
Analista político e autor do livro "O Pior Emprego do Mundo", no qual disseca as vicissitudes enfrentadas por 14 ex-ministros da Fazenda. "Lula tem problema de popularidade e reage atacando"
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva vive o período mais delicado de seu 3o governo. Para o analista político Thomas Traumann, que foi ministro-chefe da Comunicação Social no governo Dilma Rousseff, isso ocorre por erros de gestão e falta de articulação política. Veja a entrevista.
Fábio Schaffner - Lula conseguirá reconstruir sua base no Congresso?
Esquece. Acabou. O presidente da Câmara, Hugo Motta, é hoje o líder da oposição. A origem disso foi a decisão, única e pessoal do presidente Lula, de antecipar o período eleitoral quando ele anunciou a reforma da renda junto com o ajuste de gastos. A partir dali, ele deixou claro que 2025 não existia, já era 2026. Todo mundo passou a olhar o que o outro estava fazendo em função da eleição. Perdeu-se o terceiro ano de governo.
O quanto o decreto do IOF agravou a crise?
A questão do IOF começa ruim da forma como a Fazenda fez, sem discutir com os outros ministérios e com o Congresso. Nem o Banco Central sabia. Depois, o Congresso dá sinais de que vai ter espaço de negociação mas, surpreendentemente, sem avisar o governo nem tentar alternativa, decide derrubar o decreto. Os dois lados estão muito radicalizados.
Que peso tem nessa crise a ausência de Lula na articulação política?
A primeira responsabilidade do presidente foi antecipar o processo eleitoral. A segunda foi não fazer uma reforma ministerial. A derrota que a esquerda teve na eleição municipal indicava a necessidade de composição. Ele só fez mudanças no PT, não fez na base. Tem uma questão de postura também.
O Congresso aprendeu com a eleição municipal que emendas elegem prefeito. Se elegem prefeito, elegem deputado. Então, não dá para imaginar que vai dar certo chegar até junho com R$ 200 milhões em emendas liberadas quando, no mesmo período do ano passado, já tinham soltado R$ 6,5 bilhões. Em uma semana agora liberaram R$ 4 bilhões. Ou seja, dava para ter feito mais. Então, há um problema de gestão também.
É possível reverter esse empoderamento do Congresso?
Só se isso for um tema do próximo presidente. Se na campanha ele disser: "Se for eleito, vou mudar isso". Assim se ganha legitimidade da urna. Voluntariamente, o Congresso não vai devolver esse poder.
O PT divulgou um vídeo em que diz defender os pobres enquanto o Congresso defende os ricos. Isso não acirra ainda mais os ânimos?
É natural. O governo está acuado, tem minoria no Congresso e nenhum relacionamento com a elite financeira e econômica do país. Nenhum empresário conversa com Lula. Ele tem problema de popularidade e reage atacando. Tem que engajar sua torcida, né? Como os discursos do Bolsonaro para o cercadinho. Nós contra eles. Deu certo em 2006, logo depois do mensalão, deu certo em 2010 e deu certo em 2014, quando Dilma se reelegeu numa crise de popularidade enorme. É aquela tática de colocar três centroavantes e jogar a bola na área. É bonito? Não. Mas, às vezes, dá certo.
Mas, em 2015, Dilma praticamente não governou e teve o impeachment em 2016. Isso não pode se repetir?
É um grande risco, porque o risco fiscal para 2027 é muito maior. Em 2015, o Brasil era um país rico comparado com hoje. Não lembro aqui, mas a relação dívida x PIB em 2015 era em torno de 60%, hoje tá indo quase a 80%. Quem quer que seja o presidente em 2027 terá de fazer um forte ajuste.
Como serão os 18 meses que restam para o governo?
Nada vai ser feito. Daqui até lá é só tiro, porrada e bomba. Alguma ou outra pauta vai ser resolvida, mas será exceção.
A queda na aprovação do governo e na popularidade de Lula é por falhas na comunicação ou por erros de gestão?
Pode-se melhorar a comunicação, mas o governo não entendeu que não foi Lula que venceu a eleição, Bolsonaro que perdeu. Ao não entender, Lula montou um governo cuja base era repetir os melhores momentos do governo Lula 1. Não se podia ter ideias novas, projeto novo. É um governo que começou desatualizado, com agenda que não excitava mais ninguém. Programas como Minha Casa, Minha Vida, Farmácia Popular, Mais Médicos, que tiveram enorme impacto quando lançados originalmente, agora não surtem tanto efeito.
Por quê?
As necessidades são diferentes hoje. O mercado de trabalho é digital. O rapper Mano Brown falou um negócio ao entrevistar o Lula semanas atrás que devia estar escrito no Palácio do Planalto: "Antes a luta era contra a fome. Agora é pelo iPhone". Se o governo não entender essa frase, não consegue entender o que está acontecendo. Porque a luta pelo iPhone significa que o sujeito se comunica, vende, compra, ganha o seu dinheiro, tudo no celular. Vive no celular. E o celular não pode ser roubado. É um modo de vida. Faltou ao governo entender isso. Não basta colocar mais propaganda. O governo é lento, a gestão é mais fechada.
? Isso explica porque esse motim é liderado por aliados e não pela oposição?
Exatamente. Porque eles se sentiram alijados do poder. É surpreendente que um governo com a caneta na mão não vai conseguir colocar um partido a mais na sua aliança para a reeleição do que tinha em 2022.
Por que há essa discrepância entre os números da economia, que não são tão ruins, com a percepção da sociedade sobre o cenário econômico?
O governo não notou o que estava acontecendo com o governo Joe Biden nos EUA. Biden conseguiu sair da pandemia de forma brilhante. O desemprego caiu para nível baixíssimo, começou a baixar a inflação, mas a sensação de insatisfação continuou e foi o que o derrotou. Lula não conseguiu ver que aquilo podia se repetir no Brasil. Se você pegar o último ano do governo Bolsonaro, os dois primeiros anos do Lula e este ano agora, o Brasil é um dos países que mais cresceu no mundo. Temos um dos mais baixos índices de desemprego da história e a massa salarial cresceu.
E por que há insatisfação?
Porque as pessoas não comem PIB. O PIB cresceu, mas como isso chega nas pessoas? Alguns grupos ganharam muito, algumas regiões ganharam mais que outras. Mas como o governo mostrou que ele estava do lado das pessoas? Como ajudou quem estava abrindo um negócio, como influenciou na segurança pública? Como o governo fez coisas de verdade? Faltou gestão.
Bolsonaro não vai apoiar o governador de SP, Tarcísio de Freitas?
Os sinais que a família Bolsonaro dá é que eles não confiam em outra pessoa que não seja na família Bolsonaro. Só teremos essa decisão no final do ano, depois da condenação e antes do cumprimento da pena.
O senhor enxerga Bolsonaro preso até o final do ano?
Ele provavelmente vai ser condenado e vai para prisão domiciliar. A decisão do Supremo em relação ao ex-presidente Collor é um indicativo, acho que se repetirá com Bolsonaro.
? Há espaço para uma terceira via, como sonha Eduardo Leite?
Zero, zero, zero. Nenhum. Em 2026, zero.
? E até quando vai essa polarização no país?
Enquanto tiver Lula e Bolsonaro. Pode ser que dê uma esfriada em 2030. _
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