sábado, 1 de julho de 2023


01 DE JULHO DE 2023
OPINIÃO DA RBS

ACERTO DE CONTAS

Como militar, deputado federal ou presidente da República, Jair Messias Bolsonaro sempre confiou em uma espécie de inimputabilidade, mesmo afrontando leis e regras de conduta das funções que exerceu. Foi bem-sucedido até sexta-feira, quando foi considerado inelegível por cinco votos a dois pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Bolsonaro não poderá participar de nenhum pleito por oito anos após ser condenado por abuso do poder político e uso indevido dos meios de comunicação, irregularidades cometidas na infame reunião de 18 de julho do ano passado, quando convocou embaixadores estrangeiros para despejar afirmações falsas sobre o sistema eleitoral do país e sobre ministros do TSE e do Supremo Tribunal Federal (STF).

Não foram propriamente as leviandades proferidas no vexatório evento que condenaram Bolsonaro, mas o uso considerado ilegal pela Corte das dependências do Palácio da Alvorada e de servidores públicos para objetivos relacionados à eleição que se aproximava. O ato destinado a desacreditar a Justiça Eleitoral foi ainda veiculado ao vivo pela TV Brasil, rede pública custeada pelos impostos pagos por todos os brasileiros e que por essa razão não deveria ser utilizada para fins politiqueiros.

A legislação não deixa dúvida ao considerar irregular, e sujeito a punição, o uso de bens públicos e meios de comunicação oficiais em proveito de intenções relativas a eleições, com propósitos que nada têm a ver com o interesse público ou institucional. Foi um flagrante desvio de função. O evento foi ainda transmitido ao vivo pelas redes sociais do presidente, em uma intenção clara de levar seus seguidores a acreditarem que Bolsonaro estaria revelando a representantes estrangeiros um suposto complô para prejudicá-lo no pleito de outubro. Há óbvia lógica na conclusão de que se tratava de parte de uma estratégia para, no futuro, tentar justificar perante o mundo uma contestação do resultado eleitoral.

Além dos fatos do dia 18 de julho, é impossível esquecer que há um contexto. A tal reunião com os embaixadores não foi uma situação isolada e desconexa de acontecimentos pretéritos e posteriores. No caso, uma campanha incansável para difamar o sistema eleitoral do país, internacionalmente reconhecido como eficiente e transparente, com uma saraivada de declarações fraudulentas e várias vezes didaticamente desmentidas. A série de desconfianças infundadas semeadas e incitações, como se temia, teve um desfecho trágico: a depredação e a invasão violenta dos prédios dos três poderes, no dia 8 de janeiro, uma grave tentativa de se chegar à ruptura institucional. Roteiros e minutas encontrados no celular do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro e na residência do seu ex-ministro da Justiça, com os passos para um golpe e uma busca por dar verniz legal à derrubada do Estado democrático de direito, são novas peças que se encaixaram para explicar toda a turbulência atravessada pelo país nos últimos anos.

Jair Bolsonaro é alvo de uma profusão de processos. Apenas na Justiça Eleitoral, são mais 15. Como qualquer cidadão, o ex-presidente tem direito a uma análise justa de seus casos, observando-se apenas o que dizem as leis e a Constituição, com amplo direito de defesa. O ex-presidente ainda pretende recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) da condenação do TSE. São poucas as chances de um recurso prosperar, mas é sua prerrogativa e deve ser respeitada. Parece, no entanto, que chegou a hora de começar acertar as contas com a Justiça por seus atos.

O pensamento político de direita tem a aderência de significativa parcela da população, adepta do desenvolvimento pelo empreendedorismo, o livre mercado e outras ideias que, ao longo dos séculos, alavancaram o progresso científico e econômico da humanidade. É parte legítima da vida democrática nacional e da saudável disputa de propostas de nação - que, ao fim, se dá nas urnas. Mas seja qual for o espectro ideológico, há um problema quando a figura a pretensamente personificar um projeto age como se estivesse acima da lei e das instituições. Lideranças se renovam e, agora, há a oportunidade de partidos e correntes de viés conservador se reorganizarem em busca de nomes verdadeiramente compromissados com as linhas da Constituição e capazes de representá-los nas próximas eleições.

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