretende fazer a curto, médio e longo prazo para recuperar o Estado devastado pelas enchentes.

No powerpoint, é um plano consistente, que se estende para além da gestão de Leite, e que tem entre seus pilares a participação da sociedade em um conselho com câmaras técnicas temáticas para sugestões e acompanhamento e a colaboração das universidades no Comitê Científico de Adaptação e Resiliência Climática. Para ser perfeito, precisa sair das telas para a vida real.

O Plano Rio Grande tem três frentes distintas. A primeira é a das ações emergenciais, que contemplam a coordenação dos serviços essenciais de recuperação, como limpeza, realocação habitacional, desobstrução das vias e reparos dos serviços básicos. Nessa frente, está a construção das "cidades provisórias", para acomodar com mais conforto e privacidade as pessoas que hoje estão em abrigos. Essa é uma iniciativa extremamente necessária, porque essas famílias precisam de um lugar para ficar até que sejam entregues as casas prometidas pelo governo federal.

A segunda frente é a das ações de reconstrução mesmo. Incluem as áreas de habitação, infraestrutura e recuperação econômica. Por fim, vêm as ações de longo prazo. Essa frente contempla a reconstrução de infraestrutura, fortalecimento da resiliência da comunidade e diversificação econômica, solidificando a economia local.

Como uma espécie de contraponto ao presidente Lula, que nomeou um político, Paulo Pimenta, para ser o ministro da Reconstrução, Leite nomeou secretário da Reconstrução um técnico, Pedro Capeluppi, que pouca gente identificaria se encontrasse na rua. Nisso, é o oposto de Pimenta, deputado federal que vem empilhando mandatos e provável candidato a governador.

De perfil discreto, Capeluppi é funcionário de carreira da Secretaria do Tesouro Nacional, cedido para o Rio Grande do Sul desde o ano passado para assumir a Secretaria de Parcerias. No governo de Jair Bolsonaro, comandou a Secretaria Especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados do Ministério da Economia, a convite de Paulo Guedes.

O vice-governador Gabriel Souza, que comandou as operações na enchente do Vale do Taquari, no ano passado, e que é pré-candidato a governador, vai integrar o trio encarregado de monitorar as ações, ao lado de Leite e da secretária de Planejamento e Gestão, Danielle Calazans.

ROSANE DE OLIVEIRA

sábado, 11 de maio de 2024


11 DE MAIO DE 2024
CARPINEJAR

Piedade

Pietà, de Michelangelo, é uma das esculturas mais populares do mundo. Representa Jesus morto nos braços de sua mãe. Maria está de olhos fechados, como que se comunicando em pensamento com o filho adulto e ausente em seu colo.

Há palavras que unicamente podem ser usadas depois da experiência. Conhecemos, na última semana, a piedade, a misericórdia, a compaixão. Palavras que nunca apresentaram tanto sentido para traduzir a realidade. Antes, eram meras palavras. Atualmente, nominam a nossa emoção perante fatos aterrorizantes.

O Rio Grande do Sul atravessa o mais piedoso capítulo de sua história, numa enchente descomunal, que afetou 85% dos nossos municípios, num lastro de dor, desamparo e angústia por resgates. Não se falou de outra coisa. Não se viu outra coisa. Nunca se esperou tanto para que a cheia não se alastrasse mais, ou para que houvesse uma trégua de sol destinada a reduzir seus danos.

Chegamos ao mais triste Dia das Mães do nosso percurso humano no sul do país, a mais difícil e árdua celebração no meio de uma tragédia, com mais de cem mortos, mais de cem desaparecidos e meio milhão de pessoas desalojadas.

O que dizer? Não é o momento de presentes, não é o momento de efeitos especiais e de surpresas: só de abraços lentos, cálidos, só de colos de Pietà, só de oferecer a nossa presença se possível, só de dividir os cabelos de nossas mães com a ponta dos dedos, de olhar firme nos seus olhos e lembrar o nosso nascimento, apesar da destruição e justamente para combater as ruínas.

A nostalgia de nossas datas felizes deve servir para proteger o nosso futuro. É uma artimanha emocional: recobrar a paz de nosso passado é um jeito de imaginar um futuro melhor. Se aconteceu um dia, pode acontecer de novo.

Pensarmos em nossas mães é nos recordarmos do lugar de onde viemos, de como éramos frágeis ao nascer, de como pedíamos socorro ao nos flagrar sozinhos no quarto, de como chorávamos de madrugada por cólicas insondáveis, de como demoramos para falar, para pronunciar as primeiras palavras, de como nos preparamos para plantar os pés no chão, para engatinhar, para andar com as próprias pernas, para não sofrer com as quedas e tombos, de como nos mostrávamos desengonçados, atrapalhados em nossa fome de viver, de como levamos tempo para ir do leite à papinha, da papinha às refeições no prato, até ter a motricidade fina de segurar a colher com precisão.

E sempre, no nosso crescimento vagaroso, na nossa criação gradual e exigente de extrema dedicação, havia uma mãe para nos amparar. Uma mãe zelosa, atenta e carinhosa com as nossas limitações e vontades. Uma mãe entendendo, como agora, que não podemos dar tudo o que ela merece. Nós, gaúchos, somos todos filhos nascendo. Saindo do parto. Começando do zero. No colo piedoso de nossas mães.

CARPINEJAR

11 DE MAIO DE 2024
OPINIÃO DA RBS

SEGURANÇA CLIMÁTICA

Os sucessivos e frequentes desastres ambientais que provocaram destruição e mortes em cidades gaúchas - três enchentes em 2023 e uma maior agora - são indicativos claros de que as mudanças climáticas prenunciadas pelos ambientalistas chegaram para ficar no Brasil. A catástrofe no Rio Grande do Sul foi acompanhada por uma forte e continuada onda de calor em Estados das regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul, o que também ocorre pela quarta vez neste ano.

Considerando-se essa realidade, já não basta que o governo federal continue atuando apenas no socorro às unidades federativas atingidas por intempéries, ainda que a ajuda continue sendo imprescindível. O poder central precisa cada vez mais participar do planejamento preventivo, centralizando operações e compartilhando decisões que hoje ficam a cargo apenas dos Estados e municípios, tais como urbanização, proteção ambiental, construção de infraestrutura nas cidades e dotações orçamentárias para o enfrentamento de catástrofes decorrentes de mudanças climáticas.

Para tanto, é impositivo que um organismo central de planejamento ambiental tenha poder, seja reconhecido por todos e funcione. Não é, infelizmente, o que ocorre hoje com o Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima, principal órgão da governança climática brasileira, que reúne 17 ministérios sob o comando da ministra Marina Silva, mas que até hoje, desde seu relançamento em setembro de 2023, realizou apenas uma reunião e pouco contribuiu para a prevenção nas regiões mais vulneráveis.

O momento é apropriado para o governo do presidente Lula, que tanto criticou o negacionismo de seu antecessor, desengavetar o projeto de criação de uma autoridade nacional de segurança climática, como chegou a anunciar o Ministério do Meio Ambiente por ocasião da retomada do Comitê. Mas a população espera medidas práticas, e não apenas mais órgãos públicos de nomes sofisticados para engrossar a burocracia estatal.

Pesquisa realizada pelo instituto mineiro Quaest sobre a tragédia ambiental no Rio Grande do Sul indica que o negacionismo climático perde força no Brasil. Pela amostragem das 2.045 pessoas consultadas em 120 municípios do país, entre os dias 2 e 6 de maio, percebe-se que uma maioria significativa de 64% relaciona a enchente às mudanças climáticas do planeta, outros 35% consideram que tem alguma ligação e apenas 1% acredita que não tem ligação nenhuma.

Evidentemente, se esses percentuais forem aplicados à totalidade da população do país, ainda parecerá elevado o número de brasileiros que rejeitam explicações científicas para os desarranjos ambientais, preferindo atribuir os desastres ao acaso ou a causas sobrenaturais. Mas uma parcela cada vez mais expressiva de cidadãos demonstra estar consciente de que o descaso humano com a preservação do planeta é o motivo maior do desequilíbrio ambiental. E as pesquisas também mostram que esse contingente de brasileiros bem informados está cobrando mais responsabilidade dos seus representantes políticos.

OPINIÃO DA RBS

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