sábado, 6 de março de 2021


06 DE MARÇO DE 2021
BRUNA LOMBARDI

SORORIDADE

Uma amiga querida me ligou de repente numa manhã e disse: "Perdi tudo o que eu tinha. Minha casa inteira queimou e tudo, absolutamente tudo, virou cinzas".

Eu vinha acompanhando apreensiva daqui de São Paulo os grandes incêndios na Califórnia que avançavam com ventos e clima seco e tinham chegado em Malibu, onde ela morava.

Durante o verão, o deserto californiano costuma pegar fogo, e não chove nunca, por isso existe um forte esquema para proteger os residentes e suas casas. Quando a área corre risco, todos os moradores precisam sair de emergência e vão ter um tempo limitado para pegar tudo o que querem salvar.

Com ela, foi no meio da noite. Veio o aviso e ela, sozinha, correndo, pegou as duas filhas, os cachorros e o gato, documentos, computador, celular e mais algumas coisas que na pressão pareceram essenciais e enfiou tudo no carro.

E nessa madrugada caótica, entre chamas e forte fumaça no caminho, entre bombeiros, polícia e moradores atônitos, ela atravessou o fogo dirigindo. Dirigiu durante horas entre o terrível calor das labaredas e a fumaça que mal a fazia enxergar a estrada. E não teve tempo de pensar no medo.

Minha amiga é uma heroína no meio de tantas heroínas anônimas, que realizam grandes feitos que passam despercebidos.

Quantas mulheres no mundo enfrentam as piores adversidades e criam seus filhos sozinhas na maior dificuldade? Não são notícia: não haveria espaço suficiente em todos os jornais do planeta para falar delas.

Viemos todas de uma linhagem de mulheres guerreiras, batalhadoras. Descendemos todas nós de grandes tribos, temos lendas e histórias na nossa ancestralidade dessas mulheres fortes e vencedoras, desde o começo dos tempos. Mas esse poder foi roubado gradativamente, e em seu lugar, instaurados o medo e a submissão.

Portanto, toda conquista de uma mulher é sempre uma reconquista. Ela volta a ocupar o lugar que sempre foi seu. A coisa mais importante e corajosa que uma mulher pode fazer é ser ela mesma. A melhor coisa que uma mulher pode conquistar é a própria liberdade.

A verdadeira beleza começa quando nos conhecemos e aprendemos a ser nós mesmas. Esse é o real poder, aquele que sentimos quando somos livres.

Percorremos um longo caminho para chegar a nós mesmas. Algumas de nós correram, outras vieram devagar e nada disso importa. Cada uma tem seu tempo.

E precisamos nos unir. A competição que nos instigam a ter é apenas uma forma efetiva de nos dividir, porque mulheres unidas são imbatíveis. A vida não é fácil, mas nós também não somos.

Quem pensa que nos derruba na verdade espalha nossas sementes. Quem pensa que nos quebra não sabe o mosaico maravilhoso que fazemos com os nossos cacos.

A gente aprende a compreender a importância das nossas vozes cada vez que nos manifestamos. E sempre que tentam nos silenciar, voltamos num forte e sonoro coro que transforma as circunstâncias.

Basta ver quantas conquistas e quantos movimentos, que pareciam impossíveis, as mulheres unidas fizeram acontecer. Sister, onde quer que você esteja, estamos juntas e solidárias na nossa irmandade.

BRUNA LOMBARDI

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Postagem em destaque

14 de Setembro de 2024 MARTHA Mar e sombra Entre tantos títulos, cito dois: o magnífico Misericórdia, da portuguesa Lídia Jorge, e Nós, da b...

Postagens mais visitadas