sábado, 31 de outubro de 2015


01 de novembro de 2015 | N° 18342 
CARPINEJAR

Maturidade ou indiferença

– Você é jovem e ainda viajará bastante, conhecerá o mundo, não deve adiar os seus sonhos por ninguém. – Gosto do jeito que é, não mudaria coisa alguma em você.


– Sou contra pagar a conta, pois dividir valoriza o seu trabalho.

– Não tenha pressa de se envolver, vamos devagar, seguindo o seu ritmo. A relação é uma construção.

– Já teve quantas histórias? Afinal, se você transa bem é consequência daquilo que já viveu.

– Hoje é melhor eu ficar sozinho para aumentar a saudade.

– Pode se abrir e me contar o que quiser, não há com que se preocupar. Antes de tudo, somos amigos

– Não precisamos nos encontrar todo dia, desejo que não perca a sua independência.

– Você está certa, como sempre.

– Estou passando por uma fase de autoconhecimento e você tem sido extremamente compreensiva.

– Beba com as amigas, vá a festas, a sua felicidade vem em primeiro lugar.

– Eu entendo o que você sente, somos muito parecidos.

– Não quero que sacrifique a sua liberdade por mim.

– Ciúme é burrice, feito para quem busca mandar no outro.

– Estarei aqui quando precisar.

– Tem todo o meu apoio.

– Você é muito importante para mim, não há necessidade de nenhuma prova.

– Sexo não é tudo, há tanto numa relação para se aproveitar.

– Estava escrevendo para você quando me escreveu.

– Você não me sai do pensamento.

– Não ligo para a beleza, eu presto atenção na autenticidade das pessoas.

– Nossa, como você me aceita!, nunca encontrei um homem tão seguro, independente, maduro, compreensivo, equilibrado, calmo, esclarecido, nem um pouco possessivo, capaz de me incentivar sem nenhum egoísmo, sem nenhuma pressão.

(O que ela não sabe é que ele só é assim porque não está apaixonado.)

01 de novembro de 2015 | N° 18342- | 
Cláudia Laitano

Pecados da carne


Bacon, salsicha, linguiça e presunto estão sendo fritados - não como as batatas e os bolinhos de chuva, mas como políticos que correm o risco de perder o mandato e cair no ostracismo. O estudo da Organização Mundial de Saúde que colocou alimentos processados ("sabidamente carcinogênicos") e carnes vermelhas ("provavelmente carcinogênicas") na companhia de cigarro, bebidas alcoólicas, amianto e exposição solar apenas confirmou uma tendência que já vinha ficando evidente nos últimos anos: a comida é o novo tabaco.

Da mesma forma como as campanhas antitabagistas conseguiram transformar leis e hábitos nos últimos 30 anos, estamos assistindo a uma acelerada mudança de cultura em relação ao que comemos - e principalmente ao que deixamos de comer. Do cardápio do McDonald's às festinhas de criança, passando pelo churrasco de domingo e o pão nosso de cada dia, essas mudanças já estão instaladas na nossa rotina. O espírito da época é fechar a boca e abrir os olhos: tem agrotóxico? entope as veias? destrói a natureza? maltrata os animais? é glúten-free?

Essa nova consciência em relação à comida pode estragar o apetite de alguns e limitar o cardápio de outros, mas não é de todo ruim. Saber é melhor do que não saber quando o assunto é saúde e preservação do planeta. Nesse sentido, não adianta ter nostalgia da inocência perdida porque é impossível voltar ao almoço de ontem. O problema é que os estudos sobre alimentos que causam doenças são muito menos conclusivos do que aqueles que demonstram, por exemplo, os malefícios do cigarro. 

Há muitas pesquisas, mas essa abundância de informações, muitas vezes contraditórias, acaba criando angústia e abrindo um enorme espaço para o sensacionalismo, a desinformação e até mesmo para uma espécie de mitologia em relação à comida, opondo veganos e carnívoros, naturebas e glutões, magrelas e rotundos, como se um lado encarasse o outro como uma turba de infiéis que deveria ser convertida o mais rápido possível.

Infiéis? Convertidos? No livro The Gluten Lie, lançado neste ano nos Estados Unidos, o estudioso de religiões Alan Levinovitz apanha essa conversa no ar e mostra que tem se tornado cada vez mais comum o uso de vocabulário moral ou religioso para falar de comida. Para o autor, muito da relação que as pessoas têm com a alimentação pode ser explicado através de padrões de pensamento religioso, e os argumentos para escolher comer carne três vezes por dia ou apenas alface costumam ser mais filosóficos ou éticos do que médicos ou científicos.

Pense nisso na hora de tentar convencer alguém a comer - ou deixar de comer - algo.

01 de novembro de 2015 | N° 18342 
MOISÉS MENDES

A normalidade brasileira


Luís Cláudio Lula da Silva sai da festa de 70 anos do pai, na quarta-feira, em São Paulo, e vai para o apartamento onde mora. Logo depois, por volta das 23h, emissários da Polícia Federal batem na porta e o intimam a depor por suspeita de envolvimento em ações de lobistas do setor automobilístico junto ao governo. Os agentes da lei foram brindados por uma casualidade – o aniversário de Lula e a intimidação de um filho dele, pouco antes da meia-noite. 

Mais uma hora e a coincidência estaria desperdiçada. Se Luís Cláudio escapar, Lula já avisou: tem mais três filhos e sete netos que ainda não foram investigados. Um deles será pego. Homens da lei devem saber o que fazem com suas ações noturnas. A normalidade dispensa o sol e a claridade.

Eduardo Cunha manobra, à direita e à esquerda, para sobreviver. Não se ouve, vindo da universidade, o mais tênue jogral de vozes contra Cunha, seus cúmplices golpistas e o que ele representa para a degradação do parlamento, da política e da democracia. Nem vozes desafinadas são ouvidas. As vozes fortes, legalistas, que enfrentaram golpistas, sob todos os riscos, nos anos 60 e 70, calaram-se na academia no Brasil. Não têm força nem para enfrentar um Eduardo Cunha. A universidade descobriu o conforto da abstinência de posições. Não incomodem a universidade brasileira, não tentem tirá-la da normalidade.

O Congresso exerce com crueldade seu poder de destruição, com a pauta-bomba comandada por Eduardo Cunha, Caiado, Aécio e Zé ?Agripino. E o empresariado brasileiro faz seminários para debater novos mercados na Indonésia. A oposição pulveriza o ajuste, cria despesas e faz força para quebrar o país ainda neste ano. E o empresariado faz eventos sobre como vencer na crise que não é dele, é dos outros. 

Em um encontro recente de dirigentes de empresas de ponta do país, alguns fizeram apelos para que a elite econômica reaja. Bradaram em discursos: vamos nos unir, pressionar o Congresso e parar de nos queixar. Foi na semana passada. Nada aconteceu. O ministro Joaquim Levy é o aliado largado na sarjeta. Assim caminha a resignada normalidade da elite empresarial do país.

Manchetes de quinta-feira: Bradesco fecha o terceiro trimestre com lucro líquido contábil de R$ 4,1 bilhões, 6,1% acima da cifra do mesmo período de 2014. Nos primeiros nove meses do ano, o lucro líquido chegou a R$ 13,3 bilhões, 18,6% acima do mesmo período do ano passado. Não se sabe qual foi o lucro gasoso. Mas o Bradesco e outros bancos estão preocupados com a inadimplência. Um executivo admitiu que o lucro sobe, enquanto cresce o atraso nos pagamentos, porque o mercado passa por “uma breve situação de estresse”. 

O Nobel de Economia Joseph Stiglitz já afirmou que o Brasil é um país tão estranho, que o setor produtivo se apaixona pelos bancos, a ponto de achar que os ganhos absurdos deles também acabam sendo seus. Os lucros dos bancos no Brasil explodem enquanto a economia encolhe porque são uma das mais antigas normalidades do nosso capitalismo.

Carlos Alberto Brilhante Ustra, o mais famoso torturador da ditadura, recebe homenagens póstumas de colegas militares. Nem a tortura impõe limites à nossa normalidade.


01 de novembro de 2015 | N° 18342 
MARTHA MEDEIROS


O cartão do estacionamento

Nada se compara com a relação que tenho com aquele pequeno papel cuspido por máquinas a fim de liberar a entrada

Sou meio avoada, às vezes esqueço onde larguei as chaves, os óculos, mas, até aí, quem não? Nada se compara, no entanto, com a relação que tenho com aquele pequeno papel cuspido por máquinas a fim de liberar a entrada nos estacionamentos de supermercados e shoppings. Pego o tíquete e largo no console do carro. Ou pego e largo em cima do painel. Ou pego e jogo dentro da bolsa. Tudo da mesma forma mecânica como ele me foi entregue, pá pum, e bora entrar no prédio a fim de encontrar logo uma vaga.

Depois de algumas voltas, a sinalização verde em cima de uma vaga indica: liberada, é sua. Então, estaciono. E a partir daí a história de terror pode ter vários roteiros.

1) Eu esqueço a droga do tíquete dentro do carro. Vou ao cinema, vou às compras, faço o que tenho que fazer e então retorno para o carro e reparo que o tíquete ficou ali. Com ódio de mim, lá vou eu de novo para dentro do shopping ou do supermercado a fim de validá-lo para a saída. Perdi minutos que não tenho para desperdiçar.

2) Eu esqueço a droga do tíquete dentro do carro. Vou ao cinema, vou às compras, faço o que tenho que fazer e então retorno para o carro e NÃO reparo que o tíquete ficou ali. Ligo o carro, dirijo até a cancela e só então me dou conta de que não validei o tíquete, e já tem outro carro atrás de mim fazendo sinal de luz ou buzinando histérico. Não podendo dar ré, tenho que encontrar uma rota de fuga lateral ou então chamar alguém pra me ajudar e aí não estou mais com ódio de mim, e sim desejando a extinção da humanidade.

3) Eu não esqueço a droga do tíquete no carro. Carrego comigo. Vou ao cinema, ao teatro ou à Livraria Cultura, no Bourbon Country. Na hora de ir embora, subo pelas escadas rolantes e só quando estou lá em cima é que me dou conta de que os guichês de pagamento estão lá embaixo, escondidos num canto. O plano é fazer com que a gente circule pelos corredores do shopping e seja atraído por alguma vitrine, gastando mais do que o pretendido inicialmente. Genial. Porém, mais genial seria manter os guichês na saída, como era antigamente, a fim de facilitar a vida dos clientes.

4) Eu não esqueço a droga do tíquete no carro, eu faço o que tenho que fazer e antes de ir embora eu lembro de validar o tíquete no caixa do súper ou de pagá-lo no guichê do shopping, tudo direitinho. Então vou até o carro e, nesse curto trajeto entre a saída do estabelecimento e a entrada no veículo, o tíquete some. Desaparece. 

Não o encontro em local algum. Reviro a bolsa, a carteira, olho embaixo dos bancos, dentro do porta-luvas: o tíquete evaporou. Retorno para dentro do estabelecimento com a cabeça baixa e as palmas das mãos unidas e estendidas, podem me algemar. Em qualquer um desses roteiros, a conclusão é de que a culpa é toda minha: ainda vivo no tempo em que estacionamento era de graça.


31 de outubro de 2015 | N° 18341
PALAVRA DE MÉDICO | J.J. CAMARGO

RETAGUARDADE AFETO


Impossível consertar se as coisas começam tão mal. No máximo, um remendo precário e toca a vida adiante.

Quando lhe chamaram de Alex, esse era todo o nome que tinha. Como mais um filho indesejado, certamente não teria escolhido nascer. Não daquele jeito. Se por pressa de se verem livres do incômodo ou por rejeição, ele desembarcou sem consulta no final do quinto mês de gestação e, para não deixar dúvida do mal amado que era, foi abandonado na rua. Ter sido colocado na tampa de um contêiner de lixo foi o tênue sinal de preocupação para que fosse visto logo e, se algum anjo estivesse atento, ainda com vida.

Foi levado a um hospital público onde fez uma parada cardíaca logo na entrada. Reanimado, aquecido e alimentado, permaneceu entre a vida e a morte durante várias semanas, sobrevivendo a uma seleção natural inacreditável. Com o passar dos meses, ficou evidente que a prematuridade, o pós-parto desprotegido e as complicações infecciosas que decorreram disso tinham deixado como sequela um retardo do desenvolvimento motor e cognitivo. A busca pela mãe resultou inútil e, depois de um ano de internação, quando alcançou condições de alta hospitalar, foi levado para uma casa de passagem, onde eram encaminhadas as primeiras tentativas de adoção, antes de as crianças serem levadas para os orfanatos.

A Iolanda, empregada doméstica e mãe solteira de dois filhos pequenos, era voluntária nesta casa e, várias vezes, preparou o Alex junto a outros coleguinhas de abandono para a inspeção de casais ansiosos por escolher os seus filhos adotivos.

Tantas vezes o ritual se repetiu, e outras tantas ele foi rejeitado que, depois de alguns meses, todos tinham entendido que o Alex nunca seria selecionado, apesar da carinha sorridente e dos bracinhos sempre estendidos em direção a qualquer estranho que significasse uma remota possibilidade de um colo.

A comemoração do terceiro aniversário do Alex foi um dia inesquecivelmente triste para todos, menos para ele, que estava animadíssimo com a agitação da festa porque ignorava que, atingida esta idade sem adoção à vista, ele devia ser levado no dia seguinte para o lar dos órfãos. Os dois anos de convívio e a afeição que o grupo desenvolvera pelo Alex explicavam as lágrimas disfarçadas de emoção que rodeavam a mesa dos doces e escaparam do controle quando várias voluntárias acorreram para ajudar o sopro fraco do Alex, insuficiente para apagar as três velinhas.

Logo depois, ele começou a circular pelo salão, de colo em colo, sem saber que cada abraço era uma despedida.

E, então, ele finalmente chegou aos braços da Iolanda. Ela, a única que não derramara uma lágrima, e ele, batendo palmas sem nenhum cuidado em dissimular a predileção. Depois de uma sessão de beijos naquela bochecha que o riso desnivelava um pouco pela paralisa facial, a Iolanda solenemente anunciou: “Meninas, arrumem a sacola com as roupas do Alex, porque ele vai pra casa comigo. Ele nasceu na miséria, vai se habituar a dividir a pobreza com a gente!”.


31 de outubro de 2015 | N° 18341
ARTIGOS ZH - NEWTON LUIZ TERRA*

PORTO ALEGRE: CIDADE AMIGA DO IDOSO? 



Foi com satisfação e alguma surpresa que li, na Zero Hora de 23 de outubro, que Porto Alegre recebeu da Organização Mundial da Saúde (OMS) o título de Cidade Amiga do Idoso. Cidade amiga do idoso é aquela que adapta suas estruturas e serviços para que fiquem mais acessíveis aos idosos com diferentes necessidades e capacidades. Bem como estimula o envelhecimento ativo ao criar condições de saúde, participação e segurança com o objetivo de reforçar a qualidade de vida das pessoas à medida que envelhecem. 

Em trabalho realizado em 33 cidades de 22 países, foi solicitado a aproximadamente 1,5 mil idosos que apontassem os aspectos positivos e os obstáculos que eles encontravam nas cidades em que viviam em relação a oito quesitos (prédios públicos e espaços abertos, transporte, moradia, participação social, respeito e inclusão social, participação cívica e emprego, comunicação e informação, apoio comunitário e serviços de saúde). Os problemas, as preocupações e as sugestões que foram expressos pelos idosos foram complementados pelas informações de 750 cuidadores de idosos e/ou prestadores de serviços.

A partir dessas consultas, realizadas no mundo todo, a OMS identificou as característicaschave de uma cidade amiga do idoso e lançou, em junho de 2005, o projeto Cidade Amiga do Idoso.

Em uma cidade amiga do idoso, as políticas, os serviços e as estruturas apoiam as pessoas idosas e as ajudam a envelhecer com dignidade. Será que nossa capital efetivamente ostenta essas características?

O reconhecimento pela OMS é um fato auspicioso e deve servir como motivação para que façamos uma avaliação dos quesitos analisados e que os idosos de Porto Alegre cobrem e se envolvam como parceiros dos órgãos governamentais e participem na implementação de projetos de melhoria para a sua cidade. Então, quando alcançarmos esse objetivo e encontrarmos os idosos efetivamente participando da vida social, desfrutando as belezas de nossa cidade, teremos conquistado o melhor dos títulos. Conseguir esse resultado será motivo de nos rejubilarmos e poderemos dizer que esta façanha pode servir de modelo a toda terra.

*Diretor do Instituto de Geriatria e Gerontologia da PUCRS

RUTH DE AQUINO
30/10/2015 - 20h17 - Atualizado 30/10/2015 20h17

Arma, para que te quero?


O “Estatuto do Armamento” fere nosso futuro. Que a sociedade reaja e políticos de bem o vetem

A bancada da bala no Congresso planeja um crime monstruoso contra corações e mentes no Brasil. Ao facilitar a compra, a posse, o porte e o uso de armas de fogo em grande escala, um bando de políticos sem compromisso com a vida humana aprovou na Câmara um texto que nada tem a ver com paz, segurança ou desarme. O texto é um “Estatuto do Armamento” para tornar o Brasil um país de caubóis dispostos a matar ou morrer.

Quais são as mudanças mais clamorosas? O registro da primeira arma passa a ser gratuito e o registro da segunda arma passa a ser mais barato. Irônica promoção, num país com recordes de homicídios. Armas passam a ser vendidas para maiores de 21 anos (e não 25). A posse de armas passa a ser definitiva (revoga-se a necessidade de revalidá-la a cada três anos). O porte, que precisava ser renovado a cada três anos, passa a ser válido por dez anos. A taxa inicial de porte, que era de R$ 1.000, cai para R$ 300. E assim temos a grande liquidação – de armas e de vidas. Corram enquanto podem.

Mais mudanças? O texto aprovado pela “comissão especial” da Câmara amplia os locais permitidos de posse e uso de armas. O que se chamava de “casa” passa a ser “qualquer compartimento privado onde alguém exerce profissão ou atividade, assim compreendidos escritórios, consultórios”. Fico imaginando empresas com funcionários armados no refeitório, no banheiro, nas instalações comuns. Tudo legal. É a expressão acabada de um pesadelo, um filme de horror.

E quem pode comprar e usar armas? No Estatuto do Desarmamento atual, ninguém que tenha algum antecedente criminal ou responda a inquérito policial e a processo criminal. No texto da bancada da bala, que “flexibiliza” o Estatuto, só os já condenados por crimes dolosos são impedidos de comprar arma. O projeto libera as armas para quem estiver sob investigação ou processo criminal. Não dá!

Isso tudo soa como escárnio num país com cerca de 53 mil assassinatos por ano, 143 assassinatos por dia, seis assassinatos por hora. Em cada 100 mil habitantes, o índice no Brasil é de quase 26 assassinatos por habitante. A Organização Mundial da Saúde considera “nível de epidemia” uma taxa de mais de dez assassinatos por 100 mil habitantes. Segundo a OMS, o Brasil é o país com maior número de homicídios no mundo. O Estatuto do Desarmamento poupou milhares de vidas, segundo o Mapa da Violência de 2015, com base em dados oficiais. E tudo isso agora vai bala abaixo? Dos deputados que votaram pelas mudanças, 11 foram financiados pela indústria de armas e munições, segundo o Instituto Sou da Paz.

“É um retrocesso”, disse o secretário de Segurança do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame. “O argumento de que se deve armar a população porque a segurança não faz seu trabalho é uma desculpa míope. Já imaginou as pessoas armadas nas ruas, os parlamentares, os agentes que cuidam de crianças e jovens, os taxistas e os motoristas de caminhão? Essa energia do Congresso deveria ser canalizada para o governo federal ajudar a desarmar o bandido, e não para manter o bandido armado e armar a sociedade.”

Como o texto ainda precisa ser aprovado em plenário e no Senado para entrar em vigor, espera-se que a sociedade reaja e que políticos de bem vetem esse monstrengo.

Parece óbvio, parece fácil. Mas não é. Faz tempo que se urde essa conspiração no Congresso, alimentada pelo lobby de armamentos, para transformar o Brasil numa versão sul-americana dos Estados Unidos, onde massacres enlutam famílias e impelem o presidente Barack Obama a brigar – sem sucesso – contra a venda indiscriminada de armas.

Armas exercem fascínio sobretudo nos homens, não nas mulheres. Entendo que exímios atiradores se achem no direito de defender a si próprios e a suas famílias em sociedades violentas. Mas eles são exceção e não precisam de mudanças na lei para se armar. É um grave erro popularizar e baratear armas de fogo. É uma irresponsabilidade induzir a população a achar que armas salvam vidas e servem para legítima defesa. A realidade é oposta: a posse de uma arma aumenta o risco de um “cidadão de bem” ser morto por um profissional do crime.

É uma inversão de significados e valores, que não ajuda em nada a educação das novas gerações. Ao facilitar compra, posse, porte e uso de armas, esse arremedo de lei encoraja uma população armada e amadora a tentar fazer justiça pelas próprias mãos. Contribui para que brigas triviais de rua, no bar ou em casa acabem em morte. Aumenta o risco de acidentes trágicos domésticos ou escolares com crianças e adolescentes. Aumenta exponencialmente o risco de crimes passionais.

O “Estatuto do Armamento” ignora que a responsabilidade por manter a paz urbana deve ser delegada unicamente às forças de segurança. Exime assim em parte os governos por seus fracassos na política de segurança pública. Esse estatuto fere de morte nosso futuro. Não passará.

quarta-feira, 28 de outubro de 2015



28 de outubro de 2015 | N° 18338 
MARTHA MEDEIROS

Dentro do seu corpo

Quem é dono do que acontece dentro de você?


Sua história passa por dentro do seu corpo. Você é dono de seus arranhões e também das contusões conquistadas em subidas em árvores e quedas de escadas. Dono das cicatrizes externas e internas, dos enjoos de nervosismo diante das broncas do pai, do primeiro pedido de namoro, das provas do vestibular.

Você é dono do seu joelho, do seu cotovelo, do seu estômago, da sua hérnia, da sua pedra no rim. É sua a hepatite, é sua a corrente sanguínea, a adrenalina por ter escapado por pouco de um assalto ou de um acidente.

Você é dono da sua taquicardia na hora de uma entrevista de emprego, você responde pelos quilos a mais depois de passar o fim de semana pulando de um churrasco para uma feijoada. Seus dentes são seus. Sua língua. Seu beijo.

Dentro do seu corpo estão as lágrimas represadas por dores que você esconde embaixo da pele. Esse tumor desgraçado é seu. Essa alegria infinita é sua. Você pensa porque tem um cérebro aí dentro que não é de ninguém mais. Você resolve para onde olhar com seus olhos, o que segurar com suas mãos, com quem compartilhar seu sexo. Você pode vender seu corpo, mas nunca precisou comprá-lo, tem a posse gratuita, legítima, vitalícia e intransferível.

Intransferível.

Através do corpo, você exerce as duas coisas que movem sua vida: o querer e o não querer. Se você deseja, se você resolve, se você pretende, é com o corpo que alcançará seu destino. E você também é dono da sua paralisia, se assim preferir. Tudo o que você sente, tudo o que você é, vem aí de dentro. O que você quer expelir e o que você quer cuidar. Músculos e sentimentos na mesma caixa-forte.

Você aborta se quiser. Ou gera se quiser. O corpo é seu. O embrião é seu. A história de vida é sua.

Políticos são eleitos para garantir às pessoas (a partir do nascimento, quando se tornam seres sociais) segurança, habitação, transporte, educação, saúde e trabalho. O querer e o não querer de cada um são privados. O que cada mulher traz dentro do próprio corpo é dela, não do Estado.

Não bastasse o aborto ser proibido, agora querem transformá-lo em crime hediondo. Um político, que é um cidadão qualquer, tem o poder de decidir sobre o corpo da minha filha e o corpo da sua. Não importa a vontade delas próprias, suas questões emocionais, psicológicas, íntimas. 

Não interessa a idade que elas têm, se são religiosas ou ateias, se estão empregadas ou desempregadas, se já são mães de sete ou se jamais quiseram ser mães. Não lhes dão o direito ao medo, nenhum privilégio pela ordem de chegada, adeus ao livre-arbítrio. Engravidaram e, a partir de então, não são mais elas que escolhem.

O querer e o não querer mais pessoais do mundo, administrados por quem não tem absolutamente nada a ver com o assunto.

sábado, 24 de outubro de 2015


BOA NOITE 
A cada dia que vivo,
mais me convenço de que o desperdício
da vida está no amor que não damos,

nas forças que não usamos,

na prudência egoísta que nada arrisca
e que, esquivando-nos do sofrimento,
perdemos também a felicidade.

Carlos Drummond de Andrade

Beijo afetuoso 
em seus coraçãozinhos.



Linda Noite anjo!
Não ame tudo que é belo mas
faça belo tudo que ama.


Pois o importante não é termos
tudo que amamos, mas sim amarmos
tudo que temos.
Tenha um abençoado Final de semana
Beijos com carinho!



Meu Amado Anjo








Mergulha-te na esperança
encare a vida com fé
busque sempre a chegada
mantenha-te de pé.

Se errares o caminho
não tenhas receio em voltar
é melhor retroceder
que no lugar errado chegar.


Encontre a luz que te guia
no teu interior
e encontrarás o caminho
que te leva ao amor...





...E o amor te guiará.





Lindo final de semana pra você...



25 de outubro de 2015 | N° 18335 
CARPINEJAR

Brigando direito

Sou fã de seriados, venho assistindo três ao mesmo tempo: Elementary, Narcos e Newsroom.

Neste último, um dos personagens jornalistas diz para a sua colega de trabalho que vive se separando do namorado: “Vocês precisam aprender a brigar direito”.

É um conselho que deveria ser levado para o ouvido do noivo e da noiva ao pé do altar: aprender a brigar direito é reduzir os danos e evitar as rupturas (e desgastantes reconciliações).

Briga boa é discussão curta, sem tempo para envolver outras pessoas e com espaço reduzido para não produzir ressentimentos. É falar o que feriu, explicar o ponto de vista, ouvir o contraponto, acolher as desculpas e seguir em frente, sem o risco de retaliações e excessos. Dependendo do que aconteceu, um longo telefonema ou um chimarrão ao entardecer resolve a pendenga.

Briga boa é aquela que não sai de casa, permanece dentro do círculo do relacionamento, a portas fechadas. Não vira cobrança, sermão e dívida. Mágoa longa sempre gera fofocas e opiniões incontroláveis de terceiros.

Briga boa não deve ultrapassar 24h, pois o mal-estar faz vítimas rapidamente. Nem todos têm paciência para ruminar desentendimentos. O suspense pela paz desperta o pessimismo nas almas amorosas. É duro controlar a ansiedade. O tema só chegará ao terapeuta depois de passar pela comunidade inteira.

O ideal é ter simplicidade para falar o que incomoda, não dependendo de conversas sérias e avisos de despejo.

Saber brigar é solucionar o impasse procurando as palavras certas, respirando fundo, prevenindo-se das agressões gratuitas, cuidando para não recorrer a afastamentos. Ao banalizar o término, estará abrindo caminho para chantagens cada vez mais pesadas.

Briga boa significa preservar o seu par de algumas ofensas. Ultimatos são perigosos e costumam ser aceitos no momento de raiva. Desaconselhável desafiar a sua companhia com o fim – apressando a chance de ela fazer as malas. Afinal, na gritaria, é o orgulho que manda, jamais o amor.

Briga boa é manter o foco de tudo o que é vivido a dois, e não apenas sublimar um momento ruim. Acima de tudo, cabe a delicadeza de trazer o contexto do romance à tona, o dia anterior, a sequência da intimidade. Fica mais fácil compreender a falha diante do conjunto da obra.

Ninguém está livre do erro, do engano e da distração. Brigas são desabafos. Não distorça a sua natureza catártica para um desproporcional acerto de contas. Briga boa é, depois de reclamar, devolver a esperança com um beijo e um abraço apertado.


25 de outubro de 2015 | N° 18335 
MARTHA MEDEIROS

Você, eu e nossos amigos


Antes da era tecnológica, a gente via os amigos de vez em quando, em encontros eventuais. Agora, eles estão na palma da mão. Sabemos tudo o que eles pensam e o que fazem, as informações são atualizadas em minutos, e o resultado disso? Fé na humanidade.

Se depender de você, de mim e de nossos 3.768 amigos, ou 7.543, ou 21.544 (quantos amigos você tem?), o mundo está salvo. Porque, veja bem: somos todos bons. Somos todos justos. Somos todos inteligentes. Somos todos amorosos. Somos todos honestos. Escândalos políticos não têm nada a ver com a gente: somos todos críticos, atentos, lúcidos. E estamos todos estupefatos, lógico. Acreditávamos que a sociedade era íntegra, já que somos todos íntegros.

Todos nós amamos os animais, adotamos cachorros de rua, gatos abandonados, porquinhos-da-índia. Cuidamos deles, nos importamos com eles, temos por eles um amor que se equipara ao amor que sentimos por nossos filhos. Ah, nossos filhos. Somos todos pais espetaculares de filhos que não se drogam, não bebem, não são jovens indiferentes, não são preguiçosos, não são acomodados, não estão perdidos, não são sedentários. Foram crianças excepcionais e não poderia dar noutra coisa: hoje são adultos incríveis. É de família. Bênção do DNA.

Somos todos ecologistas, amantes da natureza, adoradores de crepúsculos, mares, florestas. Não pisamos na grama, não poluímos os rios, não jogamos bituca de cigarro no chão, somos a favor da energia eólica e solar, reverentes às flores, às montanhas, às cachoeiras, às árvores. Tudo documentado em fotos, milhares delas.

Somos a favor dos refugiados, das empregadas domésticas, dos gordos, dos gays, dos pobres, das mulheres, das crianças, dos negros, dos chineses, dos sírios, dos mendigos, dos feios, dos albinos, dos haitianos, dos anões, dos favelados, dos nudistas e demais minorias – minoria é gente à beça.

Somos todos conscientes e defendemos os direitos humanos. Somos todos bem-amados, bem-humorados, temos bom gosto. Todos nós respeitamos as regras de trânsito. E o nosso time só perdeu porque o juiz roubou.

Não temos religião, mas somos espiritualizados. Não fazemos parte de nenhuma ONG, mas vestimos a camiseta. Dirigimos carros, mas damos a maior força para as ciclovias. Não somos vaidosos, apenas usamos nossa imagem a fim de enaltecer boas ideias e intenções. Estamos a serviço de um mundo melhor. Somos todos messias. Todos gurus.

E todos nós votamos corretamente nas últimas eleições.

O inferno são os outros. Jamais você, eu e nossos amigos. Os 3.768, os 7.543, os 21.544 que estão conectados, que vivem na bolha da autorreverência e não possuem defeitos, a não ser este, que é meio suspeito: o de não ter defeito algum.


RUTH DE AQUINO
23/10/2015 - 20h32 - Atualizado 23/10/2015 20h32

Somos todas Valentina

É impressionante como, depois de tanta luta, a menina-moça-mulher ainda é intimidada

Valente Valentina, o assédio sexual e cretino a sua beleza, nas redes sociais, não pode fazer tremer suas mãos quando você criar novos pratos no MasterChef Júnior. Aos 12 anos, você, sem querer, apenas por ser linda e charmosa, despertou tarados que estão por aí, escondidos na pele de filhos, maridos e pais normais. Pedófilos e potenciais estupradores se expuseram no Twitter, protegidos ou não por apelidos. Assustaram seu pai, Alexandre. Ele estava preparado para o encantamento que você espalha, não para sujeira. “Teve gente que pediu que ela mandasse foto nua”, disse. Ele apagou tuítes ofensivos. Ele tenta proteger você, Valentina, da malícia do mundo.

Menina, uma hora você saberá que, por um tempo, uniu o gênero feminino em torno de seu nome. Valentina, você não é vítima. Não somos vítimas por ser mulheres. Você aprenderá que o feminismo ainda é necessário no século XXI. Para defender nossa autodeterminação e autoestima, nossos direitos e escolhas, numa sociedade ainda patriarcal. Não adianta omitir seu nome, nem cortar seus cabelos ou cobrir seu corpo de cima a baixo com roupas pouco atraentes. Você perceberá que a menina-moça-mulher continua a ser discriminada em vários momentos da vida e tem de reagir.

Ainda vai encarar muitas brigas, Valentina. Já devem mexer com você na rua quando sai sozinha. Na sua idade e muito depois, meus sentimentos variavam entre o medo e o desafio. Mudava de calçada quando via grupos de rapazes, para evitar o assédio, o desconforto ou a humilhação. Às vezes, xingava alto quem me dizia coisas, quem insinuava convites ou mexia no meu cabelo e pegava meu braço, para denunciá-lo, para expor meu nojo e sua doença.

É impressionante como, depois de tanta luta, desde o direito a votar, ou a usar calças compridas, ou a desamarrar o espartilho, ou a controlar a fertilidade, ou a trabalhar... é impressionante como a menina-moça-mulher ainda é intimidada ou ameaçada. Nem falo de países que obrigam meninas a casar com estranhos ou matam a chibatadas mulheres que traem. Acho incrível que os direitos femininos continuem em questão. 

Direito de ser bonita, de ser sensual, de usar saia curta, direito de ser feia, de ser velha, direito de não casar, direito de se dedicar aos filhos e à casa, direito de não ser mãe, de amamentar ou não, de insistir em parto normal ou escolher cesárea, direito de abortar, direito de transar com muitos, direito ao prazer, direito de pintar os cabelos ou deixá-los brancos, direito de ser ambiciosa ou não, direito de ganhar bem e ser promovida, direito de não ser assediada por chefes.

É muita patrulha contra as escolhas femininas. A patrulha não é só masculina. Mulheres também patrulham mulheres. Mulheres patrulham a si próprias. Uma autocrítica descabida e injusta. Filhas patrulham mães e vice-versa.

Mas, semana passada, o ataque veio de homens. Não só no Twitter. Não vou reproduzir os comentários excitados com a visão de Valentina. Por que as mulheres reagiram em massa? É só ler os depoimentos de #primeiroassedio, uma campanha criada pelo coletivo Thing Olga, e ler lembranças femininas dolorosas aos 4, 9, 13 anos, em casa e na rua. Lembranças que falam de garotos e homens, da família ou estranhos, metendo a mão, passando a mão, falando sacanagens, deflorando tudo, a inocência, o corpo, a mente. Muitos homens reagiram também nas redes sociais, xingando de “babacas” os que chamavam Valentina de “uma mulher de 12 anos”.

Não foi só esse episódio que me fez lembrar que continuo feminista. O outro ataque veio de engravatados, na Câmara. Um projeto retrógrado, elaborado pelo presidente da Casa, Eduardo Cunha, aprovado pela CCJ, Comissão de Constituição e Justiça, com apoio sobretudo da bancada evangélica. E suspeito que seja só o começo. O texto dificulta o aborto legal por estupro, ao fazer novas exigências à mulher estuprada – ela não poderá ser atendida em hospitais sem que antes faça exame de corpo de delito no IML e registre a denúncia na delegacia.

O texto proíbe “medicamentos abortivos”. Deixa assim em aberto a possível proibição, na rede pública, da pílula do dia seguinte para vítimas de estupro, caso a pílula seja considerada abortiva. Isso significa que o projeto de Cunha poderá obrigar a menina-moça-mulher violentada a engravidar, para, depois, abortar. Nada mais cruel. 

O texto ainda transforma em crime a “indução” ao aborto ou a “informação” sobre o aborto. Seja você amigo ou médico, poderá ser preso se aconselhar ou informar. Típico de sociedades obscurantistas. Em vez de evoluir, o Brasil está rasgando direitos reprodutivos da mulher conquistados no século passado. Não podemos esquecer: #somostodasvalentes.


24 de outubro de 2015 | N° 18334
PALAVRA DE MÉDICO

VAMOS DANÇAR?


NOSSO JEITO DE LIDAR COM A NOTÍCIA RUIM É COMPLETAMENTE INDIVIDUAL

O quanto é recomendável saber do que preferiríamos ignorar? Nosso jeito de lidar com notícia ruim é completamente individual. Coloque 10 pessoas numa situação de ameaça real e provavelmente terás 10 comportamentos diferentes, desesperados vários, equilibrados uns poucos, bizarros outros tantos.

A arte médica consiste em investigar com delicada sutileza o quanto, de fato, o paciente quer saber, dando-lhe o sagrado direito da negação, sem jamais fechar a porta do diálogo franco, se essa for a improvável opção.

Se os comportamentos são individuais, as abordagens devem seguir o mesmo caminho, o que significa não existir um jeito mais adequado de contar o que ninguém escolheria ouvir.

O velho professor de medicina interna tinha um câncer de mama, um tumor relativamente raro em homens e de comportamento invariavelmente mais agressivo. Precocemente, surgiram nódulos subcutâneos que se estenderam para o ombro e desceram pelo braço numa rápida disseminação da doença. Enquanto o examinava, ele comentou: “Nestes anos todos de prática médica, nunca vi ninguém, na minha idade, desenvolver tantos lipomas, em tão pouco tempo!”. 

Como a questão podia ser um teste, improvisei uma resposta ambígua: “Nesta nossa profissão, a gente não cansa de se surpreender!”. Gratidão? Tolerância? Surpresa disfarçada? Não consegui decifrar aquele sorriso enigmático. Mas, por prudência, nunca mais tocamos no assunto e, daí em diante, nos socorremos da paixão mútua que tínhamos pela biografia de Churchill para fomentar diálogos menos traumáticos.

O exercício da negação é universal, ainda que algumas civilizações tenham uma postura mais assumida e corajosa, mas aos olhos latinos, incompreensivelmente rígida. O Herbert recebeu do neurocirurgião, pouco afeito a rodeios, a informação de que seu tumor cerebral era irressecável e, questionado, disse com todas as letras que a expectativa de vida era muito curta. Quando entrei no quarto, duas horas depois, ele jogava xadrez e amiúde alertava a mulher de que era a sua vez.

Na fase da revolta diante do imponderável é comum o protesto contra a divindade de plantão, seja lá qual for a forma do Deus disponível. Lembro do Igor, um alemão de cabelo ralo e um sotaque e tanto, que ameaçava Deus com assustadoras formas de vingança, depois que lhe foi comunicado que tinha um linfoma, mesmo reiterado que era uma neoplasia com enorme potencial de cura.

Já o Alencastro, conheci com uma metástase pulmonar de um sarcoma de tíbia que impusera, três anos antes, uma amputação logo acima do joelho. Usava uma prótese de perna à qual se habituara a ponto de não se perceber pela leveza de movimentos, e pelo rápido retorno à dança, uma paixão da sua vida. Foi operado do pulmão e ficamos amigos. Sua abnegação e resiliência eram comoventes.

Quando já se supunha curado, foi surpreendido com uma recidiva do tumor no coto amputado. Fui visitá-lo em outro hospital. Estava sentado no sofá com a perna exposta e a prótese apoiada na parede, submetida à humilhação do abandono.

Com razões de sobra para um rosário de queixas, justificadas todas, ele estava pronto para recomeçar: “Veja, doutor, a sorte que tive de Deus ter-me dado uma perna tão comprida que, mesmo depois de nova amputação, ainda vou poder voltar a usar prótese. Ele deve saber que eu ainda tenho muito pra dançar!”.

J. J. Camargo é cirurgião torácico e diretor do Centro de Transplantes da Santa Casa de Porto Alegre jjcamargo.vida@gmail.com


24 de outubro de 2015 | N° 18334 
NILSON SOUZA

IMPEACHMENT DE PADRINHO

Nunca tive medo de mau tempo, literalmente falando. Quando criança, enquanto minha mãe tapava os espelhos e acendia palhas bentas pela casa, eu gostava de ficar na janela observando os relâmpagos – talvez com o pensamento ingênuo de que a vidraça me protegia. Isso que naquela época remota os adultos costumavam assustar as crianças com a história de um tal de corisco, faísca elétrica emitida pelas nuvens que podia entrar por qualquer fresta da casa e causar estragos impensáveis.

Jamais pensei – como os gauleses da aldeia de Asterix – que o céu pudesse cair sobre as nossas cabeças. Mas já estou revendo esta posição, principalmente depois que nuvens negras carregadas de água, barras de gelo e raios resolveram estacionar sobre o Rio Grande. Não passa semana sem que várias cidades gaúchas sejam bombardeadas por saraivadas de granizo. Isso que o nosso padroeiro é São Pedro, aquele que ganhou as chaves do céu para ligar e desligar o que bem entendesse.

Por Tutatis, São Pedro, fecha essa torneira!

Mesmo com esse padrinho influente, dia desses acho que estivemos bem próximos do fim do mundo. Foi naquela quarta-feira em que uma tempestade desabou sobre a Capital, com o estrondo de mil canhões. Assim que o barulho começou, fui para a área da minha casa filmar os relâmpagos. Mas aquilo não terminava nunca e foi se aproximando de forma cada vez mais ameaçadora. Quando caíram as primeiras pedras de granizo, corri para dentro. Mas o que mais me assustou nem foi a chuva sólida ou a ventania: foi o ruído dos trovões – insistente, continuado, crescente. Dava a impressão de que alguma coisa terrível estava chegando, e não chegava nunca. Ô, agonia!

O mundo não terminou naquela noite, mas a tempestade derrubou árvores, destelhou casas, inundou cidades e deixou milhares de desabrigados. Depois dela, outras chuvas já despencaram sobre nossas cabeças, fizeram rios transbordar, destruíram lavouras e causaram mais sofrimento, especialmente às populações carentes.

E São Pedro, nada.

Já ando pensando se não seria o caso de ameaçá-lo com um pedido de impeachment.

24 de outubro de 2015 | N° 18334
DAVID COIMBRA

Um homem amado


Conheci cachorros chamados Nero. Cachorros antigos. Todos já falecidos, suponho. As pessoas botavam o nome de Nero nos cachorros como espécie de desagravo aos cristãos supliciados por ele. Nero tinha péssima fama entre os cristãos. Tem ainda. Porque os culpou pelo incêndio de Roma e porque, durante seu reinado, foram executados Pedro e Paulo.

Pedro, você sabe, foi a pedra sobre a qual Jesus construiu sua igreja, e Paulo foi arquiteto, engenheiro e decorador da obra. Pedro morreu crucificado de cabeça para baixo, numa cruz em forma de xis. Paulo, decapitado.

Todos os apóstolos, com exceção de João, tiveram fim violento. Uns foram apedrejados, outros acabaram chicoteados, crucificados, apunhalados... Foi por isso que, em certa passagem do Novo Testamento, Jesus disse que não vinha trazer a paz, mas a espada. Ele se referia, exatamente, aos apóstolos. Era para eles que falava, prevendo os sacrifícios que os discípulos passariam por pregar em seu nome. Já li cada interpretação torta acerca desse episódio...

De qualquer maneira, o que dizia é que Nero goza de péssima imagem devido à sua implicância com os cristãos e porque três historiadores se empenharam em difamá-lo: Suetônio, Cássio Dio e Tácito. Muito do que sabemos sobre Nero se deve a eles, só que nem tudo que sabemos é verdade.

Por exemplo: é certo que Nero mandou matar a própria mãe, a pérfida Agripina, mas também é certo que ele NÃO estava tocando cítara no telhado do seu palácio enquanto Roma ardia em chamas.

Nero foi vítima da mídia burguesa. A elite branca não gostava dele. Os pobres, sim. Porque Nero seguia alegremente a política que Juvenal denominou de “panem et circenses”, pão e circo. Quando ele morreu, tornou-se o que o rei dom Sebastião foi para os portugueses. Os romanos suspiravam esperando pelo seu retorno nos braços do povo. 

Corria uma lenda de que ele continuava vivo, e vários Neros se apresentaram como se fossem o imperador. A crença na volta de Nero vicejou pelo menos depois de 20 anos de sua morte. Um dos impostores, um homem chamado Terêncio Máximo, era parecidíssimo com ele. Andava igual, falava igual e até cantava igual, tocando harpa e tudo mais. Terêncio teve a ousadia de reivindicar a coroa, então usada por Tito, chegou a firmar um pacto com os partas, tradicionais inimigos dos romanos, mas foi descoberto e executado.

Veja que estou falando de Nero, uma espécie de Hitler da antiguidade, tão infame que seu nome era posto nos cães como vingança por suas maldades. Nero foi amado, quem diria? E o foi porque dava ao povo o que o povo queria, quer e para sempre quererá. O povo está pouco se importando para governos austeros, para responsabilidade fiscal ou para quem administra pensando no futuro.

Liberdade? É um luxo.

Igualdade? Não precisa tanto.

Precisa é ter comida na mesa, um lugar onde morar e uma cervejinha para beber com os amigos no sábado. A popularidade do governo anda baixa? Basta aquecer a economia. Ninguém tem de ser bom presidente, se tiver um bom ministro da Fazenda.



24 de outubro de 2015 | N° 18334 
CLÁUDIA LAITANO

Saudades do Brasil


A canção que fazia sucesso no rádio e na TV colocou no meio da sala da família brasileira os mortos da ditadura militar: “Choram Marias e Clarices no solo do Brasil”. Era o final dos anos 70, e alguém tratou de me explicar quem eram Clarice Herzog e Maria Aparecida Fiel Pivotto e por que elas choravam – e até hoje associo o fim da minha infância a esse Big Bang histórico e poético provocado por O Bêbado e a Equilibrista.



Além de ensinar história recente para crianças e comover adultos que sonhavam com a volta do irmão do Henfil, a canção de Aldir Blanc e João Bosco era um hino – e, como todos os hinos, tornava sua causa simbolicamente mais forte. Um hino, aliás, que só foi possível porque circunstâncias artísticas e mercadológicas da época permitiam que houvesse público vasto e diverso para letras e harmonias sofisticadas – e o tipo de canção que jamais sairia da fábrica de hits padronizados que abastece boa parte do mercado musical nos dias de hoje.



Neste domingo, completam-se 40 anos da morte de Vladimir Herzog, o jornalista que se tornou símbolo do momento em que o demasiado tornou-se excessivo, e a sociedade civil brasileira decidiu reagir – OAB, líderes da oposição, líderes religiosos, artistas, estudantes. Entre outras coisas, essa mobilização prova que, mesmo no Brasil, é possível a união de adversários em torno de um objetivo comum. As diferenças, inevitáveis, poderiam ser debatidas mais adiante, quando o mínimo de respeito às instituições fosse restaurado. É impossível comparar o Brasil da ditadura com o Brasil da democracia, por mais imperfeita que ela seja, mas se o passado nos ensina alguma lição é a de que mesmo ali, onde não havia liberdade e todas as associações eram suspeitas, foi possível reagir e superar rivalidades.



Quem era criança naquela época, ou nem sequer tinha nascido, não pode esquecer que tem uma dívida histórica com a geração que restaurou a democracia – por mais que discordemos das escolhas que alguns tenham feito depois. Uma dívida de ação e mobilização. Sonho com o dia em que a sociedade brasileira sinta-se tão ultrajada com a violência da polícia, que cerre fileiras contra ela. Sonho com uma grande mobilização nacional contra leis desumanas e atrasadas como o projeto aprovado na Câmara nesta semana que penaliza ainda mais as vítimas de estupro. 



Sonho que Vladimir Herzog e todos os que lutaram pela redemocratização e por um Congresso livre não sejam desonrados com a vitória da razão cínica na política. Sonho que as igrejas que abrigam políticos corruptos escolham honrar os líderes religiosos que ficaram ao lado da Justiça e da lei no passado repudiando a teocracia mercenária e retrógrada instalada em seu nome no Congresso.



Talvez nos falte o hino, talvez nos faltem os líderes, mas definitivamente não nos faltam as causas – e não pode nos faltar o ânimo. A esperança é a equilibrista.


quarta-feira, 21 de outubro de 2015



21 de outubro de 2015 | N° 18331 
MARTHA MEDEIROS

News

Alain de Botton aterrissa nas livrarias com mais uma obra dedicada à filosofia do cotidiano, desta vez abordando um tema que interessa aos jornalistas em particular e a todos em geral. Notícias – Manual do Usuário nos estimula a pensar mais profundamente sobre nossa relação com a imprensa.

Precisamos saber de tudo o que está sendo noticiado? Esse “tudo” é suficiente ou é excessivo? Qual o critério para decidir que um fato merece ser noticiado e outro não?

Há um jargão clássico do jornalismo que diz que notícia não é quando um cachorro morde um homem, e sim quando um homem morde um cachorro. O incomum pauta os veículos de comunicação. Porém, comum e incomum têm se confundido. Assassinatos, estupros, desastres: não estaria na hora de essas desgraças recorrentes dividirem a atenção com as banalidades que ficam de fora das manchetes?

Por vezes, Alain de Botton soa idealista e até um pouco ingênuo, mas é um homem que traz questionamentos relevantes. Diz ele que o noticiário não transcreve a realidade, ele molda a realidade conforme as histórias que publica. Para cada pedófilo, há milhares de pessoas que respeitam as crianças. Para cada agressor de mulheres, há milhares de homens que não reagem com violência. 

Sem dúvida que é importante revelar os podres da sociedade, mas não se deve esquecer que as notícias que chegam sobre a nação não são a nação, e sim uma parte dela. Imprensa responsável é aquela que também abre espaço para notícias que possibilitem a criação de uma imagem de comunidade que nos pareça boa e sadia, a fim de fazer com que tenhamos vontade de contribuir para que ela se desenvolva.

A questão dos refugiados é um bom exemplo: todos se sensibilizam com sua situação, mas por quantos minutos? Três, quatro? Enquanto durar a matéria na tevê? Não sabemos como é a vida corriqueira de quem vive em países com uma cultura tão diversa. O que comem no café da manhã, como namoram, o que fazem no fim de semana, como criam os filhos, que músicas escutam. Não há o olhar microscópico sobre seu universo, são apenas estranhos com o qual não nos identificamos, e essa falta de empatia mantém seu drama longe das nossas preocupações imediatas.

Amanhã, haverá novas más notícias nos jornais. Elas fazem parte do cotidiano, mas não contam a história toda. Por isso, para rebater o desânimo e contrabalançar, não custa dar uma espiada em alguns sites com conteúdo integralmente positivo que andam pipocando por aí. E nunca deixar de assistir a documentários, ler livros, ver filmes, aprofundar-se. Quanto mais abrangente nossa visão das coisas, menos desumano nos parecerá este mundo.

sábado, 17 de outubro de 2015



18 de outubro de 2015 | N° 18328 
MARTHA MEDEIROS

Eu não sou assim


Quando você estiver discutindo com o amor da sua vida, adotando um tom alto demais porque precisa que ele entenda o tamanho do desespero que está sentindo, quando você, aos gritos, começar a trazer à tona coisas que ele fez muito tempo atrás a fim de incluí-las na sua argumentação, quando só lhe restarem palavrões na boca, quando você sentir que está perdendo a razão e também a compostura, acalme-se e diga para si mesmo: Eu não sou assim.

Se você não é barraqueira e nunca foi deselegante, contenha-se. É triste ter que se afastar tanto de si mesmo a fim de manter alguém próximo. Deixe-o ir, então. Ele partirá de qualquer jeito. Fique em você mesma.

Quando você estiver dizendo coisas que não tem vontade de dizer, quando sentir que está assumindo um personagem apenas porque é isso que a sua plateia está exigindo, quando você não reconhecer a autenticidade da própria voz, cale-se e pense: “Eu não sou assim”. Certamente a pessoa que está com você não deseja você, apenas alguém que você é capaz de interpretar. Deixe-a partir, se ela não se satisfaz com sua naturalidade, e simplesmente mantenha-se em si.

Quando você for impelida a trair porque não está mais vivendo a vida que sonhou, quando for induzida a mentir para que a casa não caia, quando sentir-se obrigada a arranjar desculpas para disfarçar o próprio desejo, pergunte-se: sou assim? Ardilosa, falsa, camuflada? Se você não é assim, se nunca foi assim, melhor enfrentar a verdade, como fazem os corajosos.

Quando você estiver num local que não lhe agrada, conversando com pessoas que não admira, rindo forçadamente de piadas que lhe soam grosseiras, quando estiver prometendo visitas que sabe que não fará, submetendo-se a situações bizarras ou vexatórias, escute o que seu desconforto está alertando: “Eu não sou assim”. Muitas vezes, especialmente no início da idade adulta, temos que nos adequar a certas contingências sociais se delas depende nossa sobrevivência, mas se você já percorreu um bom caminho, construiu uma vida digna e conhece a si mesma melhor do que ninguém, não precisa se moldar a mais nada, conquistou o direito de ser integralmente quem é.

Quando você estiver sendo condescendente sem receber em troca o carinho que merece, quando você perceber-se desacomodada no que deveria ser aconchegante, quando sentir que está se adaptando com dificuldade ao que não lhe convém, tente perceber se está sendo educada ou se está sendo submissa – não são sinônimos. Educação é básico, mas não exige docilidade fingida nem servilismo humilhante. Pegue sua bolsa e tome o rumo de casa sempre que estiver escutando de si mesma: “Eu não sou assim”.

A não ser que você seja. Se você já percorreu um bom caminho, construiu uma vida digna e conhece a si mesma melhor do que ninguém, não precisa se moldar a mais nada



18 de outubro de 2015 | N° 18328 
CARPINEJAR

Liberdade é poder brigar


Se a minha mulher fizesse tudo o que eu quero, eu seria livre, mas ela não. Se eu fizesse tudo o que a minha mulher quer, ela seria livre, mas eu não. Como ambos não realizam o que o outro sempre deseja, vivemos brigando. Ou discutimos por ciúme. Ou por algum descaso. Ou para manter a vontade de cada um.

E não brigamos por qualquer coisa, isso é neurose, porém brigamos para manter pontos fundamentais das nossas personalidades. Quem enxerga de fora não alcança o motivo de nossa união, já que parecemos divergentes, explosivos, passionais. Dá a entender que somos infelizes e gostamos de nos maltratar, mas é um grande equívoco.

Nunca renunciei a minha liberdade. Ela nunca renunciou a sua liberdade. Brigar é a prova de que somos livres dentro do casamento. Nenhum dos dois sacrificou a sua independência para agradar o outro. Nenhum dos dois é submisso. Nenhum dos dois abdicou de suas convicções. Nenhum dos dois se sujeitou a uma placidez consensual.

Estamos convivendo, cedendo o possível e nos entendendo devagar, como deve ser qualquer democracia amorosa, a partir de exaustivas conversas e tentativas.

O respeito vem das brigas superadas, a maturidade vem com o tempo, méritos e medalhas de uma longa depuração das dissidências. Casal que não se desentende não é mais casal, e sim uma dupla: um grande e um pequeno, um gato e um rato, um dominador e um submisso, um tirano e um explorado.

Significa que um dos dois se apagou completamente e diz amém para toda reivindicação que surge. As rusgas, os atritos e as confusões familiares, desde que episódicas, são absolutamente naturais para quem ama. Não é nenhum vexame ou mico. Não é uma exceção. Não é um dia ruim.

Dependem de terapia de casal aqueles que se calam para não ter trabalho, não os briguentos, não os ruidosos, não os exagerados, que encontram um jeito de imprimir o seu posicionamento. Liberdade não é concordância, liberdade é ter a chance sempre de discordar, de escolher, de se opor, mesmo que seja errado ou inadequado.

Quando vejo um par que se expressa, que se pronuncia com firmeza, que troca farpas, acentuados de algazarra, saio de perto, e não por vergonha, é que não me preocupo, sei que estão bem e juntos, sei que estão protagonizando mais um capítulo de aguda sinceridade.

Já quando reparo em um par obediente, calado, já pressinto que me aproximei de um cativeiro em vez de um lar. Alguém fez um refém e não pediu resgate, alguém explora a bondade alheia e escraviza.

Liberdade numa união é poder defender a própria liberdade. Já prisão é não oferecer resistência, é desistir de falar, é não comentar nada para não desapontar, é não explicar seus pensamentos contrários.

Idealizamos o casamento como se fôssemos solteiros, e não convivendo com uma pessoa absolutamente diferente, com uma vocação diferente, com um sonho diferente. Igualar-se mata a relação. O que salva o amor é jamais suprimir a identidade em nome do mais forte.

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