sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016


05 de fevereiro de 2016 | N° 18436 
MOISÉS MENDES

Extraviados


Sabe-se agora que há muito tempo os argentinos esquecem parentes na volta da praia. A maioria não vira notícia porque não há interferência da Polícia Rodoviária. Argentinos são esquecidos no Brasil desde o tempo em que um peso valia um dólar, há 20 anos.

Só em Canasvieiras os esquecidos somam mais de 6 mil. São esquecidos em postos, lojas, banheiros, nas tendas da Estrada do Mar. Na Tenda do Pelé, já esqueceram 126 argentinos. Todos os esquecidos são adultos.

Alguns decidem cantar tango em boates de beira de estrada e são esquecidos pelos parceiros. Os esquecidos se aquerenciam e passam a cantar sertanejo universitário. Há, sim, argentinos que viraram hippies, o que é um fenômeno, porque na época dos hippies não havia argentino hippie.

Metade dos argentinos de Londres foi esquecida pelos parentes. No Vaticano, o Papa deu emprego a 23 conterrâneos esquecidos enquanto olhavam para o teto da Capela Sistina.

Um grupo de argentinos esquecidos no Brasil criou uma agência de busca de esquecidos. A agência se chama Búsqueda Descaminados.

O perdido, ou descaminado, é localizado e uma equipe da agência vai buscá-lo num Renault preto. Em muitos casos, na viagem que leva o perdido para a Argentina, o carro para num posto, alguém desce e é esquecido – não necessariamente o que havia sido localizado pela agência.

Pessoas da própria agência são esquecidas ao longo da BR-290. Há argentinos que já foram esquecidos, retornam à Argentina, voltam um dia ao Brasil e são esquecidos de novo. Passam a ser chamados de redescaminados, ou reesquecidos.

Argentinos se extraviam porque não atendem o celular. O pai dirige o carro, e mãe e filhos jogam no celular ou postam comentários e fotos. A filha esquecida não consegue contato, porque também ela só sabe jogar no celular. Não usam o celular para se comunicar entre eles, nem o WhatsApp.

Tanto que um carro só retorna ao posto onde o esquecido ficou porque é parado pela Polícia Federal quilômetros adiante. Não há um caso em que alguém tenha atendido o celular.

Sabe-se de um pai que esqueceu toda a família num posto de Rosário e, quando foi atacado pela polícia, no Passo dos Maleva, em Alegrete, tinha um labrador sentado no banco do carona. Como o homem estava com fones de ouvido, os policiais tentaram conversar com o labrador.

Quando o homem reencontrou a família no posto, deu na TV que o governo modernizante de Mauricio Macri havia aumentado a luz em 500%. Todos decidiram ficar e pedir asilo em Rosário como esquecidos.

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