sábado, 5 de outubro de 2019


05 DE OUTUBRO DE 2019
ARTIGOS

LIÇÃO DE ONODA

Um dia, lá pelo final dos anos 1980, passando por Terenos encontrei em uma loja de produtos agrícolas um japonês que "papeava" após fazer algumas compras. Conversa boa. Ele já falava um português "entendível". Quem o visse assim tranquilo pensaria tratar-se de pessoa comum.

Todavia, era Hiroo Onoda, uma celebridade, o penúltimo soldado a combater na Segunda Guerra Mundial. Localizado nas selvas filipinas, só aceitou render-se, em 1974, depois de autorizado pelo seu comandante dos tempos da guerra, que teve que ir até lá para isto. Após a rendição, não se adaptou ao Japão moderno. Alguns parentes haviam emigrado para Mato Grosso do Sul e ele conheceu e gostou do lugar. Escolheu uma mulher como esposa e Terenos para viver. Recebeu os salários atrasados e comprou uma fazenda por lá. E naquele momento estava ali, papeando e tomando tereré...

Durante anos, Onoda lutou a sua própria guerra, caçando e matando os filipinos (mais de 30) que cruzassem o seu caminho. Até que, informado do fim das hostilidades, voltou a uma vida normal. O que isto tem a ver com a Lava-Jato? Como Onoda, o Brasil tem que voltar a ter vida normal. Só que, ao contrário do soldado, a operação não consegue se convencer disto. O país viveu uma convulsão, mas na sequência veio uma eleição limpa e pacífica. Agora é preciso voltar à normalidade, com a corrupção e os outros crimes sendo combatidos com vigor, mas dentro da legalidade.

No Japão, muitos queriam que Onoda continuasse matando gente nas Filipinas. A mesma coisa acontece por aqui com os lava-jatistas fanáticos que insistem na guerra eterna. Há alguns dias, nestas páginas meu amigo Luiz Coronel empunhou seu fuzil. Não é um fanático, mas pensa como tal ao relativizar a necessidade de a Lava-Jato se adequar à legalidade.

A fase dos tiros acabou e a operação, que prestou serviços relevantes ao país, tem que aceitar respeitar a lei, o devido processo legal, a presunção de inocência, o sigilo dos processos, os direitos individuais, a ampla defesa, a voluntariedade das delações e a honra e a reputação das pessoas. Essas coisas simples, mas que definem o Estado democrático de direito.

Resumindo: ou a Lava-Jato aceita, como Onoda aceitou, voltar à normalidade e passar a combater o crime sem praticar crimes, ou então tem que realmente acabar.

É o que penso!

Advogado, engenheiro, ex-ministro-chefe da Segov/PR marunadv@gmail.com
CARLOS MARUN

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