sábado, 7 de outubro de 2023


07 DE OUTUBRO DE 2023
J.J. CAMARGO

A INTENÇÃO SUICIDA: UM ALERTA

Um interessante - e preocupante - simpósio sobre suicídio foi realizado recentemente na Academia Nacional de Medicina, coordenado pelo Prof. Antônio Egídio Nardi, uma autoridade no assunto.

O suicídio continua sendo uma das principais causas de morte em todo o mundo, de acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). Todos os anos, mais pessoas morrem por suicídio do que por doenças como HIV, malária ou câncer de mama - ou guerras e homicídios. A propósito, em guerras como a do Iraque, mais soldados americanos morreram por suicídio do que em campo de batalha. Na última década, mais de 700 mil pessoas morreram por suicídio todos os anos, o que levou a OMS a produzir novas orientações para ajudar os países na prevenção dessa tragédia.

Assombra o crescimento de cerca de 200% em 10 anos da taxa de suicídio entre crianças de 10 a 15 anos. Entre os jovens de 15 a 29 anos, o suicídio foi a quarta causa de morte, depois de acidentes no trânsito e violência interpessoal.

Grandes tragédias, como a da covid-19, aumentam a incidência de suicídio pelo somatório de fatores assumidamente de risco, como perda de emprego, estresse financeiro e isolamento social. O confinamento, por ser estimulante da depressão certamente funciona como um gatilho para muitas dessas mortes intencionais.

As artes em geral, e especialmente a literatura e o cinema, têm alertado de maneira construtiva sobre a importância da informação no reconhecimento dos indícios da intenção suicida, e que podem ser explícitas ou sutis, mas nunca devem ser ignoradas. Praticamente sempre, com o suicídio consumado, vêm à lembrança atitudes ou frases aparentemente desconexas, que tinham a clara intenção de um pedido de socorro. 

Foi assim com um conhecido meu, que meses depois do suicídio do pai me confessou que se sentia muito culpado por ter desentendido o objetivo daquele conjunto de informações sobre finanças da família, e que ele, tolamente, interpretara como um sinal de ter, finalmente, granjeado a confiança do seu velho. A consciência tardia e irreparável de que aquela conversa era o anúncio da sua trágica decisão provavelmente o manterá culpado pelo resto da vida.

Outras vezes a intenção é completamente insuspeitada, como a de uma jovem que, conforme as câmeras do Centro de Transplante, entrou cantarolando no meio da tarde e, quando foi encontrada morta no banheiro, tinha um revólver na mão ensanguentada, além de um bilhete: "Sou doadora de órgãos".

Quando comecei a trabalhar com transplante de pulmão, fiquei chocado com a descoberta de desiludidos que, ao serem apresentados ao programa de preparação para que se tornassem os melhores candidatos ao sucesso do procedimento, assumiam que não tinham ânimo para enfrentar aquelas exigências disciplinares. Davam a entender que, no fundo, não se interessavam em batalhar por uma vida infeliz da qual não tinham tido coragem de se livrar pelo suicídio.

Para quem gosta de viver parecerá sempre um absurdo que alguém, no máximo da desmotivação, simplesmente transfira para uma doença a responsabilidade de dar um fim ao sofrimento, e que a natureza, toda experiente e poderosa, tome as devidas providências, para que o desfecho exima a todos do desconfortável sentimento de culpa.

Aprendi que, na seleção do melhor candidato ao transplante, nada é mais importante do que a equação: amor para dar e amor para receber. E que a reciprocidade de afeto é o melhor antídoto para o suicídio, porque mantém aceso o sentido da vida, que define a fronteira, muitas vezes estreita e traiçoeira, entre carregar a vida no peito ou ser arrastado por ela.

J.J. CAMARGO

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