sábado, 3 de novembro de 2018



03 DE NOVEMBRO DE 2018
CARPINEJAR

Tempo de cachorro e de gato

O meu amigo Sílvio, de Curitiba, está namorando. Perguntei há quanto tempo. Ele me respondeu, envergonhado:

- Só seis meses! Não achei uma ninharia, como pensaria nos anos 1990. Antes, eu realmente diria que muita água passaria por debaixo da ponte, que ainda estavam apaixonados, que era cedo para tomar uma conclusão.

Perante a minha experiência atual, vejo que tudo mudou. Seis meses juntos são uma odisseia, uma monumental empreitada. Não é fácil seguir um relacionamento com a inédita superexposição das redes sociais, com a enlouquecida pressão por sucesso profissional, com a interação indiscreta de todos os amigos e parentes. Não mais amamos sozinhos, numa bolha. Casamos também com a sociedade a partir de postagens e posts.

É necessário encarar as fofocas, os medos e os desejos de frente, enfrentar cantadas e assédios, não ceder à liberdade sexual, não mentir por nada desse mundo, não ter o que esconder, ser carinhoso e dedicado em tempo integral, apesar das múltiplas obrigações. É tanta gente se metendo no destino do par que não há como sair ileso.

A separação tem como ser pedida a qualquer hora, por qualquer motivo. Desligar-se de alguém é um ato absolutamente trivial. Não há mais dotes, imposições, arranjos: a união parte unicamente da escolha e da felicidade.

Manter um namoro requer o dobro de trabalho e de obstinação em relação ao comportamento passado.

A contagem do amor é diferente da cronologia humana. Está mais próxima do tempo de vida dos gatos e dos cachorros, onde o primeiro ano equivale a 14 anos de uma pessoa.

Um ano de romance são bodas de cristal. Esqueça a hierarquia dos elementos dos aniversários do casório. O coração envelhece mais rápido do que o corpo.

A quantidade de experiências que pode ser vivida precocemente a dois cria uma avalanche de emoções como se conhecêssemos o outro há décadas. Antes da lua de mel, você já fez a lua de mel. Antes do altar, já palmilhou o mapa das famílias junto, já esgotou restaurantes e bares prediletos, já brigou escandalosamente, já decorou as manias e os defeitos de sua companhia, já se entrosou na cama, já se cansou no sofá, já tem um repertório de fotos e lembranças capaz de encher um museu.

Um dia de namoro é uma semana, uma semana é um mês e não existe mais como mensurar pela duração o que foi de verdade ou de mentira. A intensidade é quem manda no fim das contas.

CARPINEJAR

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