terça-feira, 31 de março de 2015


31 de março de 2015 | N° 18118
FABRÍCIO CARPINEJAR

Meu sonho é casar na igreja

Sou sério, assumo minhas decisões, não sou inconsequente. Sofro porque sou sério. A falta de seriedade traz a leviandade, não é o meu exemplo.

Não há maior loucura do que casar-se com consciência de que se está casando, não há maior loucura do que a responsabilidade, do que desejar o casamento e segurar um projeto com os dentes e as palavras, por mais que a pressa crie desconfiança.

Nunca me casei na igreja, este é o meu sonho. Eu me guardo para este sonho. Eu luto por este sonho.

Fazer sem pensar é inconsequência. Fazer pensando é compromisso. Eu me comprometo comigo.

Penso rápido, mas penso. Penso com devoção. Ideias guardadas apenas envelhecem, não são como o vinho, não melhoram com os anos. Realizo enquanto tenho condições de realizar, ainda que imperfeito. Não adianta se conscientizar dos atos e do que seria melhor tarde demais. O que vejo de gente se arrependendo quando não pode mais consertar nada. O perdão se come quente, com o prato fumegando.

Não agirei bêbado e colocarei a culpa na bebida. Não agirei desesperado e colocarei a culpa na carência. Agirei porque quis. Enquanto é hora.

Se errei, se não deu certo, fui eu mesmo que escolhi o meu destino. O destino é meu de qualquer jeito, acertando e falhando.

Se fui enganado, se fui desamado, era um risco que corria. Minha vida não é comprada, não ganharei nenhuma luta por antecedência.

Pugilista ou poeta não pode reclamar de sangrar e apanhar. Não pode lamentar os hematomas, não pode protestar por injustiça, não pode praguejar o ringue.

É da minha natureza confiar no amor e confiar mesmo depois que a pessoa já provou o contrário. E confiar de novo e confiar mais uma vez diante da repetição do erro até que o outro aprenda o que é confiança.

A fragilidade é fortaleza. A vulnerabilidade é lealdade.

Quando o destino não me ajuda, fecho a guarda e sigo pela contagem dos pontos. Não abandono o meu coração.

O sofrimento é meu e também é parte da paixão. Não tenho como não sofrer quando me entrego. Não sei o que minha companhia é capaz de oferecer.

Garanto minhas intenções, mostro quem sou desde o início. Não encampo propaganda enganosa, ninguém descobrirá alguém diferente dentro de mim daqui a um tempo.

Sou monótono de tão passional, sou previsível de tão disposto, pois não mudo minha intensidade.

Caráter é como falamos a verdade mesmo quando não nos beneficia.


Ao morar junto em três dias ou três meses, estou sabendo que será por toda a vida. É o que espero até o último beijo. Ou até a consagração do altar.

segunda-feira, 30 de março de 2015


30 de março de 2015 | N° 18117
L. F. VERISSIMO

O inimaginável

Se você já cansou de escândalos e quer fugir deste cotidiano de intolerância e troca de insultos – ou seja, cansou do Brasil atual –, sugiro uma solução, mas com um aviso: você estará trocando uma angústia, digamos, cívica, por uma angústia existencial – o que não deixa de ser uma saída. Se estiver disposto, siga-me.

Minha sugestão é: vamos pensar no universo e esquecer todo o resto? Já se chamou isto de “pensar nas últimas coisas”, mas o problema é que os cientistas ainda não chegaram a um acordo a respeito das primeiras coisas. Teorias sobre o começo do mundo continuam a ser só isso, teorias. Até algumas que pareciam ser universalmente, sem trocadilho, aceitas continuam em discussão, como a teoria do Big Bang, que teria criado tudo em segundos. Agora estão dizendo que não houve o grande pum.

Especulações sobre o que existia antes da explosão inaugural – era o Nada absoluto ou não era nem o Nada? – devem ser substituídas por uma questão ainda mais estonteante, pois se as novas especulações (provocadas, se entendi bem, pela descoberta de pequenos buracos negros indicando a existência de universos paralelos) estiverem certas, significará que o universo, ou a versão do universo que você e eu habitamos, nunca começou. Sempre existiu!

A mente humana não está capacitada a entender uma coisa que existe sem nunca ter começado. O conceito do infinito para os dois lados é demais para quem está acostumado a uma vidinha orgânica, em que tudo nasce, cresce, declina e, que remédio?, acaba. O infinito para a frente ainda é, com algum esforço, concebível. O infinito para trás não cabe na nossa cabeça.

Cientistas, e principalmente físicos, são um pouco como bombeiros, policiais, desmontadores de bombas e domadores de circo, habituados a enfrentar situações extremas que espantam os outros. Vão aonde ninguém mais vai. No caso dos físicos, até as bordas do conhecimento, sem medo de serem engolidos pelo inimaginável, como um leigo. Mas duvido que em algum ponto das especulações eles não lamentem os limites naturais mesmo de uma mente privilegiada, e concluam que nenhuma teoria, jamais, chegará perto da verdade sobre a origem da matéria.


Eu já estou com saudade do Big Bang.

30 de março de 2015 | N° 18117
MOISES MENDES

Quem torce contra o Brasil?

Gostei de ver a frase de Renato Janine Ribeiro de sábado a domingo na capa de ZH online. A frase do novo ministro da Educação, reproduzida de um texto da sua página no Facebook, permaneceu ali como um reforço singelo ao bom senso: Incrível como há gente torcendo pelo Brasil.

E como há gente torcendo contra. Tem gente torcendo, há muito tempo, contra o pré-sal, que não valeria muita coisa mesmo e que vale quase nada agora que o preço do petróleo caiu. E a torcida contra aumentou quando o governo decidiu que o dinheiro dos royalties do pré-sal irá para a educação.

Torcem contra o Enem, o Prouni, o Bolsa Família. Tem gente que se diz liberal e torce até contra o ministro Joaquim Levy. O ajuste fiscal seria inevitável, mas não nessas circunstâncias. Numa hora como esta, o melhor é que nada dê certo.

Alguns esgoelam-se torcendo contra o pleno emprego, porque trabalho demais causaria inflação. Torcem contra o consumo, porque o povo não pode sair comprando como a classe média tradicional. Torceram contra o preço baixo da gasolina e pediram aumento para a gasolina. Agora, se queixam do preço da gasolina. Torceram até contra o juro baixo.

Torcem com bandeiras pela seca, para que a luz fique mais cara. Esbravejam contra a reforma política, porque beneficiaria as esquerdas, ora vejam. Torceram e torcem contra a Seleção, para que o futebol ajude na desestabilização política.

E vão torcer muito contra Janine. Porque Janine fará escolhas que desagradarão a parte dos hipnotizados pela extrema direita, os amplificadores da retórica e dos atos – a definição é dele – “de um ódio cabal aos direitos humanos”. No bonde dos intolerantes, onde já estavam homofóbicos, xenófobos e racistas, agora se acomodam, na janelinha, os golpistas.

Janine já disse isso sobre os discurseiros da intervenção militar: “Estamos tendo no Brasil uma tolerância, que é grande, com condutas antidemocráticas que deveriam ser tipificadas como criminosas”.


O ministro assume num momento em que nunca foi tão difícil ser de esquerda no Brasil e nunca foi tão fácil ser da extrema direita. Eu torço pelo Brasil e torço muito por ele.

30 de março de 2015 | N° 18117
DAVID COIMBRA

Santas ou feras

Soube que arrancaram todos os dentes de Santa Augusta. Arrancaram por tortura, porque ela teimava em rezar para o deus cristão e Jesus, e não para Odin ou Thor. Arrancaram a torquês, a mando de seu próprio pai, que, além de ser um homem muito brabo, era general do exército de Alarico, o rei dos visigodos, que saqueou Roma e deu apelido ao afilhado do Zé Antônio Pinheiro Machado.

Depois desse suplício, Augusta ainda teve o corpo queimado e foi torturada num equipamento tenebroso chamado “roda dentada”, para só então morrer decapitada. Aí virou santa. Era assim que as pessoas viravam santas.

Santa Augusta é o nome do presídio de Criciúma. Visitei-o várias vezes, nos anos 80, a fim de fazer matérias para o Diário Catarinense. Não foi a única cadeia em que entrei por força da profissão. Como velho repórter de polícia, estive em vários presídios, inclusive nos femininos e na Fase. Já dei palestras para detentos. Já escrevi um livro junto com um presidiário, sabia? Mas um dia aconteceu algo, nesse Santa Augusta, que me tocou em especial.

Naquele dia, o carcereiro estava todo orgulhoso porque havia conseguido montar o que chamava de “biblioteca” para os presos. Levou-me até o lugar: uma salinha pouco maior do que um armário em que ele empilhara revistas e livros usados. Enquanto folheava alguns exemplares, perguntei:

– Eles leem bastante?

– Não muito – reconheceu. – É que tenho de cuidar, quando empresto um livro. Tenho que ter certeza de que vão ler mesmo.

Achei estranho: – Por quê?

– Porque muitas vezes eles pegam os livros para arrancar as páginas do meio. Para se limpar.

Para se limpar! Os presos do Santa Augusta usavam os livros como papel higiênico.

Dias atrás, vi uma matéria de TV sobre a cadeia em que está o Renato Duque. Vi cenas da cela em que o colocaram. Uma peça do tamanho de um quarto de solteiro, onde três detentos se acomodam com certa dificuldade. Não há banheiro – há um buraco no chão, fazendo as vezes de privada, e uma pia. O banho (frio) é coletivo. Sobre a cama, uma toalha, um cobertor e... um rolo de papel higiênico.

Aquele rolo de papel higiênico centralizou minha atenção. Teria sido posto ali, pelo administrador da cadeia, como prova da civilidade da sua prisão? Será que Duque vai continuar recebendo rolos de papel higiênico, ou terá de arrancar páginas internas de livros para se limpar, como faziam os detentos do Santa Augusta?

Não fiquei feliz ao saber dos sofrimentos pelos quais está passando o Renato Duque agora, não fico feliz ao saber dos sofrimentos pelos quais passam os mais de 500 mil presos do Brasil. Mais de meio milhão de pessoas que não estão na base da pirâmide social – estão sob ela, soterradas, esquecidas, pessoas com as quais ninguém se importa, nem direita, nem esquerda, nem Estado, nem nada.

Tenho acompanhado as discussões sobre a redução da maioridade penal no Brasil. Que debate é esse, se o Estado brasileiro não consegue sequer acomodar com dignidade os presos que já estão sob sua tutela?


Punição justa educa, isso é certo. Punição justa forma cidadãos. Mas é certo também que punição injusta forma feras. Só nos planos etéreos da Igreja é que a crueldade transforma seres humanos em santos.

30 de março de 2015 | N° 18117
MARCELO CARNEIRO DA CUNHA

“Better Call Saul” e o poema televisivo

Claro que vocês não sabem disso, mas eu adoro poesia. A boa poesia e a grande poesia, o que significa que eu adoro mais ou menos 0,00000001% da poesia que já foi escrita neste mundo vasto mundo. E um dos meus poemas favoritos começa assim “Something there is that doesn’t love a wall”. Olhem que beleza. Something there is. Algo há, algo há, que não gosta de muros.

Algo há que não quer que Saul se dê bem nesta ou em qualquer outra vida, é o que vemos ao assistir o soneto que é Better Call Saul. A conspiração contra Saul, que, aliás, se chama Jimmy, é cósmica, e nos comovemos com a luta de Jimmy em sua fase pré-Saul contra o universo que o desencanta com uma frequência tão constante quanto maldosa. Jimmy é o não eleito, o não pródigo, o sujeito condenado a ser uma versão inferior de si mesmo, uma sombra do homem que ele tenta desesperadamente ser, antes de desistir e virar Saul.

Breaking Bad é herdeiro de Os Sopranos e The Wire, grandes textos, grandes personagens, grandes destinos se impondo a pequenos homens. Better Call Saul herda a maluquice de Twin Peaks, mas sem a sua loucura. Um dos personagens sofre de “alergia a eletricidade”, o que quer que isso seja. O escritório de Saul, por hora Jimmy, fica em um salão de cabeleireiros.

Mike, o grande solucionador de problemas insolúveis em Breaking Bad, em Better Call Saul, trabalha em um posto de cobrança de estacionamento. A ordem, até aqui, é a da desordem, e se coisas rimam é porque a vida exige isso: do caos, de qualquer caos, sai um universo, e é a este universo improvável e encantador que temos acesso, como espectadores e cúmplices de Jimmy.

Sabemos o que ele vai virar, e isso dói, ao mesmo tempo em que fascina. Os melhores personagens são aqueles com os quais nos importamos, e Jimmy já é o personagem mais irresistível desde que inventaram o personagem irresistível.

A nova televisão tem dono, e é a Netflix, que nem TV é. Ironias, ironias e a vida, tal qual a grande poesia, está cheia delas.


Do lado de cá, nos resta aproveitar e ao máximo, enquanto der.

30 de março de 2015 | N° 18117
CÍNTIA MOSCOVICH

MORAL DE CUECAS

Parece inacreditável, mas, passadas quase três semanas do tal “beijo gay” protagonizado por Teresa e Estela, personagens de Fernanda Montenegro e de Nathalia Timberg no primeiro capítulo da novela Babilônia, ainda há os que não se conformam com o feito. Com uma duraçãozinha de nada, a cena resultou em gente escandalizada e indignada, que anda liderando boicotes contra a novela.

É o caso da Frente Parlamentar Mista Permanente em Defesa da Família Brasileira, órgão da Câmara Federal e que é presidido pelo senador Magno Malta (PR-ES). Malta acusa a novela de fazer “apologia do mal” e de “pretender destruir famílias” – como se um beijo entre duas octogenárias fosse desmantelar a moral e os bons costumes.

Claro que Malta, a bancada evangélica e toda a grande parcela da população de moral mais conservadora tem toda a liberdade de não gostar dessa cena ou de qualquer outra. É deles o direito sagrado de desligar a televisão, mudar de canal, até de comandar boicotes. O que se torna exagerado é essa quase obsessão em tutelar os telespectadores, como se o público fosse constituído por um bando de débeis mentais que não sabem ao que deve assistir (aliás, Malta encarna – mais – uma espécie de moral de cuecas, envolvido que esteve no Escândalo das Sanguessugas, aquele da compra de ambulâncias).

Com a pegada cada vez mais realista, às vezes hiper-realista, das telenovelas, o aproveitamento de temas corriqueiros na vida brasileira (favelas, criminalidade, corrupção, tráfico de drogas) tornou-se mandatório. Que surja, então, um casal de lésbicas em nada deveria surpreender – porque há, e sempre houve, grande quantidade de casais assim conformados.

Uma última consideração. Para compor a trama, os autores Gilberto Braga, Ricardo Linhares e João Ximenes Braga “precisam” de Teresa e Estela e da difícil vida pregressa de ambas numa sociedade – justamente – preconceituosa. Logo saberemos, por exemplo, que o filho de Teresa saiu do Brasil com vergonha da mãe lésbica.

Em resumo: a homossexualidade é elemento narrativo necessário e que não pode ser banido em nome de uma moral que não se sustenta em sua própria base.


sábado, 28 de março de 2015












════════════════════════════
Hoje estou em Silencio, só quero
Pensar e te sentir em Mim!
Renata Mangeon


═══════════════════════






29 de março de 2015 | N° 18116
ANTONIO PRATA

O desodorante venceu

Lá pelos 11 anos, quando as glândulas sudoríparas resolveram anunciar ao mundo minha entrada na puberdade, tive, como todo garoto, que escolher um desodorante. Entre as figuras masculinas mais próximas havia duas opções.

Meu pai usava Avanço, uma marca barata que existe até hoje, na mesma bisnaga acobreada e com o mesmo logo simplão, enquanto meu avô e meus tios maternos usavam uma marca mais metida a besta, com um brasão todo rebuscado no frasco e um nome longo e pomposo: English Lavender de Atkinson. Mesmo naquela idade eu conseguia perceber que eram duas propostas antagônicas de masculinidade: de um lado uma coisa mais Jesse Valadão, mais beque de fazenda; do outro, um troço mais camisa polo, mais “retrogosto de frutas vermelhas”.

Confesso, não exatamente orgulhoso, que a minha pré adolescência de escola particular, shopping e Take my Breath Away em salão de festas do prédio me qualificava mais pra camisa polo do que pra Jesse Valadão. Fosse na faculdade, já meio intelectual, meio de esquerda, bebendo cerveja em mesas bambas e cantarolando versos do cancioneiro popular, certeza que teria adotado o Avanço. Aos 11, contudo, metido numa calça semibag da M. Officer e com um Reebok Pump nos pés, acabei fechando com o English Lavender.

Não por muito tempo, porém, pois lá pelo meio da adolescência, sem consultar a mim, ao meu avô e aos meus tios maternos, pararam de fabricar nosso desodorante. Senti que era uma traição à família, mas não tinha jeito: mudei pra marca usada pela maioria dos meus colegas de escola: After Sport de Atkinsons. (Quem – ou o quê – era – ou eram – o – ou os – Atkinsons, não sei até hoje, mas sem dúvida fazia – ou faziam – bastante sucesso entre os anos 80 e 90 do século passado.)

Por meia década, fui fiel ao tal After Sport, até que, pela segunda vez na minha curta vida, as mãos invisíveis do mercado (ou suas axilas?) resolveram acabar com meu desodorante. Nesta altura, terminada a faculdade, adotar o Avanço me parecia, com o perdão da piada fácil, um retrocesso.

Já via com certa ironia aquelas mesas bambas e aqueles sambas do morro saindo desta boca branquela – se não me identificava com brasões ingleses, tampouco acalentava esperanças de passar num teste pra figurante numa montagem de Orfeu Negro, de modo que optei por um Nivea azulzinho, discreto, sem metafísica ou grandes extrapolações socioculturais. E veja só você, cheiroso leitor, que mais uma vez o capitalismo global parece ter resolvido imiscuir-se em meus sovacos. O azulzinho sem metafísica, de uns tempos pra cá, vem sumindo das prateleiras.

É claro que o problema deve ser meu, não do capitalismo global. Imagino que os Cegos da Procter & Gamble e da Gessy Lever e da Nivea e da Johnsons (e mesmo o sumido senhor Atkinsons – caso fosse um senhor e não, sei lá, uma cidade ou uma erva bretã) tenham as narinas mais conectadas às tendências odoríficas mundiais do que este equivocado escriba, que só aposta em fragrâncias obsoletas, prestes a serem levadas pela brisa da história. É, deve ser isso: sou um antiquado. Talvez seja o caso de desencanar dos desodorantes e mudar, de uma vez por todas, pra naftalina.


Será que ainda vendem naftalina?

29 de março de 2015 | N° 18116
FABRÍCIO CARPINEJAR

O perdão custa caro

Qualquer criança confessa. Ou pela pressão da verdade ou pela ameaça das informações desencontradas.

A confissão não expressa maturidade. Tem que ser adulto mesmo para arcar com as consequências de seus atos e pagar a pena (que leva em conta a mentira e também o tempo que manteve a mentira).

Diante da quebra de lealdade no relacionamento, a sinceridade do arrependimento depende da contundência da mudança e rápida e emocionada disponibilidade para a retratação. Não pode haver vacilação e dúvida. Rompe-se radicalmente com o que trazia dor e duplicidade, recusam-se barganha e atenuantes, é deixar uma vida para trás e nascer de novo. Exige uma combinação enérgica de resistência emocional e determinação, para provar que nada se repetirá.

Pois se mostrar arrependido é diferente de cumprir o arrependimento.

O primeiro é um estado provisório, que pode ser da boca para fora, provocado pelo medo de perder alguém. Uma promessa, simplesmente, acalmando os ânimos acirrados.

O segundo é um processo de resiliência, definitivo, para resgatar a igualdade e cicatrizar a confiança daquele que se magoou. É quando transformamos a dívida em responsabilidade, quando transformamos o castigo em justiça, quando aceitamos repor as perdas e recuperar o direito de falar. Alinha-se a consciência novamente ao discurso.

Amadurecimento é corrigir o que foi feito de errado pela dedicação, pelo trabalho, dar o exemplo de integridade em sequência, sem jamais desistir. Com humildade, aguentar a desconfiança e a suspeita de quem feriu. Não desfrutará de meias-palavras, nem de um silêncio agradável: é o caso de se apresentar transparente na intenção e didático nos pensamentos.

Por um longo período, você que errou passará a ser o único a confiar em si, e não conhecerá dias leves. Estará em desvantagem nas conversas, precisará prestar satisfações e confirmar horários. A reincidência estará sorrindo à sua frente quando chora e se contorce de culpa. Terá vontade de retornar ao que era, onde mentia, fazia o que queria e não devia nada a ninguém.

Pedir desculpa é fácil e indolor, diria que é um suspiro letrado, mas carregar “eu errei” todo o dia nas costas que é árduo e tarefa para fortes.


Tudo pode ser consertado. Tudo. Desde que se entenda que desculpa é para crianças, e reabilitação é para adultos. Será obrigado a crescer.

29 de março de 2015 | N° 18116
MARTHA MEDEIROS

Decolagem autorizada

É um impulso natural: abrir-se para novas oportunidades, alargar o campo de visão

Dias atrás escrevi uma coluna que repercutiu. Eu falava do sentimento de ver uma filha levantando voo, saindo de casa para construir sua própria vida fora do país, sem data para regressar. Na ocasião, recebi e-mails de pais e mães relatando experiências semelhantes, contando como foi importante para o amadurecimento de seus filhos essa decolagem rumo à própria independência.

Não foram três ou quatro, foram dezenas de mensagens, provando que essa debandada é mais comum do que se imagina e que só traz benefícios, tanto para quem vai quanto para quem fica muitos comentaram que o relacionamento com os viajantes só melhorou depois que eles partiram.

Estava eu entretida com as histórias que cada um contava quando entrou um e-mail de um pai que assim iniciava seu relato: “Tua coluna me levou às lágrimas”. Pensei: mais um que acaba de voltar do aeroporto depois de se despedir do seu moleque. Mas não. Ele contou que tinha um filho de 38 anos que ainda morava em casa e não dava sinal de querer levantar a bunda do sofá (palavras dele).

Imaginava que, a essa altura, o filho já teria vivido suas aventuras pelo mundo, aprendido um pouco sobre a vida, feito escolhas, mas que, ao contrário disso, criara raízes e não pretendia cortá-las. O garoto (garoto??) trabalhava, era um bom menino (menino??), mas nada de se movimentar.

À medida que o texto progredia, a frustração desse pai ficava mais evidente. No final, já estava insultando o guri (guri??). E eu, que gosto de um humor negro, não contive o riso diante deste “pai às avessas”, como ele próprio se definiu: inconformado por não ver seu filho também levantando voo.

Dei total razão a ele. Quando os filhos saem de casa, a gente se preocupa, sente saudades e tal, mas, no fundo, sabemos que esse rompimento está escrito e que é salutar na vida de todas as famílias. Por mais que dê um aperto no peito, o sentimento que realmente impera na hora da separação é orgulho. Criamos um filho que tem determinação, autonomia, equilíbrio emocional.

Não é preciso que ele vá para Londres, Austrália ou qualquer outro lugar distante. Basta abrir mão de um amanhã previsível, mesmo que seja mudando para o bairro vizinho. É um impulso natural: abrir-se para novas oportunidades, alargar o campo de visão, encontrar-se com um eu mais autêntico. Claro que grande parte da população não conta com esse privilégio: amontoam-se todos sob o mesmo teto por não terem como se sustentar de forma avulsa. Mas quem ganha seu próprio dinheiro e ainda assim se recusa a migrar será para sempre o apêndice de uma estrutura que não foi criação sua, e sim herdada sem esforço, impedindo a formação de uma identidade mais legítima.


Ô garoto, ô menino: coragem. Bata as asas e permita que seu pai voe também.

Lindo sábado pra você. Delicioso Final de semana

Curta seu final de semana...Abraçãooooo

Lindo final de semana pra você....


28 de março de 2015 | N° 18115
CLÁUDIA LAITANO

Visita oportuna

Um deputado federal chamado Cabo Daciolo, bombeiro evangélico eleito pelo PSOL do Rio, protocolou quarta-feira na Câmara uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que altera o parágrafo único do artigo 1º: em vez de “todo poder emana do povo”, o deputado gostaria de fazer constar na carta magna do país que “todo poder emana de Deus”.

Diante de uma notícia desse tipo, nossa porção cínica e fleumática tende a balançar a cabeça e quase acha graça da piada involuntária do aprendiz de aiatolá. Já a parte da nossa consciência formada pelos nossos instintos mais paranoicos, aqueles que costumam farejar situações de risco antes que elas se tornem realmente incontornáveis, alertam para a necessidade de reação enérgica e imediata – ou, na hipótese menos nobre e corajosa, exige uma rota de fuga para as colinas.

Por uma daquelas coincidências capazes de restaurarem ânimos combalidos, no mesmo dia em que a PEC de Deus foi protocolada na Câmara veio a notícia de que o mais célebre e atuante defensor da causa do Estado laico está a caminho de Porto Alegre. O biólogo britânico Richard Dawkins, um dos mais influentes intelectuais do mundo nos dias de hoje, vai abrir a programação do Fronteiras do Pensamento no dia 25 de maio.

Com um discurso que não costuma fazer concessões, esse intelectual formado na elite acadêmica de Oxford atrai para suas conferências multidões de pessoas que se sentem representadas pela sua visão de mundo radicalmente racional e humanista. Essa fama de estrela do rock, porém, tem seu custo. Dawkins costuma ser criticado pela ênfase com que critica a influência da religião na esfera pública.

É verdade que não foram poucas as vezes em que ele sacrificou a diplomacia em nome da firmeza de posições. Por outro lado, é preciso reconhecer que são cada vez mais raros os intelectuais que, como ele, ousam abandonar o conforto e a proteção da vida acadêmica para sujar as mãos nos ásperos embates da vida real.


A oportuna visita de Dawkins ao Brasil, neste momento em que a liberdade para crer e deixar de crer está sob ameaça, é um ótimo pretexto para que todos nós, paranoicos ou não, celebremos o Estado laico mandando um recado simples e claro para a vanguarda do retrocesso: no pasarán!

28 de março de 2015 | N° 18115
O PRAZER DAS PALAVRAS | Cláudio Moreno

Azulejo

ACABEI CONFIRMANDO QUE não há nada que ligue azulejo a azul, embora pareçam da mesma família

O assunto foi levantado por uma professora da rede pública estadual de Santa Catarina, do município de Lajes, cujo nome, a pedido seu, não será mencionado: “Professor, sou uma grande fã sua e tenho certeza de que vai me ajudar. Um aluno me perguntou por que, ao lado do azulejo, que obviamente vem de azul, nós não temos também verdejo, branquejo ou vermelhejo. Acho que é brincadeira, não? Que resposta posso dar a ele?”.

Cara professora, a pergunta veio sacudir a árvore da memória e despertou-me a vaga lembrança de já ter tratado deste assunto. Embora conserve hábitos um tanto fora de moda – escrevo preferencialmente a mão, com caneta tinteiro e tinta preta –, aderi à informática desde o tempo do Windows 3.1, fazendo do computador um companheiro que só vou abandonar quando deixar este mundo.

 Usando de feitiço poderoso (na verdade, o Google Desktop), vasculhei os meus arquivos e encontrei, no início de 2000 (credo! já faz 15 anos!), um e-mail de nosso Luiz Achutti, enviado de Paris, comentando uma coluna em que eu afirmava, oblíqua mas claramente, que azulejo viria de azul. Dizia ele: “Escrevo apenas para dizer-te que vi ontem na TV uma matéria sobre o Museu dos Azulejos em Portugal.

O cara lá pelas tantas falou que a palavra azulejo não veio de azul (como está implícito no teu artigo), mas sim de uma palavra árabe, de som parecido, que teria algo a ver com revestimento. Não lembro qual era a palavra do Árabe, mas espero que mesmo assim faças bom proveito da minha dica”.

A dica foi realmente valiosa; com a pulga atrás da orelha e um dicionário na mão, acabei confirmando que não há nada que ligue azulejo a azul, embora pareçam ser gente da mesma família. Corominas (conquanto seja um dicionário etimológico do Espanhol, sempre é útil quando estudamos formas compartilhadas entre os dois idiomas) diz que azulejo vem de al-zuleig ou al-zuleij (o al é apenas o artigo), que significa, aproximadamente, “pedrinha polida”, uma referência à arte dos mosaicos romanos, que os árabes conheciam tão bem. Por outro lado, azul, a cor, é uma forma reduzida de al-lzaward, vocábulo que os árabes foram buscar na Pérsia e que você conhece como o segundo elemento de lápis-lazúli (do Latim lapis, “pedra” + lzaward, “azul”).

Embora haja um marcante predomínio do azul nos ladrilhos portugueses, todas as outras cores sempre estiveram presentes. Numa descrição da China, em 1520, o viajante informa que “As casas são ladrilhadas de azulejos de muitas cores”. Em 1603, Fernão Mendes Pinto (1603) descreve “um coruchéu [campanário] de azulejos de porcelana muito fina brancos e pretos”. Já no séc. 18, contudo, o bom Bluteau se encarregava de espalhar a falsa etimologia em seu dicionário: “azulejo - “espécie de ladrilho envernizado, com figuras ou sem elas; há brancos e verdes, mas pela maior parte são azuis, e desta cor tomou esta obra o nome”. Sendo ele o grande nome que foi em nossa lexicografia, desconfio que tenha contribuído – e muito! – para espalhar esta lenda.


Cláudio Moreno, escritor e professor, escreve quinzenalmente aos sábados

28 de março de 2015 | N° 18115
PALAVRA DE MÉDICO | J.J. CAMARGO

A SAUDADE QUE ENTERNECE

Usina recicladora dos afetos permanentes, ela se torna ingrediente milagroso

Ninguém encanta escrevendo sobre o que não sente. O David Coimbra sempre escreveu maravilhosamente, mas quando parecia impossível melhorar, descobrimos que é possível.

Se nos dermos ao deleite de reler suas crônicas do último ano, perceberemos que as contemporâneas, políticas ou não, são ótimas, mas as melhores são aquelas que envolvem reminiscências, onde predomina, como era inevitável, o efeito catártico da distância. Esse é o benefício dos anos sabáticos na depuração dos sentimentos.

E tudo simplesmente porque a revisão amorosa das nossas experiências de vida é enriquecida pela saudade, essa poderosa usina recicladora dos afetos permanentes. É esse o ingrediente milagroso que nos faz mais carentes, mas também enternece a nossa memória e traz os nossos sensores afetivos para a flor da pele.

Quando vivi nos EUA, senti a necessidade visceral de escrever para aquelas pessoas de quem, acabara de descobrir, gostava mais do que tinha tido o cuidado de anunciar, e aquilo de repente me parecera um imperdoável desleixo emocional. Se um paciente me lembrava algum amigo, canalizava o afeto reprimido, e cuidava dele como se cuida de um ente amado. E como carência afetiva é um mal cosmopolita, nunca me faltou um receptor disponível.

Foi assim que me aproximei do Mr. Collis, um velho plantador de milho de Minnesota que fora internado para tratar de um tumor de pulmão aparentemente precoce. Pedi a um colega para assumir o caso dele, e nunca expliquei a nenhum dos dois que eu precisava proteger a saudade que evocava aquela cabeça idêntica à do meu pai.

Compartilhei o entusiasmo com que lhe fora anunciada a perspectiva de cura e me condoí quando o meu chefe anunciou, sem preâmbulos, que infelizmente estava frustrado porque a doença estava disseminada e aquele nódulo pulmonar, de aparência inocente, era, na realidade, a ponta do iceberg de um câncer avançado.

Depois que o quarto esvaziou porque todos debandaram com aquela pressa de quem foge da impotência, ficamos sós, e ele implorou que eu desse um jeito de protelar a sua morte até depois do Natal, porque se não, a volta extemporânea do filho, envolvido num projeto milionário na Tailândia, arruinaria sua brilhante carreira de jovem engenheiro.

Ele sabia que eu não tinha como ajudá-lo. Eu também. Mas nos prometemos. E como dois seres apátridas, ficamos um tempo de mãos dadas, cada um administrando a sua saudade. Esse sentimento imenso e único, que sempre aponta para casa. Não importa a distância.


J. J. Camargo é cirurgião torácico e diretor do Centro de Transplantes da Santa Casa de Porto Alegre
RUTH DE AQUINO
27/03/2015 20h33

Apertem os cintos: o piloto do Brasil sumiu

A situação é de descontrole na cabine de comando do planalto, com queda abrupta em todos os níveis

Não há antídoto contra a loucura de quem pilota um avião ou um país. Podemos submeter um piloto de Airbus ou o presidente de uma nação a avaliações psicológicas e físicas periódicas, para tentar assegurar um certo equilíbrio e coerência nas decisões tomadas na cabine de comando. Mas nada é 100% garantido. Crises de depressão ou egocentrismo são especialmente perigosas para quem controla a vida de centenas de passageiros ou milhões de habitantes.

Vivemos uma situação de descontrole total na cabine de comando do Planalto. A queda do país é abrupta em todos os níveis – e já era esperada por quem não se deixou iludir em 2014. Está claro que a recessão começou no ano das mentiras. Desemprego sobe, renda tem a maior queda em dez anos, preços aumentam 7,9%. Trabalhadores são assaltados nos metrôs, nos pontos de ônibus, nas vias expressas congestionadas, nos túneis. Os Estados estão quebrados, os aliados voam como baratas tontas e moscas azuis, a “comandanta” é chamada de agiota por prefeitos muy amigos. 

Só não sabemos ainda quem são hoje o piloto e o copiloto do Brasil – e qual deles é mais propenso a ataques de pânico ou de autoritarismo. Temos apenas duas certezas: uma é que tem gente demais empoleirada no comando, posando de bonzinho, mas querendo derrubar o Brasil de encontro às montanhas, estilhaçar qualquer possibilidade de ajuste de expectativas. A outra certeza é que nós somos os trancados do lado de fora, reféns de um bando de loucos mal-intencionados.

Quem são o piloto e os copilotos hoje responsáveis por nossa vida e a de nossos filhos e netos? Está difícil enxergar Dilma Rousseff sentada na poltrona de quem aperta os botões e define a direção e a velocidade do jumbo Brasil. Se traçarmos um paralelo com a tragédia do Airbus que provocou luto e estupor no mundo, Dilma hoje se parece mais com aquele que foi ao banheiro em hora imprópria, de aterrissagem, e não conseguiu retornar.

Ninguém escuta mais as broncas de Dilma, que estão virando sussurros. Ela pegou o machado para decepar a lei de novembro passado, que aliviava as dívidas dos prefeitos. O machado voltou como bumerangue. Não importa mais o partido político na hora em que o bolso aperta. Pode ser Eduardo Paes (PMDB-RJ) ou Fernando Haddad (PT-SP). Paes já entrou com ação contra Dilma. Haddad já disse que não vai deixar barato. Os calotes se ampliam nos Estados. A irresponsabilidade fiscal compromete o ajuste fiscal prometido pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Trocando em miúdos, os únicos que precisam pagar as contas em dia somos nós, os contribuintes.

Ao enfrentar um clima adverso, nuvens negras e trovoadas, o pior conselheiro é a solidão – por isso, é tão crucial ter “alguém” com experiência, honestidade e credibilidade ao lado do comandante. Quem será?

O jumbo Brasil precisa do tecnocrata Levy como copiloto. Mas lhe faltam experiência e autoridade políticas para lidar com os abutres ou aplacar disputas. Quem teria de enfrentar as rebeliões dos aliados seria a “presidenta”. Não foi ela quem ganhou nas urnas? Só que Dilma foi ao banheiro e não conseguiu voltar, não abrem a porta para ela, não há mais cavalheiros, só cavaleiros do apocalipse, até em seu próprio partido, o PT.

O que parecia inacreditável aconteceu. Quem apoia hoje medidas de austeridade da presidente, quem é contra o impeachment, quem é a favor da governabilidade para não espatifar o Brasil no Planalto Central é uma das instituições mais criticadas por Lula, Dilma e sua turma: a imprensa.

O jumbo Brasil está sem rumo. E quem está aboletado na cabine de comando são os amotinados do PMDB, a dupla caipira Renan Calheiros e Eduardo Cunha, um alagoa­no e um carioca com milhares de fios de cabelos implantados e muitos delírios de Poder na cabeça. Ambos odeiam um tripulante da nave Brasil com fama de oportunista, Gilberto Kassab. A manobra de Kassab para criar mais um partido, o PL, é chamada por Renan de “molecagem” e por Cunha de “alopragem”.

Sob a pressão de moleques, aloprados e loucos, Dilma é a primeira refém da armadilha que Lulalá e ela criaram. Já não lhe compete demitir ou nomear. Dilma hoje é torpedeada até quando tenta acertar. Mas é impossível ter pena. Se a hora é de arrocho, Dilma, dê o exemplo, ceda à jogada do novo PMDB e comece a cortar seus 39 ministérios e seus 22 mil cargos de confiança. Porque é imoral o tamanho dessa máquina e das boquinhas públicas.


Confiança se ganha devagar e se perde muito rápido. Poucos de seus eleitores embarcariam hoje num avião pilotado pela senhora. Os maiores reféns somos nós. Apertem os cintos.

quarta-feira, 25 de março de 2015


25 de março de 2015 | N° 18112
MARTHA MEDEIROS

Sete vidas

Estreou recentemente a nova novela das 18h, Sete Vidas, que conta a história de um homem que, quando jovem, doava sêmen para se sustentar, e depois, adulto, descobre que tem sete filhos que não conhece.

Não estou assistindo, mas confio muito no taco da autora, a ótima Licia Manzo. Comecei a coluna usando esse gancho a fim de promover outro tipo de doação que também pode gerar seis, sete, várias outras vidas: a doação de órgãos. Faço questão de apoiar a campanha lançada pela Santa Casa.

Quando alguém morre, é uma vida a menos. É assim que analisamos a morte: como uma perda. Porém, a gente se esquece de que essa vida a menos pode gerar muitas vidas a mais. Basta que se doem o coração, as córneas, o pâncreas, o fígado, os rins e o que mais puder ser aproveitado.

Quem de nós não gostaria de ter serenidade e tolerância diante da morte? Pois é, porém nenhuma religião conseguiu até hoje confortar plenamente os parentes e amigos que enfrentam o desaparecimento súbito de uma pessoa querida. A ausência definitiva de alguém próximo é de uma brutalidade que encarcera a todos num luto sofrido. O tempo não cura, apenas ajuda a administrar a saudade.

Mas há paliativos. No momento em que é preciso superar uma dor extrema, a doação de órgãos pode tornar-se mais eficiente do que as missas encomendadas. É o verdadeiro ato de fé que manterá viva aquela pessoa entre nós.

Pense: o coração de alguém que morreu por causa de um aneurisma pode continuar batendo no peito de um estudante de Medicina, as córneas de quem viajou por lugares paradisíacos pode servir para um fotógrafo. É uma ressurreição possível, que sai das páginas da Bíblia para virar realidade entre nós.

Ninguém quer morrer, ninguém quer perder ninguém, ninguém quer nem mesmo tocar neste assunto, ainda mais estando tão atazanado com o trabalho e outros compromissos cotidianos. Temos tanta coisa a realizar, que necessitamos urgentemente da garantia de que viveremos por no mínimo cem anos. Mas, caso o destino resolva ser mais rápido no gatilho, é muito importante que tenhamos verbalizado para nossos familiares que somos favoráveis à ideia de sobreviver através do corpo de outra pessoa.


Anunciemos em alto e bom som: sou doador de órgãos. Deixemos a declaração por escrito, se preciso for. Não é um tema mórbido. Estamos falando de esperança, de renovação, de generosidade. De uma multiplicação milagrosa de fato: uma pessoa valendo por duas, três, sete.

segunda-feira, 23 de março de 2015


Linda segunda-feira pra você...

.
NA PONTA DO LÁPIS

Gostaria de escrever histórias.
Inventar personagens,
situações,
lugares distantes,
além das fronteiras do crível.
Prosa ou poesia fantástica,
tramas mirabolantes.
Mas não sou capaz!
Tenho os pés no chão,
apesar de, vez por outra,
permitir-me voar
Neste vôo solo,
ouso desnudar-me
sem pudores,
nem disfarce de cores.
Mas sempre estarei lá:
na ponta do lápis.

Rogoldoni
.


.
Desesperança

Eu não sou nada...
Sou uma folha que vaga ao sabor do vento
com a roda da vida estagnada
observando o diluir do tempo
que passa, passa... E não me traz o esquecimento.

Os dias tão longos, curvam-se em distorções
a menina de olhos verdes, chamada Esperança,
não adentra mais no meu coração.
O teu silêncio tenaz, extinguiu minhas ilusões

Este ser difuso confuso
perdeu a sensatez, o resquício da razão.
Num lugar longínquo em seu passado.
no paraíso da imaginação.
Esqueceu sua alma, petrificou-se seu coração.

(L.T.).


.
CAPÍTULOS DE UM FOLHETIM

Se eu fosse um ponto de exclamação,
poderias antever um final feliz.
Mas como sou interrogação,
decifra-me
e saberás porque ajo assim.
Fui moldada a ferro e fogo,
o malho forjou meu contorno
sou capítulos de um folhetim.

Rogoldoni

sábado, 21 de março de 2015


22 de março de 2015 | N° 18109
MARTHA MEDEIROS

Elogio à memória

O médico britânico Richard Smith gerou polêmica, recentemente, ao afirmar que o câncer é a melhor forma de morrer. Aos que já perderam alguém para essa doença infeliz, a pergunta que fica no ar é: como assim? Dr. Smith explica que, entre a morte súbita, a falência múltipla de órgãos, a demência ou um câncer, este último estaria em vantagem por dar ao paciente a oportunidade de se despedir dos seus afetos e prazeres, de refletir sobre a vida, de visitar certos locais pela última vez e de se preparar para a partida conforme suas crenças.

A polêmica se acirrou mais ainda quando ele disse que os investimentos para pesquisar a cura do câncer deveriam, ao menos em parte, ser direcionados a estudos sobre as doenças da mente.

A primeira vez que enxerguei o câncer com olhos menos dramáticos foi ao ler o livro Por um Fio, do dr. Dráuzio Varella, em que ele relata sua comovente experiência como oncologista. Agora, ao assistir ao filme Para Sempre Alice (que achei meio fraco, diga-se), reforcei a ideia de que o câncer dispõe mesmo de alguns benefícios nessa competição macabra.

A atriz Julianne Moore ganhou o Oscar de melhor atriz ao interpretar uma mulher de 50 anos que sofre do mal de Alzheimer. Ela perde palavras, não reconhece feições, esquece com quem estava conversando, e sobre o quê. Menos mal que ainda consegue produzir flashbacks, lembrar a infância e acontecimentos remotos. Porém, nos casos em que a memória vai inteirinha para o brejo, de que adiantou ter vivido?

Não faz sentido atravessar tantos conflitos e amores, ter cometido tantos erros e acertos e não poder, lá adiante, contabilizá-los. No inventário de uma vida, vale o que se fez e o que se sentiu. Se tudo for esquecido, esvaziam-se nossos 80 anos, nossos 90 ou 100. Qualquer longevidade passará a valer um segundo.

Espero um dia olhar para fotos antigas e me reconhecer no sentido mais amplo, recordar o que eu vivia naquele momento do clique, dizer “parece que foi ontem” sem sofrimento. Quero lembrar sabores, sorrisos, gestos, enfim, os flashes que iluminam a estrada atrás de nós. Quero inclusive lembrar os arrependimentos e as dores, que vistos de longe parecerão bem menores – e essenciais. Quero rir muito de mim, me recordando de trás pra frente.

Porque, se não for assim, nossa vida terá valido para os outros, os que nos lembram, mas não terá valido para nós mesmos. Seremos uns desmemoriados sem alicerces, vagando num presente ilusório, desaparecendo a cada minuto que passa.

Se temos que morrer um dia (que jeito), que seja abraçados a nossas recordações. A integridade de uma vida está em seu reconhecimento, mesmo que, junto às boas lembranças, sejamos obrigados a reconhecer também a proximidade do fim. É o preço. Pior é morrer alienado, sem poder avaliar, através da memória, se valeu ou não a pena.


Postagem em destaque

04 de Setembro de 2024 CARPINEJAR Será o último capítulo? Será o derradeiro capítulo de uma das maiores tragédias gaúchas? Onze anos depois,...

Postagens mais visitadas