sábado, 5 de dezembro de 2015



05 de dezembro de 2015 | N° 18376 
NÍLSON SOUZA

MEMÓRIA VIRTUAL

Funes, marcante personagem do argentino Jorge Luis Borges, dizia que dormir é distrair-se do mundo. Ele tinha memória fabulosa e percepção sem igual. Lembrava os mínimos detalhes de coisas e fatos que havia visto muitos anos antes, sem esquecer o dia, a hora, os minutos e o formato das nuvens naquele momento. Funes, o memorioso, viveu e morreu bem antes da Era Digital.

Hoje também precisaria de Ritalina para se concentrar.

Depois que inventaram essa telinha brilhante que nos encanta e hipnotiza, todos passamos a sofrer de déficit de atenção. Estamos sempre online e off realidade. Passamos a viver no mundo virtual, que antigamente se chamava mundo-da-lua. Acompanhamos tudo e retemos muito pouco, até mesmo porque basta guglear para recuperar.

Não estou inventando nada. Muita gente acha que a internet opera como os dementadores de Harry Potter, que sugam a felicidade de bruxos e trouxas. A rede coloca maravilhas ao alcance dos nossos dedos, mas absorve os nossos sentidos. Tem um livro muito interessante de um americano sobre esse assunto: A Geração Superficial – O que a Internet Está Fazendo com os Nossos Cérebros. Ele não renega a informática, até reconhece os avanços que os computadores trouxeram para a humanidade. Mas defende a tese perturbadora de que estamos deixando de exercitar nossa memória.

Nicholas Carr, esse é o nome do homem, lembra que era um leitor voraz. Até que descobriu o computador. Fascinado, tornou-se um especialista em novas tecnologias de comunicação. Mas percebeu que não conseguia mais se concentrar para ler um livro. Depois de uma ou duas páginas, começava a divagar, pensar em outra coisa e precisava de muito esforço intelectual para voltar à leitura. Acabou fugindo para as montanhas, onde, sem telefone móvel nem sinal de internet, escreveu o tal livro.

Ainda me esforço para ler livros. Mas confesso que só consigo me concentrar totalmente na madrugada, quanto todos os aparelhos da casa e do bolso estão desligados. Adio o sono o quanto posso.

Funes tinha razão na sua época. Agora, ninguém mais precisa dormir para distrair-se do mundo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Postagem em destaque

14 de Setembro de 2024 MARTHA Mar e sombra Entre tantos títulos, cito dois: o magnífico Misericórdia, da portuguesa Lídia Jorge, e Nós, da b...

Postagens mais visitadas