sábado, 5 de setembro de 2020



05 DE SETEMBRO DE 2020
FABRO STEIBEL

Os aviões podem encolher

A crise não tem precedentes. O mercado de aviação no Brasil é hoje 15% do que era ano passado, e as empresas estão fazendo malabarismo para não quebrarem. Como toda crise gera oportunidades, esse baque possibilitou a Embraer crescer. E entender isso fala muito sobre o papel do governo em organizar dados para superarmos os tempos de crise.

Para entender a oportunidade da Embraer, precisamos entender dois fatores: o papel do ticket médio para aviação e a dependência de dados para gerar isso. O ticket médio refere-se à média do preço pago por pessoa para voar. São vendidas milhares de passagens por minuto, e, se alguns pagam pechinchas, outros pagam microfortunas. A margem de lucro da aviação vem de assegurar o maior valor médio pago por todos, transportando o maior número de pessoas.

A magia do preço das passagens depende de dados, muitos dados. Há os que se compram no mercado, como os de clima e economia, mas os dados bons vêm da própria empresa e de seu histórico de vendas. O molho secreto é gerado pela análise ágil de séries históricas acumuladas por anos a fio, sem interrupção, segundo a segundo.

Eis que a covid-19 nos ensina uma coisa: enfrentamos, no momento, um apagão de dados. Se o mercado encolheu, as informações para calcular mercados futuros diminuíram mais ainda. Pior: nada indica que os dados antigos serão assertivos, pois mudanças de comportamento, como o home office, o medo de multidões ou o turismo de carro geram padrões de dados que ainda não produzimos.

Lembre agora de que a margem de lucro na aviação é baixa. O mercado é grande, mas há fortes competidores, e a flutuação do preço em dólar ou do combustível coloca muita pressão para empresas encontrarem um ticket médio que seja alto e que seja pago pelo maior número de pessoas. Se os riscos de cálculo são grandes, qual uma saída possível? Diminuir o tamanho das aeronaves.

A Embraer fabrica hoje excelentes aviões que são menores do que a média do mercado. Quem adotar aeronaves menores tem menos assentos para vender e, com isso, menos chance de errar, o que gera crescimento potencial do ticket médio. Há riscos nessa operação? Sim. Mas some isso ao aumento da aviação regional nos Estados Unidos e na Europa e eis que a crise gera uma oportunidade que pode - inclusive - ser sustentável. Da mesma forma que as low cost mudaram o mercado, vai que ele muda novamente?

Aprendemos nesse cenário que, com o apagão de dados, cadeias de negócio inteiras vão se reorganizar. Há certezas? Não, pelo contrário. E onde precisamos do governo nesse momento? Ajudando a sociedade a encontrar dados baratos, bem organizados e responsáveis. É nisso que ministérios, agências reguladoras e agências de fomento (e, também, a Autoridade Nacional de Dados Pessoais, recém criada, mas ainda na gaveta) devem focar. Governos são centrais em nos ajudar a explorar - com responsabilidade - essa energia em potencial. Dito isso, apertem os cintos, os dados sumiram.

FABRO STEIBEL


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