sábado, 12 de outubro de 2019



12 DE OUTUBRO DE 2019
FLÁVIO TAVARES

FUTURO DO FUTURO

O dia 12 de outubro é de tríplice festa, mas nem sempre foi só assim. Não era ainda o Dia das Crianças nem o de Nossa Senhora Aparecida, Padroeira do Brasil, quando a data mudou a face do mundo numa mistura de espanto, alegria e medo.

Há 527 anos, a 12 de outubro de 1492, as caravelas de Cristóvão Colombo chegaram ao Caribe seguindo os mapas marítimos de Américo Vespúcio. E o que eles pensavam que fosse a Índia Ocidental chamou-se América.

Anos depois, em 1500, Pedro Álvares Cabral aportou mais ao Sul, em terras semelhantes e o medo se confirmou: haviam chegado ao Paraíso. Mas, por que medo, se ali a exuberante natureza convivia com gente sem maldade nem cobiça, que andava nua sem perversão e cheirava bem até sem sabão?

Aqueles europeus que não se banhavam mas conheciam o crime, sentiram-se no Éden, o paraíso do livro sagrado. E a rígida teologia da época entrou em transe e em crise. A tradição religiosa ocidental tremeu.

A Torah judaica e a Bíblia cristã seriam inexatas ou mentiam? O "pecado original" que extinguiu o Paraíso e nos fez "amassar o pão com o suor do rosto" era invenção? O Éden ainda existia e só havia mudado de lugar?

Na época, a teologia dominava o mundo. Era como os economistas que hoje assessoram os políticos e preveem o passado com exatidão sem apontar qualquer trilha do futuro. Atônitos com a ideia de que o Éden ainda existisse, os teólogos deixaram o dia a dia assimilar o que eles não explicavam.

E cada vez mais nos distanciamos da sacralidade da vida, destruindo o planeta, como se tivéssemos raiva de habitá-lo.

Agora, a tríplice data quase só se festeja pelo trivial - o Dia das Crianças, criado para presentear, nunca para fazer a criança brincar, dialogar e entender o mundo. Esquecemos até o dia de 1717 em que um pescador encontrou a imagem de Maria no Rio Paraíba do Sul e surgiu, então, Nossa Senhora Aparecida. Hoje, como outros, o rio envereda rumo à poluição.

Se, alheios a tudo, não avaliamos sequer o passado, por que iremos nos preocupar com o futuro?

Ou com "o futuro do futuro", majestoso título do debate que juízes estaduais e federais, membros do Ministério Público (através de suas associações) e a OAB promovem no dia 14, sobre as leis de proteção ambiental. O painel das 14h, presidido pela juíza Patrícia Laydner, avaliará as mudanças ao Código Estadual do Meio Ambiente propostas pelo governo de forma impositiva, a serem votadas "em urgência", praticamente sem debates. Será correto que nosso código (hoje modelo no país) facilite destruir a natureza?

Em nota aos deputados, o Sindicato dos Engenheiros repudiou (sim, repudiou) que as mudanças se votem sem ampla discussão e apelou ao governador para que modifique a proposta. De fato, além do presente, está em jogo o futuro do futuro.

Jornalista e escritor - FLÁVIO TAVARES

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