sábado, 7 de dezembro de 2019



07 DE DEZEMBRO DE 2019
FLÁVIO TAVARES

O TITANIC AFUNDOU

O mistério do naufrágio do Titanic me seduz desde a infância. Só agora, enfim, sabemos quem afundou o maior, mais luxuoso e invulnerável navio do mundo, aquele que "nem Deus poderia afundar", como se dizia.

Foi Leonardo DiCaprio com o filme de anos atrás, premiado com todos os Oscars disponíveis em Hollywood, e tão realista que fez 1912 reaparecer como hoje. Com água jorrando na tela, saímos do cinema com a sensação de molhados em busca de toalha para nos secar.

Devemos o descobrimento às pistas que Jair Bolsonaro deve ter encontrado agora, após acusar DiCaprio de incendiar a Amazônia. Sim, pois quem - lá de longe - "dá dinheiro para queimar a floresta" só pode ter tido a ideia de culpar um iceberg por arrombar o casco de aço do navio.

Quando disparate e fantasia se fundem e incham, o tumor arrebenta e o absurdo se veste de "verdade", rápido para que ninguém veja que está nu. A invencionice ridícula tem mais poder do que a mentira dita com seriedade, pois faz rir e nos alegra por instantes. Só segundos depois, o absurdo surge.

Assim, vimos o presidente dizer que DiCaprio doou US$ 500 mil para que brigadistas de uma ONG de preservação do meio ambiente incendiassem a floresta para voltar a receber doações e, de novo, incendiar. Somar cobiça e sanha lembra um diabo vestido de anjo que nos leve ao inferno dizendo ser o paraíso.

No início, todos riram. Todo absurdo tem certa graça. Logo, porém, só fica o absurdo, que leva a pensar que - se Bolsonaro for adiante - vai concluir que DiCaprio financiou os incêndios e, antes, afundou o Titanic. Para o filme, especializou-se em navios e no Mar do Norte melhor do que a floresta que "fez incendiar" agora.

Esqueceu-se DiCaprio, porém, de guardar no bolso água, que entrou no Titanic, e, com ela, apagar o incêndio...

Quem já não cometeu alguma vez algum disparate na vida? O equívoco também é parte da humana sabedoria e, às vezes, atua como contrapeso nos sabichões que dizem conhecer tudo.

Um presidente da República nem seus ministros e serviçais diretos, porém, têm salvo-conduto para acumular disparates. Já basta o que tivemos antes! Lula repetia o óbvio com pompa, Dilma não completava as frases ou ideias, Temer rebuscava tolos lugares-comuns.

Bolsonaro hoje já não fala com ódio. Agora, faz rir em vez de transmitir confiança. Alguns ministros são mais realistas que o rei, o superam até. O novo chefe da Fundação Palmares (que promove a cultura afro-brasileira) diz que "no Brasil, a escravidão foi benéfica para os negros", mesmo ele próprio sendo negro e neto de escravos.

O ministro da Educação coleciona sandices, como o anterior. Neste ritmo, vemos que DiCaprio incendiou a Amazônia e, antes, afundou o Titanic, no mar que nos inunda.

FLÁVIO TAVARES

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