sábado, 4 de março de 2023


04 DE MARÇO DE 2023
FLÁVIO TAVARES

NOVA ESCRAVIDÃO

A escravidão a que eram submetidos os 207 safristas baianos na região vinícola gaúcha é repugnante em si e só por isso já merece repúdio. O mais grave, terrível e absurdo, porém, é a série de crimes paralelos cometidos nesse novo escravismo.

Dá a impressão, até, de que tudo o que seja pernicioso e desumano se reuniu para escravizar esses trabalhadores que vinham de longe, a milhares de quilômetros, em busca do pão do dia a dia e, aqui, encontraram o inferno sob os parreirais. O mais repulsivo em si, porém, foi a suspeita da aparente participação de soldados e suboficiais da Brigada Militar na tortura a quem se queixasse das condições.

Até choques elétricos teriam sido aplicados, o que seria um ultraje à tradição da própria corporação. A simples queixa era punida com a brutalidade do choque elétrico. A suspeita é de que policiais teriam torturado fardados "em nome da lei", com o que surge uma indagação: que tipo de instrução é oferecida aos soldados? Mais ainda: em algum momento, os comandos da corporação se preocuparam em saber os resultados dessa instrução?

As instituições do Estado existem para reprimir o crime, jamais para ampliar ou estimular o delito.

Além disso, desponta outro crime, o das tais "empresas terceirizadas", que (como a Fênix que contratou os safristas) já haviam sido punidas com um termo de "ajustamento de conduta", mas que mudaram a denominação para seguir explorando os trabalhadores.

Nessa soma de absurdos, surge uma pergunta: as três vinícolas (Aurora, Salton e Garibaldi) se interessaram em saber detalhes da empresa ou de como viviam os safristas dedicados ao delicado trabalho de coleta das uvas, sem o qual nenhum vinho se faz?

Até a repercussão do que ocorreu engendrou absurdos. Em Caxias do Sul, um vereador tachou os safristas baianos de preguiçosos, interessados só em praia de mar e tocar tambor. Foi excluído do partido Patriotas por isso e se expôs a um pedido de cassação de mandato.

Dias atrás, completaram-se cem anos da morte de Ruy Barbosa, cuja pregação está presente até hoje.

Quatro vezes candidato a presidente da República, as derrotas marcaram sua "campanha civilista", que ainda hoje nos faz repudiar a militarização do sistema republicano.

Jornalista e escritor - FLÁVIO TAVARES

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