sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016


05 de fevereiro de 2016 | N° 18436 
MARCOS PIANGERS

A Ala dos Otários


Sei que corro o risco de virar o Pedro de Lara da crônica regional, o ranzinza que acha tudo uma porcaria, mas quero deixar claro que minhas lembranças do Carnaval no Rio de Janeiro são muito agradáveis, com exceção do famoso desfile das escolas de samba na Sapucaí, do qual participei e até fui campeão.

Acreditem se quiserem.

Foi no ano de 2012, fizemos um contato com algum fornecedor de fantasias da Unidos da Tijuca e pagamos absurdos R$ 700 por duas fantasias de uma ala que, descobri no momento do desfile, era composta apenas por turistas e poderia ser chamada de Ala dos Otários. Penso que, no foro íntimo, a comunidade da Tijuca se refira assim ao nosso grupo. Ou Ala dos Alemão, que é como os cariocas chamam turistas babacas. E era exatamente o que éramos.

Um desfile no Rio de Janeiro funciona assim: você tem que chegar quatro horas antes e ficar esperando na concentração. Ali, o Carnaval é coisa séria. Um coordenador gritava: “Não pode sair da fila! Não pode parar de sambar! Tem que saber cantar a letra do samba! Todo mundo alinhado!”.

A Ala dos Otários tinha ensaiado bem a letra, éramos ruins mesmo na questão de ritmo. Ninguém sabia sambar. Todo mundo dava um jeito de sair da fila, fosse para tirar uma selfie, “junta mais que não tá aparecendo, falta eu, falta eu”, fosse pra fazer xixi.

Mais ou menos às 2h da manhã a escola começa a entrar na avenida com fogos de artifício. Depois de quatro horas de espera, aquilo dá uma emoção e uma ansiedade. Quando finalmente você pisa na avenida, o coordenador da ala está gritando “Em fila, porra! Cantando, caralho! Todo mundo sambando!”. E a gente cantava e tentava sambar, de uma forma meio assustada, todos os turistas com um sorriso tenso e os dedinhos pro alto.

A essa hora da madrugada, as pessoas já parecem cansadas na arquibancada. Da pista não se consegue ver os camarotes das cervejarias. A estrutura do sambódromo é precária, a Globo deve usar photoshop. “Onde estão as câmeras da Globo? Quero aparecer! Minha mãe quer me ver na TV!”. Não dá pra ver as câmeras da Globo. Elas estão em algum lugar bem longe, enchendo as imagens de efeitos especiais, mostrando uma festa bonita que quem está lá não consegue ver. E, definitivamente, não estão mostrando a Ala dos Otários. Tenho certeza de que o diretor de imagens está gritando “Não filma a Ala dos Otários! Filma a mulata! Não filma a Ala dos Otários!”.

Cinco minutos depois de entrar na avenida, somos empurrados pra fora da avenida, nosso coordenador gritando: “Saída pelo portão! Saída pelo portão!”. E ao sair pelo portão estamos fora da Sapucaí, no meio de uma rua escura, no meio de uma favela do Rio de Janeiro, todos vestidos como padres de 1580. São cerca de 25 franciscanos no meio de uma comunidade carioca, tentando achar um táxi pra casa. Dois desses religiosos quase saíram no braço na disputa por um táxi.

Por milagre, chegamos em casa seguros. Na Quarta-Feira de Cinzas, a TV anunciou: nossa escola campeã. No sábado, a Ala dos Otários sairia novamente na Sapucaí.

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