sábado, 5 de dezembro de 2015



05 de dezembro de 2015 | N° 18376 
CLÁUDIA LAITANO

Bilionários


Tio Patinhas doando quase todo o seu tesouro para melhorar a vida da patuleia de Patópolis. Um reino encantado muito distante distribuindo a fortuna do príncipe herdeiro entre os plebeus para melhorar o abastecimento de água das aldeias vizinhas. Rei Lear anunciando às suas três filhas que, em vez de dividir suas propriedades em três partes, iria constituir uma fundação para gerir os tesouros da família e promover a diminuição da miséria no reino.

Até pouco tempo atrás, esse enredo não colava nem em contos de fadas, mas os bilionários do século 21, ou pelo menos uma parte deles, podem estar transformando a fantasia em realidade. Na última semana, dois deles anunciaram doações substantivas para a filantropia. O empresário Elie Horn, 71, principal sócio da Cyrela, uma das maiores construtoras do país, vai doar mais da metade de sua fortuna de US$ 2,2 bilhões. 

Inspirado pela fé e pelo exemplo de Bill Gates, 60, e Warren Buffet, 85, Horn pretende investir em projetos de “educação moral”, convencido de que muitas das mudanças de que o Brasil precisa passam pelo desenvolvimento da ética e da capacidade de pensar além dos próprios interesses. “Atualmente, 60% do povo americano faz algum tipo de caridade. É um número colossal. No Brasil, há poucos ‘porcentos’, mas isso é uma questão de tempo e evolução”, acredita o empresário.

Se Bill Gates, fundador da Microsoft, tornou-se o mais importante garoto-propaganda da filantropia ao promover o movimento The Giving Pledge – compromisso assinado por alguns dos homens mais ricos do planeta e suas famílias para destinar parte de suas fortunas para ações de impacto global – Mark Zuckerberg, 31, fundador do Facebook, mostrou esta semana como deve ser o modelo de engajamento dos jovens bilionários produzidos por Silicon Valley. Zuckerberg usou o nascimento da primeira filha como pretexto para anunciar que ele e a mulher pretendem investir 99% de suas ações no Facebook (algo em torno de US$ 45 bilhões) em uma companhia encarregada de gerar caixa para “aumentar o potencial humano e promover a igualdade das crianças”. A Chan Zuckerberg Initiative vai financiar ONGs, fazer investimentos privados e participar de debates sobre políticas públicas. Os lucros vindos de investimentos feitos em companhias do casal serão reinvestidos no fundo.

Os ricos estão ficando mais bonzinhos? Pouco provável. A distribuição de generosidade e ganância dentro da espécie parece ser a mesma desde sempre. O que tem aumentado nos últimos anos é a consciência de que é impossível desfrutar de um bom Bordeaux (ou seja lá o que os bilionários bebem quando estão de folga...) em um iate ancorado no Mar Mediterrâneo enquanto o resto do planeta se consome em guerras, miséria, fanatismo e emissões de gás carbônico. Estamos todos no mesmo bote de borracha castigado por uma tempestade perfeita de crises globais que, de um jeito ou de outro, impactam a vida de ricos e pobres.

Enquanto Marte não for uma opção, preocupar-se com o mundo em que os filhos vão viver talvez seja mais importante (e chique) do que fazê-los nadar em uma piscina de moedinhas de ouro. Doar não é apenas mais bonito: é muito mais inteligente.

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