sábado, 5 de janeiro de 2019



05 DE JANEIRO DE 2019
CARPINEJAR

Não há milagre nas férias

Você confia que nas férias fará tudo o que não conseguiu ser ao longo do ano. Cumprirá finalmente o check-list de seus votos em uma tacada. Não sobrará nada pendente em 2019. Nada ficará para trás.

Na mala, coloca uma série de sutiãs esportivos e shorts para malhar, sendo que não compareceu à musculação nem um mês, apesar de pagar a inscrição antecipadamente na academia por um semestre.

Mas acredita que achará folga para correr na praia e desfrutará da aparelhagem do hotel antes do café da manhã, antes das 7h, horário em que jamais acordou na vida para se exercitar. Pretende aproveitar as chances e ser diferente. Mudará os hábitos num estalar dos dedos. Acredita mesmo que as férias são o buraco negro da existência onde os desejos retardatários se concretizam.

E também coloca roupa de festa na bagagem, aquele vestido vermelho de cauda, poderoso e pesado, para escandalizar. Além de providenciar um espaço ao salto e todos os seus acessórios.

Nunca pôde desfilá-lo, e custou uma fortuna. Haverá uma inacreditável recepção de gala e praticará o seu inglês ginasial com uma legião de turistas. Acredita que chegou a hora, porque são férias, a estrela cadente das férias cortará o seu céu.

E separa pares de sapatos, monta looks diferentes para 10 dias, acondiciona chapéus, embala a coleção de echarpes. Fantasia uma por uma das suas postagens no Instagram.

Imagina que terá um momento de frio e também se previne e reserva um par de botas e casacos de lã. E sonha com luau, lareira, piscina com borda infinita, mesa de sinuca, massagem, caipirinha, trilhas, windsurf, todas as estações, esquizofrenicamente, em uma semana e pouco. E põe o quimono que nunca estreou, o roupão que nunca testou, a minissaia de couro para balada que nunca contou com coragem para sair. Em caso de aguaceiro, levará a capa amarela de Cantando na Chuva.

Não esquecerá coisa alguma, situação nenhuma. Sua bagagem é praticamente o lado inteiro do armário que não usa. Mas agora vai acontecer. Idealizou tanto o descanso para pôr em prática o que nunca deu certo.

Reserva uma pequena biblioteca para o almejado descanso, com seis títulos, do suspense à comédia romântica, para se esbaldar culturalmente na espreguiçadeira, na rede, na cadeira de praia. Tudo bem que apenas conseguiu ler três livros em 12 meses. Sem o estresse do trabalho, dobrará a média, recuperará o tempo perdido.

Afinal, as férias servem para contrariar as expectativas. Só que não. Não existe milagre em tão breve período. Repetirá apenas o que sempre foi, o que costuma ser.

CARPINEJAR

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