sábado, 5 de julho de 2025


Casamento entre CLT e PJ

Foi-se o tempo em que os pais tinham emprego fixo e saíam de férias nos meses certos - no recesso escolar, seja no verão ou no inverno.

O dilema era contar com condições de viajar. Mas não havia dúvida de que existiria um período definitivo para descansar. Não se disputava folga com colegas, nem se negociavam acordos profissionais. O recesso beneficiava a todos.

Hoje, o cenário mudou: é comum um casal ser formado por CLT e PJ. Um com carteira assinada. O outro, pessoa jurídica. É assim no meu casamento.

Beatriz é advogada de banco. Precisa planejar seus 30 dias corridos de férias com antecedência. Já eu sou por minha conta e juízo. Não desfruto de férias, décimo terceiro, rescisão. Meu vínculo é pela minha empresa. Se eu adoecer, não há sentido em apresentar atestado. Vou entregá-lo para mim?

Minha esposa tem emprego. Eu tenho trabalho. São dimensões distintas na organização do calendário.

Tornei-me um workaholic sem escolha. Relaxo em semanas entre palestras, de modo repentino, ou aproveito algum pedaço de janeiro, algum naco de julho. Por sua vez, ela é condicionada por lei a usar o descanso antes que vença.

Não dá para fazer tudo junto. Senão, vamos enlouquecer em crises de ciúme e inveja. Remakes de lua de mel são inviáveis. Eu a deixo ir. E mais do que isso: incentivo. Saber que ela está feliz me traz alívio para me concentrar nas tarefas.

Que viaje com suas amizades e com sua família. Que viva dias leves enquanto eu sigo focado na lida. Ofereço apoio. Porque ela merece - trabalha tanto quanto eu. E porque prender a parceira não é justo - é avareza emocional.

Já não é mais possível uniformizar horários, ritmos e necessidades. Um acorda cedo, o outro vira a madrugada. Um tem fim de semana, o outro, plantão. O casamento é obrigado a se reinventar com as agendas desencontradas.

É perder o lazer para não pôr a perder os sonhos. É confiar nos projetos compartilhados, mesmo diante das situações adversas. Acredite no amor mais do que nas circunstâncias. A verdadeira afeição não compete por descanso. Você torce pela pessoa, ainda que esteja sobrecarregado.

É ajeitar dentro de si aquele desconforto contraditório: por que ela está na praia e eu preso numa planilha? É não se enganar pelas aparências. É relevar as restrições de cada um. É sentir o orgulho silencioso de manter a casa funcionando enquanto o par viaja. Realizar o invisível com alegria. Demonstrar a elegância do discernimento.

Pois a retaguarda também é cuidado. Não se deve sucumbir ao mito da simetria e da dependência. Nas diferenças, perdura a reciprocidade de intenções. Que minha esposa descanse sem carregar culpa na bagagem.

Tem gente que viaja e manda lembrança. Tem gente que fica, e é lembrança, e é saudade.

Que aceitemos o novo mundo do trabalho. É um privilégio vadiar a dois, mas é um dever permitir que quem amamos usufrua de seus direitos. CLT e PJ: os opostos se atraem - e se respeitam. 

CARPINEJAR

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