quarta-feira, 2 de dezembro de 2015



02 de dezembro de 2015 | N° 18373 
MARTHA MEDEIROS

HAPPY WOODY


Meu ídolo fez 80 anos ontem. Admiro muita gente, mas Woody Allen tem quase um altar aqui em casa. Quase, pois não sou dada a santificações. O máximo de tietagem a que me permito é ter na parede da minha biblioteca uma tela com seu rosto pintado por Moisés Betim.

Sinto-me representada por esse nova-iorquino que vem sustentando o rótulo de neurótico, mas que a mim transmite uma sanidade diabólica. De seus primeiros filmes pra cá, minha admiração só aumenta. Se no início me fascinavam os seus questionamentos pessimistas e seus pontos de vista sombrios sobre a existência (porém sempre elegantes), hoje me delicio ao vê-lo convencido de que não existe resposta para nada, então que se dane, vamos nos divertir.

Já disse em outra ocasião, mas repito: a meu ver, Woody Allen, com a passagem do tempo, trocou o “não existe cura”, queixa comum dos desiludidos, pelo “não existe doença”, dando alta a si mesmo.

Tentei escolher uma frase sua para homenageá-lo, e a primeira que me ocorreu foi: “Eu gostaria de fazer um grande filme, desde que não atrapalhe minha reserva para o jantar”, que é autoexplicativa. Quem troca prazer por ambição só pode ser inimigo de si mesmo.

Mas aplaudo Woody Allen por muito mais. Por ele reconhecer que todos nós possuímos uma solidão fundamental. Por saudar qualquer experiência, seja um acerto ou um erro, desde que conduza ao autoconhecimento e a uma boa piada. Pela noção de que a vida é absurda e cruel, mas tem partes boas. Por sua simpatia pelos esquisitos. 

Pela aceitação de que cada um busca a felicidade onde quer que ela esteja, e ela nunca está no mesmo lugar onde está a dos outros. Por nos fazer lembrar que, mais cedo ou mais tarde, é preciso abandonar nossos desgostos. Por entender que sucessos e fracassos são acidentes (por isso não devemos sobrevalorizar elogios e críticas), o que conta é o percurso percorrido até a realização. Por demonstrar que tudo é relativo e nada é mais patético do que buscar a glória.

E que a morte, essa megera, no final das contas tem uma utilidade: ela nos dá o único sentido da vida, que é usufruí-la antes que apaguem a luz.

Quisera eu ser neurótica tendo essa cabeça tão boa. Parabéns, mestre.

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