sábado, 27 de julho de 2024



Veja como é possível transformar as dores da vida

Portal EdiCase

Pingos grossos lambem a janela do quarto enquanto me sento para escrever. Atrás da vidraça, a paisagem cinza ameaça apagar minhas palavras. Mais um dia de cidades devastadas, gente sem casa, com fome, guerras, doenças, perdas. Fecho a página das notícias como quem cerra a cortina. Não preciso ir longe… viver é mesmo tão doído!

Escolho um livro para amainar os olhos embaçados de chuva. Tiro da estante Cartas Perto do Coração (Record), uma coletânea de correspondências entre os escritores Fernando Sabino e Clarice Lispector. Não sei bem o que procuro até achar uma página com a ponta da folha dobrada. Sou arrebatada por uma frase do Fernando, em uma carta escrita em setembro de 1946, quando morava em Nova York.

Naquele mês, após ter operado as amígdalas e deixado o hospital, ele escreve à Clarice comentando um conto dela e um sonho que teve. Nessa carta, presenteia a amiga com o que eu considero uma pérola. Ele diz: “A gente sofre muito: o que é preciso é sofrer bem, com discernimento, com classe, com serenidade de quem já é iniciado no sofrimento”. Dali por diante, me agarro a essa iluminação.

A dor, afinal, atravessa a nossa experiência humana de modo inescapável. Ou como escreve a própria Clarice Lispector no livro Água Viva: “Dor é vida exacerbada”. Se ninguém vive sem sofrer, então, a pergunta que fica é: como lidar melhor com as dores que nos afligem? Como transformá-las e seguir em frente?

Força de vida

A fim de compreender esse algo nosso que é tão humano, fui conversar com mulheres que me ajudaram a ampliar o entendimento de que estamos nesse mundo para aprender e evoluir justamente por meio do que fazemos com o que sentimos. A nutricionista e terapeuta Ana Fanelli é uma delas. Sua história de luto e reconstrução de si me impactou. Há 12 anos, ela perdeu o filho mais novo para uma doença sem cura.

Felipe foi diagnosticado com uma síndrome neurológica rara com a idade de 12 anos. Sofreu um bloqueio elétrico no coração, seguido de complicações. Com o tempo, foi perdendo a mobilidade. “Não consegui aceitar a dimensão da gravidade, mas não tinha o que fazer, a não ser cuidar dos sintomas”, conta Ana. Segundo os médicos, havia uma expectativa de um a três anos de vida. Felipe viveu mais 13.

Mesmo com tantas limitações e dependendo de ajuda para atividades simples do dia a dia, o garoto pintava, cantava e conquistava a simpatia de todos à sua volta. “Ele tinha muita força de vida, e eu sinto que ele ficou mais tempo com a gente para ensinar. Viveu a graça de expressar quem ele era, uma pessoa muito alegre, que já acordava agradecendo o dia”.

Quando o coração congela

Ana não estava preparada para a perda do filho. Dois anos e meio antes, em uma das internações que Felipe enfrentou, ela procurou o primeiro auxílio psíquico. Sentada na poltrona do consultório, no entanto, ficou muda. Não sabia o que dizer. Foi o psicólogo quem jogou as cartas na mesa: “Você veio aqui para se preparar para a morte do seu filho”. Há dores que nem as quase 400 mil palavras da língua portuguesa dão conta de expressar.

Aos 25 anos, Felipe faleceu – 45 dias depois do pai dele, de quem a mãe já estava separada havia muito tempo. A reação imediata de Ana foi mergulhar no trabalho para não encarar o sofrimento sem nome. Sua vida se resumia a acordar, trabalhar e dormir. Na mesma casa, ela e o filho mais velho sofriam isolados.

“Foi um choque, para mim, muito profundo, sinto que eu congelei meu coração”, desabafa. Entrar no vitimismo não é nada difícil em uma situação como essa. Por que isso está acontecendo comigo? Justo eu e quem amo temos de passar por tal suplício? Essas eram perguntas que Ana fazia.

Além da raiva e do ressentimento por se ver naquela situação, tinha também um misto de culpa e vergonha pelos próprios sentimentos. “Eu saía daquele hospital e falava a mim mesma: ‘mas, Ana, você sai andando’… tudo o que eu assisti ao Felipe perdendo, eu podia fazer”.

O que se seguiu à morte do filho foi uma grande crise existencial. “Eu me dei conta de que estava viva. Mas e o que eu estava fazendo da minha vida?!”. O período de profunda tristeza e isolamento provocou um sentimento crescente de angústia.

No fundo do peito, martelando na consciência, a pergunta do sentido da própria vida não queria calar. E foi aí que Ana buscou novamente ajuda profissional. Chegou inicialmente a um grupo de mulheres e à psicoterapia, passando a se permitir “reconstruir os laços e lamber as feridas”.

A saída do labirinto

“Sozinha é muito difícil, mas com ajuda profissional é mais fácil superar as dificuldades”, atesta a médica e psicoterapeuta Cristiane Marino, com quem também conversei. É como um guia que mostra o caminho de saída do labirinto da dor. Afinal, a gente tem a tendência de achar que o que está sentindo é a totalidade, quando não é. “Se estou triste, é como se eu toda estivesse consumida pela tristeza. Ao perceber que isso é só um aspecto meu, que algo em mim está triste, mas não sou eu toda, a pressão interna diminui um pouco”.

Cristiane explica que, em situações de dores profundas, mas também nas menores e mais corriqueiras, há três papéis com os quais a gente acaba se identificando: o de vítima, agressor ou salvador. Buscamos culpados e justificativas externas, adotamos uma postura agressiva contra o outro ou queremos salvar tudo e todos. Em nenhuma das três posições, assumimos o nosso lugar no mundo como autores da nossa própria vida.

Não se trata de papéis estanques, em que somos apenas uma coisa ou outra. São posturas presentes em todos os seres humanos. “É como se fosse uma dança das cadeiras, em cada momento que a música para, a gente senta numa cadeirinha”, compara Cristiane, que promove um grupo de leitura do livro Abandonar o Papel de Vítima: Viva sua Própria Vida (Vozes), da psicoterapeuta suíça Verena Kast.

Na obra, ela pontua a importância de identificarmos “onde e quando nós mesmos desempenhamos qual papel”. Acabo compreendendo que perceber em qual cadeira estou sentada me ajuda a discernir o que é meu e o que é do outro. Me dou conta de que a responsabilidade de como reajo às situações é apenas minha, embora ainda me pegue culpando o outro pelo que sinto. “Por mais difíceis que sejam as condições externas, a gente escolhe como quer enfrentar as situações”, diz Cristiane.

Indefesa perante a dor e o mundo

Acontece que quem vive a situação nem sempre consegue perceber isso. De acordo com a psicóloga Ilana Roriz, o lugar de vítima é doloroso porque a pessoa acredita não ter condições de agir e paralisa. “Ela se sente indefesa perante a dor e o mundo, considera-se sem condições de lutar pela dignidade de ser agente na vida”.

Quem entra no vitimismo acaba recaindo também na agressividade consigo ou com o outro. Engana-se quem pensa que o efeito disso é meramente emocional, sem grandes repercussões concretas. Como se já não fosse grande coisa, essa dinâmica suga a energia psíquica, provoca a queda da vitalidade e aciona o sistema de luta e fuga, conforme explica Cristiane Marino.

As consequências não são poucas e podem incluir sono agitado ou insônia, estresse e problemas na imunidade, como a suscetibilidade a infecções e inflamações. “Se essas dinâmicas não são cuidadas, prejudicam a saúde física, desequilibram todo o sistema nervoso autônomo e a pessoa não ativa o sistema parassimpático, que é o de restauração”, ensina a profissional.

Algo a contribuir

Assumir a postura de vítima, no entanto, não é uma decisão consciente, mas, uma vez que nos damos conta dela, é importante ter paciência conosco e saber que há sempre uma saída. Segundo Ilana, é necessário reconhecer o quanto já se caminhou até aqui para entender que existe vida além da dor.

Foi isso que Ana Fanelli descobriu na jornada de autoconhecimento na qual embarcou, ao compreender que precisava transformar a dor que sentia e ressignificar a própria vida. Ela fez terapia, participou de roda de mulheres, ingressou na dança circular e fez formação holística de base.

Há cerca de cinco anos, saiu do trabalho corporativo como nutricionista para fazer um retiro sabático. Passou a ser consultora em nutrição, até fazer uma transição de carreira e se tornar terapeuta transpessoal e instrutora de mindfulness. Hoje, une a isso a alimentação consciente e o trabalho com a maturidade. Ana lembra que a dor inicialmente foi tão imensa que a congelou, deixando uma cicatriz.

Uma marca tão funda que pode estar lá quietinha, mas não deixa de existir e, às vezes, até reaviva. “Quando você consegue perceber que não é só você que passa por isso, essa cicatriz se acomoda. O universo do sofrimento está dado na nossa experiência humana. A questão é o que a gente faz com isso”.

A crise existencial provocada pela perda do filho fez com que Ana fosse em busca de se reinventar e expressar sua singularidade no mundo. Para ela, o que se vive hoje também pede isso de nós. “A gente está experimentando situações que estão esfregando na nossa cara que não temos controle da vida; passamos pela pandemia, agora essa emergência climática em vários locais no planeta. O que nos cabe é expressar o que temos a contribuir”.

Distanciamento e recolhimento

Mas onde estão nossos insumos? Ressoam em mim as palavras de Ilana: “Quando a pessoa sai da posição de incompreensão consigo e reconhece que algo de bom já existiu, aos poucos, retorna ao lugar que sempre há em nós, o de protagonista da nossa história”.

Cristiane Marino ensina que distanciamento e recolhimento são muito importantes nesse processo. Para recrutar os recursos internos e renovar as energias, são necessários momentos de pausa e repouso, assim como contato com a natureza e o belo, boa qualidade de sono e alimentação.

Mais uma dica valiosa para quem vive um momento de dor é não se expor desnecessariamente – seja nas redes sociais ou na vida cotidiana. “Veja um animal ferido. O que ele faz? Busca um abrigo onde ninguém o encontre. A gente tem de aprender o valor do recolhimento, que é diferente do isolamento”, afirma.

Outras atitudes de cuidado consigo também são úteis para não se deixar afundar no sofrimento, como movimentar o corpo, tomar sol, cultivar relações que nos dão alegria e incluir no dia a dia atividades que nos alimentam internamente – tocar um instrumento, escrever, pintar, cozinhar, cuidar de plantas, o que mais gostar.

Punhados de fé

“Andar com fé eu vou, que a fé não costuma falhar”… Felipe, que era um rapaz musical, tinha nesses versos do Gil uma das suas canções preferidas e lema de vida. E foi justamente esse sentimento que ficou para a mãe. Além de carregar a dor a tiracolo, Ana aprendeu a levar consigo punhados de fé.

Todo o processo vivido a fez acreditar em algo maior, o que hoje ela chama de Consciência Divina. Apesar de não ter uma religião definida, os ensinamentos budistas a ajudaram a entender melhor a natureza da vida e das emoções. Ela sentiu que, como pessoa, não daria conta, e só assim pôde se sustentar. A teia que une todos nós a amparava.

A psicóloga Ilana Roriz explica que o reconhecimento de que existe algo além do ser humano está na origem da psicoterapia. Para ela, cultivar a espiritualidade é, portanto, fundamental para a cura das dores da alma. “Com essa conexão, há a certeza de que não se está só, e assim desenvolve-se a fé em um processo de restauração da saúde. Com essa ligação refeita, a confiança em si mesmo se torna viável para perceber o seu protagonismo, apropriando-se do legítimo direito de ser único e especial perante Deus e a si mesmo”.

A jornada de Ana é prova disso. Dois meses antes de falecer, Felipe pintou um quadro cuja arte retrata uma orquídea pingo de ouro, de flores miúdas e amarelas. É essa a lembrança que Ana guarda consigo, representando o coração do filho que, enquanto esteve vivo, expressou toda sua força de vida e gratidão por estar aqui. Até hoje, quando se aproxima a data de passagem ou nascimento dele, ela vê florescer orquídeas douradas miúdas por aí. Após ter sofrido muito, Ana aprendeu a sofrer bem. É como se o filho se fizesse perto outra vez, e ela, de repente, sorri.

Por Luísa Sá Lasserre – revista Vida Simples

Escritora e jornalista sensível às dores do outro e do mundo, ela acredita que viver dói, e como, mas também faz sorrir.


26/07/2024 - 09h00min
Gilmar Fraga / Agencia RBS

Hoje somos todas loucas, belas e inteligentes, sem cair na esparrela de que temos destino único. Rótulos eram colados em nossos braços como marcas de vacina.

Era um pátio enorme, com árvores esparsas circundadas por bancos de madeira pintados de vermelho. Nos dias que não estávamos jogando vôlei ou praticando outra atividade física, ficávamos empilhadas naqueles bancos, gastando a hora do recreio em conversas adolescentes – o assunto eram os guris de outro colégio.  

Naquela manhã de segunda-feira, as mais bonitas da turma estavam irrequietas, uma falava em cima da fala da outra. A festa do sábado anterior havia sido de fartura. Todas dançaram muito, foram paqueradas, uma delas engatou um namoro “sério” – já durava quase 48 horas. Todas elas, de certa forma, saíram daquele fim de semana meio casadas. Não eu, nem minha amiga Karin. Para nós, havia sido apenas uma festa a mais. Divertida, mas longe de ser o divisor de águas da juventude.

Quando o sinal bateu para chamar as alunas de volta à sala de aula, as bonitonas se afastaram aos cochichos e risadas. Foi quando minha amiga disse para mim: “Melhor a gente se acostumar. Vamos ficar pra tia”. 

Isso tudo faz tempo, como o vocabulário entrega. Ela quis dizer que nós não teríamos a mesma sorte das beldades, que nós não teríamos a vida transformada em um conto de fada assim que nos tirassem para dançar, que não éramos o tipo de garota que atraía os rapazes (devorávamos livros como as outras devoravam esmaltes), nós não havíamos sido talhadas para o amor, melhor nos unirmos em desgraça e, em vez de sonhar em formar família, fundarmos uma biblioteca.

Não foi assim que ela falou, mas era este o recado. Ela estava me convocando para o limbo e oferecendo sua parceria como atenuante. Lembro de ter pensado: nós não fomos talhadas para o amor?? Nós quem? 

Alguns anos depois, minha amiga foi trabalhar na Europa, em uma gerência que na época era talhada só para os homens, veja só, e hoje, de volta ao Brasil, é difícil encontrar quem seja tão preparada quanto ela. Não quis se casar. Eu, mais convencional, namorei, casei, descasei, namorei de novo e ainda me pergunto: nós quem? Já naquela época, me soava cruel a história de que as bonitas namoravam, e as que liam – porque não tinham namorado – eram recompensadas com os primeiros lugares no vestibular.  

Rótulos eram colados em nossos braços como marcas de vacina. Ou você era muito louca, ou muito noiva, ou muito cabeçona. Foi o final de uma era em que ainda se tentava colocar as mulheres em escaninhos. Até que as bonitas começaram a folhear páginas e mais páginas com suas unhas bem esmaltadas, e as que já eram viciadas em livros tornaram-se gatas pelo feitiço da autoestima e da autoconfiança, e hoje somos todas loucas, belas e inteligentes, sem cair mais na esparrela de que temos um destino único. Sim, nós todas. Até as noivas. Até as tias. 

Martha Medeiros


27/07/2024 - 05h00min
João Cotta / TV Globo,Divulgação

Os salvadores da pátria 

Vira e mexe aparece alguém que promete trazer verdades escondidas. Aquele que tem a coragem de falar o que ninguém diz, doa a quem doer. O caso do Nego Di tem estampado os sites e noticiários nos últimos dias.

Começo te dizendo: eles não existem. É que nem o Homem Aranha ou a Mulher Maravilha. São muito legais nos filmes e desenhos animados, mas não fazem parte do mundo real. Eu também queria chamar a Patrulha Canina para resolver os problemas de vez em quando, mas aqueles cachorrinhos fofos e voluntários não se materializam, infelizmente. 

Vira e mexe aparece alguém que promete trazer verdades escondidas. Aquele que tem a coragem de falar o que ninguém diz, doa a quem doer. Um vídeo que trará fatos sobre algo que a imprensa quer esconder. O justiceiro. O que vai separar o joio do trigo a respeito dos governos, instituições e pessoas. Alguns também prometem emagrecimento sem esforço, inglês fluente em semanas, a pessoa amada em algumas horas e dinheiro sem trabalhar. 

Por que nós, seres humanos, nos prendemos tanto a uma ideia de salvador da pátria, de uma figura que resolva os nossos problemas, ou mesmo que diga simplesmente o que queremos ouvir? Pois exatamente aí está a brecha. É quando quem quer nos convencer de algo consegue o espaço certo. Pega a nossa fragilidade mais íntima. Vende soluções para uma preocupação que está ali, quieta, mas que gera identificação imediata. 

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Assim acabamos dividindo a vida entre influenciados e influenciadores e acabamos trazendo para a vida real discussões importantes com embasamento muitas vezes em mentiras. Não à toa muita gente que nunca ouvimos falar tem milhões de seguidores. 

Nascem os jogos do tigrinho, os sorteios de dinheiro, de smartphones. O famoso almoço grátis faz nossos olhos brilharem a ponto de esquecermos de notar coisas óbvias. O erro grosseiro na gramática, o preço muito mais baixo que o de mercado, a promessa de resultado fácil.  

O caso do Nego Di, que tem estampado os sites e noticiários nos últimos dias, foi construído em cima desse castelo de areia. A loja Tá Di Zueira já era um sinal desde o nome. Pois centenas de pessoas acreditaram, já que havia ali uma pessoa conhecida e querida por elas. Alguém que, para esse público, parecia verdadeiro, sem filtros. 

Nos momentos de crise, como foi o da enchente que marcou o Rio Grande do Sul, este mesmo personagem circulou em redes do Brasil todo supostamente contando verdades que ninguém queria que fossem descobertas. Viralizou prometendo desmascarar governos. Para coroar a imagem de salvador da pátria, divulgou que tinha feito uma doação milionária aos atingidos pela chuvarada. A quebra do sigilo, depois mostrada pelas autoridades, apontou cem reais saindo da conta do influencer.  

Com políticos isso já acontecia há mais tempo. O brasileiro insiste em depositar sua confiança e se agarra, com unhas e dentes, a alguém que prometa o mínimo. À espera de alguém que salve a pátria, vamos nos contentando com pouco.  


27/07/2024 - 06h00min

Gilmar Fraga / Agencia RBS

Gil e a "bondade radical"

O que dá para fazer é tentar ser melhor a cada dia, em pequenos gestos. Não precisa assinar um tratado de paz na ONU

Gil acaba de confirmar a decisão de se aposentar das grandes turnês. “A vida vai oferecendo bandejas. Têm os frutos amargos, os muito doces, os azedos, e você vai escolhendo”, reflete Gilberto Gil, naquele jeitão tranquilo, em uma conversa com a filha Preta, para então concluir sorrindo: 

— Eu fui tentando juntar dentro de mim as intencionalidades bondosas. Virei adepto da bondade radical.

A frase pegou — e me cativou também. Sou fã de Gil e de toda a geração de ouro da MPB que, aos poucos, vai se retirando dos palcos, deixando um legado imenso e inquestionável. 

Caetano já disse que, em breve, quem quiser vê-lo terá de procurá-lo na Bahia. De lá, ele não pretende sair por nada. Gil está fazendo o mesmo. Às voltas com uma temporada musical internacional na Europa e na Ásia, ele acaba de confirmar a decisão de se aposentar das grandes turnês. E está em paz. 

— Não sou mais um artista da vez — disse ele, sereno e grande, em entrevista recente ao Estadão.

Sair de cena não é fácil para ninguém (Joe Biden que o diga). Imagine o que isso significa para um grande artista, que trilhou a vida sob os holofotes, movido a aplausos.

Gil fará falta, ele e sua “bondade radical”, que deveria servir de exemplo em tempos tão pouco amigáveis, para dizer o mínimo. Mas o que significa ser “radicalmente bom”? Existe isso? Do que é feita a natureza humana?

A discussão vem de longe, você sabe. Para um cara chamado Thomas Hobbes, que escreveu Leviatã, em 1651, os seres humanos não têm salvação, nem adianta insistir. Haveria, em todos nós, uma tendência natural à violência, daí a célebre frase “O homem é o lobo do homem” (naquele tempo as mulheres não contavam → Alerta: contém ironia).

Aí veio Jean-Jaques Rousseau, no século 18, e disse que não era nada daquilo. Hobbes estava por fora. “O homem”, concluiu o célebre filósofo suíço (esquecendo-se, outra vez, a parcela feminina da população), “nasce bom”. O problema é a sociedade. A culpa é toda dela. “A sociedade”, bradou Rousseau, dedo em riste, é que “corrompe o homem”. 

Não se preocupe, querido(a) leitor(a), eu não vou tentar aqui resolver os dilemas da humanidade. Ninguém é “bom” ou “mau”, assim, preto no branco. E Gil sabe disso. Ele mesmo, que se autoproclamou “agente da fraternidade”, escreveu uma canção chamada Cada tempo em seu lugar, que traduz o que estou tentando escrever.

A letra diz assim: “Preciso refrear um pouco o meu desejo de ajudar. Não vou mudar um mundo louco, dando socos para o ar.” E depois: “Preciso me livrar do ofício de ter que ser sempre bom”, até porque, cá entre nós, é impossível ser bom o tempo todo.

O que dá para fazer é tentar ser melhor a cada dia, com pequenos gestos. Não precisa assinar um tratado de paz na ONU. Basta, muitas vezes, ser gentil com o colega de trabalho, elogiar o visual da amiga, oferecer um sorriso para quem está tendo um dia ruim, estender a mão a alguém que precisa de ajuda. Ser bom é isso e é dar-se conta da finitude da vida.

Como escreveu Gil em Tempo Rei, “não se iludam, não me iludo, tudo agora mesmo pode estar por um segundo”. 


26/07/2024 - 21h04min
Atualizada em 26/07/2024 - 21h04min -Opinião

Momento mágico

Para superar espetáculo de Paris, só se próxima cerimônia for feita na Lua. Grandiosidade marcou abertura dos Jogos Olímpicos de 2024

Atletas desfilaram em barcos pelo Rio Sena e passaram por pontos turísticos de Paris, como a Torre Eiffel.

A cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de Paris 2024 entregou tudo que um país como a França pode oferecer. E nem mesmo a forte chuva que caiu na maior parte do espetáculo comandado pelo diretor artístico Thomas Holly diminuiu o brilho. 

O desfile dos 85 barcos pelo Rio Sena, as apresentações de artistas, shows musicais e as presenças de ícones do esporte como Zinedine Zidane, Rafael Nadal, Serena Williams, culminando com Teddy Riner e Marie-José Perec acendendo juntos a pira olímpica deram o tom do que a Cidade Luz se propôs e ofertou ao mundo.

Os Jogos começaram em um dia tenso, com alguns alardes falsos de bombas, ataques ao sistema de trens rápidos do país, mas terminou de forma espetacular. Na transmissão da Rádio Gaúcha cheguei a dizer: o que os franceses apresentaram dificilmente será superado em termos de espetáculo e que só se Los Angeles-2028 levar os atletas para a Lua poderá fazer algo tão impactante.

E o melhor de tudo: os Jogos terão público. Ele se fez presente nas arquibancadas nas margens do Sena e em toda a cidade. Confesso que fiquei muito emocionado nessa que é minha quinta cobertura Olímpica por ver algo tão bem elaborado e que dá aos Jogos Olímpicos a dimensão merecida, a de um espetáculo gigantesco.

Que a partir deste sábado (27) as primeiras medalhas sejam entregues e que o Brasil supere seus recordes. E que a França siga mostrando ao mundo que ela é o país das revoluções, da moda, da arte, da Liberdade, da Igualdade e da Fraternidade.


25/07/2024 - 17h39min
André Malinoski

Demolição do Esqueletão: com obra embargada há cinco meses, empresa responsável segue tentando liberação e descarta desistir do serviço

FBI Demolidora fez cinco tentativas junto ao Ministério do Trabalho e Emprego desde fevereiro para retomar os trabalhos e deve fazer mais uma na próxima semana; órgão apontou risco à segurança dos trabalhadores no local.

O embargo às obras de demolição do Edifício Galeria XV de Novembro, conhecido como Esqueletão, no Centro Histórico de Porto Alegre, completa cinco meses neste sábado (27).

O Ministério do Trabalho e Emprego no Rio Grande do Sul (MTE-RS) paralisou o processo de demolição em 27 de fevereiro, apontando condições inseguras para os trabalhadores no canteiro de obras.Inspeção identificou o risco de queda dos operários pela falta de proteção na periferia da obra, nas aberturas do piso do edifício, nas escadas de acesso coletivo e nos vãos dos poços dos elevadores, entre outros problemas.

Desde então, a FBI Demolidora, empresa responsável pelo serviço, tenta suspender o embargo trabalhista, porém sem sucesso.

O relatório do MTE com as justificativas sobre a última negativa para retirar o impedimento trabalhista apresenta em um trecho a seguinte conclusão: "Foram inúmeras análises e reuniões técnicas por parte da Auditoria Fiscal do Trabalho, porém, até o presente momento, a empresa ainda não apresentou providências eficazes para a elucidação do grave e iminente risco de queda, objeto deste embargo".

Um dos responsáveis técnicos pela demolição do Esqueletão, o engenheiro de minas Manoel Jorge Diniz Dias afirma que a FBI Demolidora pretende fazer nova tentativa de suspender o embargo na próxima semana.

— A ideia é, na semana que vem, apresentar uma complementação àquilo que foi solicitado pelo Ministério do Trabalho — compartilha.

Conhecido como "Manezinho da Implosão", ele foi responsável por diversas operações do tipo, como a do prédio da Secretaria da Segurança Pública (SSP), na Rua Voluntários da Pátria, em Porto Alegre.

Segundo Dias, não existe possibilidade de desistência por parte da empresa ou de rompimento de contrato com a prefeitura de Porto Alegre.

— Queremos executar a obra. É uma questão de honra — diz o engenheiro.

A empresa não explicou as razões pelas quais não conseguiu efetivar os ajustes solicitados pelo Ministério do Trabalho e Emprego.

Na segunda-feira (22), a FBI realizou uma vistoria no Esqueletão para avaliar se houve algum dano em razão da enchente naquela região do Centro Histórico, mas não constatou qualquer problema deste tipo.

O auditor-fiscal Sérgio Garcia, chefe da seção de Segurança e Saúde do Trabalho da SRTE, confirma que, desde 8 de julho, a situação permanece igual.

— O último pedido deles (FBI Demolidora) foi negado. Na última vez que falei com o secretário André Flores (titular da Secretaria Municipal de Obras e Infraestrutura), há umas duas semanas, ele ficou de entrar em contato com a empresa para marcar uma reunião — afirma.

Prefeitura acredita em adequação

A reportagem de Zero Hora questionou a prefeitura, por meio da Secretaria Municipal de Obras e Infraestrutura (Smoi), se existe possibilidade de rompimento do contrato com a FBI Demolidora, já que a empresa não conseguiu, até o momento, cumprir os ajustes solicitados pela Auditoria Fiscal do Trabalho. Por nota, a pasta respondeu o seguinte:

"A Secretaria Municipal de Obras e Infraestrutura (Smoi) acredita que a contratada irá resolver em breve o embargo da Superintendência Regional do Trabalho, quanto ao equipamento instalado para proteção de trabalho em altura, e está atenta a todas as possibilidades contratuais."

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