sábado, 1 de maio de 2021


01 DE MAIO DE 2021
MARTHA MEDEIROS

Os sonhadores

O que você está fazendo da sua vida? Entre respostas diversas, posso intuir alguns "não sei". Gostaríamos de ter tido 100% de clareza na hora de escolher nossa trajetória, mas tantas coisas nos desviaram: a pressão dos pais, a pressão da sociedade, nossa própria pressão para seguir um caminho convencional que garantisse segurança, mas quem garante alguma coisa? E se você estivesse certo aos 20 anos, quando tinha sonhos delirantes e fantasias incomuns que faziam gargalhar os mais velhos? Quem vai lhe devolver o tempo perdido?

Sem fazer drama a respeito, mas tocando com sensibilidade no assunto, estreou dias atrás o documentário Mr. Dreamer (no Now, direção de Flavia Moraes e roteiro de Marcelo Ferla) que conta uma história verídica: nos anos 1970, um garoto de 20 anos realiza seu sonho de ter um programa de tevê, onde lança e comenta videoclipes inéditos (antes da MTV), mas interrompe tudo ao ser convocado para assumir um cargo de executivo na empresa da família. Nenhum sacrifício, ele terá uma vida bem confortável pela frente, mas o que acontece quando esse cara chega aos 60 anos? "Envelhecer é algo que não passava pela minha cabeça."

A frase de Pedro Sirotsky, o Mr. Dreamer, me perturbou. Envelhecer também não passava pela minha. Passa pela cabeça de algum adolescente? A ilusão da imortalidade é uma cachaça, faz a gente se desvirtuar por caminhos que não são os nossos, crentes de que o tempo é infinito e que podemos desperdiçá-lo. Até que um belo dia nos olhamos no espelho e a realidade nos prega um susto: "Oi, velho. E aí?"

Pedro é este cara que, depois dos 60, resgatou sua essência e que agora roda o mundo alertando a rapaziada que, como ele, é amante da música: não desistam de seus sonhos. A escolha de Dublin como cenário é coerente, além de charmosa, mas sua peregrinação pode acontecer em qualquer lugar onde esbarre com os jovens de hoje, que estão menos reféns das convenções, propensos a dispensar símbolos de status, a viver um cotidiano mais sustentável e a não negligenciar suas ilusões em prol de um projeto de segurança familiar.

Ainda assim, é raro fazer exatamente o que se quer antes dos 40. Leva-se uma vida até entender que nossas paixões são soberanas e que ninguém deve nos desviar do nosso destino, nem mesmo com o nosso consentimento. Você também cedeu ao comodismo, aos desejos alheios? Normal. Mas há o tempo para ser bom-moço e o tempo para ser quem se é. Resgatar antigos projetos não é fácil, não é simples, e para a maioria é utópico, mas aceitar uma provocação filosófica a respeito, se não nos põe em ação, ao menos ajuda a aliviar a alma: sempre é bonito reencontrar-se com a inocência que um dia tivemos.

MARTHA MEDEIROS

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