sábado, 5 de junho de 2021


05 DE JUNHO DE 2021
RECH

País de incoerências

Quanto maior o sucesso das manifestações de rua convocadas pela esquerda, mais pessoas se aglomerarão e mais se esvaziarão as críticas às concentrações promovidas por Jair Bolsonaro. A esquerda pode exibir os pretextos mais justos para reunir milhares de pessoas em pleno avanço da terceira onda da covid, mas a direita também acha que seus motivos são plenamente justificados. No fim, nenhum dos extremos tem razão - o vírus não quer saber de ideologia ou explicações.

O argumento de que, nas concentrações de esquerda, a maioria usa máscaras é de uma candura tocante. Fosse assim, não haveria necessidade de distanciamento social, vacinas e muito menos lockdowns. Bastaria obrigar o uso de máscaras e o mundo teria ficado livre da covid, inclusive para voltar a encher estádios, retomar o ensino na plenitude e lotar templos e casas noturnas. Lula, que para bobo não serve, flagrou a incoerência e ficou quieto antes, durante e depois das aglomerações.

Durante seu longo depoimento à CPI da Covid, o general Eduardo Pazuello recorreu inúmeras vezes ao cacoete de começar suas respostas com a expressão "é muito simples". Pois, parafraseando o militar, é muito simples por que ele não foi punido por descumprir o Regulamento Disciplinar do Exército (RDE). O responsável máximo pela quebra da disciplina é o próprio comandante em chefe das Forças Armadas, o presidente da República, que chamou Pazuello para seu palanque no Rio. O general poderia ter apresentado uma desculpa e se esquivado do comício, mas parece picado pela mosca azul e a perspectiva de concorrer ao governo do Amazonas ou ao Senado com apoio presidencial.

A incoerência só não é maior porque Bolsonaro construiu sua carreira política a partir de transgressões militares e afrontas ao RDE. O "mau militar", na expressão do prussiano ex-presidente Geisel, tenta fazer da misturança partidária com Forças Armadas a sua versão verde-amarela do chavismo, que destroçou a hierarquia, a disciplina e a imagem dos militares venezuelanos.

Aos trancos e barrancos, contra negacionistas e fanáticos, o Ministério da Saúde se esforça para recuperar o tempo perdido nas vacinas e, assim, salvar vidas e religar a economia. Uma das principais armas do governo federal é a excelência da Fiocruz, que já produziu 50 milhões de doses contra a covid mas que até hoje não mereceu uma visita do presidente da República. O presidente, porém, tem agenda para inaugurar ponte de madeira nos confins da Amazônia. Questão de prioridade e, neste caso, de coerência com seu pensamento sobre as vacinas.

MARCELO RECH

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