domingo, 5 de setembro de 2021


04 DE SETEMBRO DE 2021~
FLÁVIO TAVARES

PINTANDO O 7

Neste 2021, se depender da vontade e da ação do presidente da República, a data da Independência será, literalmente, um dia de pintar o sete. A velha expressão "pintando o sete", significando criar confusão e alvoroço (ou "aprontar" na gíria atual), se materializa agora na concentração que Jair Bolsonaro comandará em São Paulo, dia 7, não muito distante do Riacho Ipiranga.

Ali, às margens do arroio, ouviu-se o grito que passou à História como "Independência ou Morte", mas que deve ter sido "Independência ou Sorte". Sim, pois só com sorte sobrevivemos ao desmando e reboliço dos governantes.

O presidente sairá de Brasília para comandar na Pauliceia uma concentração popular no estilo daquelas que a Alemanha nazista alardeava nos anos 1930-40 ou que o ditador da Coreia do Norte exibe no século 21. O único fim é a propaganda, o "culto à personalidade" do rei absolutista com poder total e único. Dias atrás, Porto Alegre assistiu à exibição de força em que o presidente puxou milhares de motociclistas pela zona sul, como se o estrondo dos motores substituísse as inexistentes ações concretas de governo.

Por isto, nada tendo a festejar neste 7 de Setembro, prefiro esquecer o dia Da Independência e recordar uma data alheia - o início do ano novo na tradição judaica.

No Rosh Hashaná ("Dia do Julgamento" em hebraico) termina o ano de 5781 e começa 5782. É o início de um período de meditação de 10 dias sobre a doçura do viver, simbolizado no rito de alimentar-se com mel.

Há muito o Brasil se arrasta sem doçura, substituindo o debate pelo preconceito e fantasiando violência como "salvação". O que dizer quando o presidente proclama ser mais importante "comprar um fuzil do que feijão" ou quando insiste em que "a guerra leva à paz", como frisou na homenagem aos atletas militares na Olimpíada?

Não falo sequer do "gabinete do ódio" instalado no próprio Palácio do Planalto em Brasília. Nenhum apelo à violência soluciona problemas nem faz chover para aumentar as represas das hidrelétricas e evitar futuros apagões.

Tampouco impede o avanço do fantasma da inflação, que gateia como criança nas compras do dia a dia.

A responsabilidade de governar obriga (mais do que tudo) a ações concretas na crise climática, obra humana que ameaça a vida no planeta. Seguimos inertes, porém, desafiando o futuro ao incentivar a exploração de carvão mineral e petróleo.

Hoje, pintar o sete é colorir o futuro, jamais lambuzar-se de óleo ou carvão.

FLÁVIO TAVARES

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