sábado, 5 de dezembro de 2020


05 DE DEZEMBRO DE 2020
J.J. CAMARGO

OS PRIMEIROS 50 ANOS DA ATM 70 

A comemoração dos 50 anos de formatura de uma turma de Medicina, na verdade, é o resgate do acontecido depois de um convívio fraterno dos seis anos da faculdade, seguido de uma dispersão daqueles jovens reunidos aleatoriamente há 56 anos para caminharem juntos na preparação para a vida, que começou, para valer, naquele já distante 4 de dezembro de 1970.

Éramos identificados pelo sentimento de fraternidade que de alguma maneira nos unia em torno de uma ideia em comum: o desejo de ajudar as pessoas. Essa determinação, aliás, é o impulso que rege a escolha dessa profissão, cuja nobreza compensa as exigências e sublima as incompreensões.

Ainda que a vida tenha se encarregado de dispersá-los, cada um em busca do seu próprio destino, essa turma sempre encontrou estratégias de aproximação, com dois encontros anuais repetidos religiosamente ao longo deste meio século.

No fim de cada ano, uma comissão especial organizava a comemoração que reunia pelo menos 40% da turma em um encontro de fim de semana, ou na pior das hipóteses para um almoço. Nesses encontros, sempre me comoveu a obstinação do Sergio Dornelles, uma referência afetiva da turma, que, com seu caderno pautado, circulava entre os colegas para que atualizassem os endereços. Espontaneamente, o Serginho assumiu a função de agregador, para que, ao menos no caderninho dele, nos mantivéssemos unidos. Pensando bem, ele foi, para a nossa turma, o precursor das redes sociais.

As escolhas feitas por cada um mostraram a heterogeneidade de projetos, marcados pelas diferenças de ambição, ansiedade, insubordinação, modéstia ou vaidade. Em comum, todos sempre pretenderam viver em paz, ser respeitados pelos seus pares, ter estabilidade econômica para criar os filhos e saúde para curtir os netos.

Destinos cumpridos, hoje não faltam pimpolhos no colo dos avós ouvindo as suas histórias, com os olhinhos brilhando de orgulho deles. Alguns dos nossos amados foram interrompidos antes de alcançarem a plenitude, e a partida deles deixou, em cada um dos sobreviventes, dois sentimentos agudos: a dor da perda e o desconforto pela nossa vulnerabilidade, porque afinal nunca encontramos uma justificativa racional para termos sido poupados.

Um fenômeno, ocorrido há pouco mais de três anos, foi desconcertante e demarcador de uma nova era nas nossas vidas: o da comunicação digital. Estávamos acomodados no nosso canto quando o guardião da saudade foi despertado de um sono de décadas e começaram a pipocar mensagens de carinho entre pessoas que, tendo estado confortavelmente incomunicáveis, cuidando de filhos, netos e amores permanentes durante um longo tempo, nunca se deram conta de que tinham represado um estoque do bem-querer mais genuíno. E então o Prenna criou um grupo de WhatsApp, e isso promoveu o milagre de nos sentirmos emocionalmente ressuscitados.

Quando fui convocado para participar da edição de um livro do cinquentenário, fiquei entusiasmado com a possibilidade de reunir histórias do cotidiano profissional mais rico que existe: o do médico com o seu paciente.

Nada do que disponibilizamos no livro teria sido possível sem o admirável talento artístico e a boa vontade do João Manoel Braga, sempre disposto a ajudar pelo simples prazer que isso dá, a presteza do Jair Ferreira, nosso indefectível arquivo vivo, ao Sérgio Moussalle, que coletou fotos representativas, e aos demais membros do Conselho Editorial: Jorge Buchabqui, decisivo na negociação com a Gráfica da UFRGS, Fernando Lucchese, incansável na busca de patrocínio, e Carlos F. Matzenbacher, impulsionador da ideia original.

Trinta e sete colegas (dois in memoriam) se dispuseram a contribuir com suas histórias, emocionantes muitas, hilárias outras tantas, todas com cara de vida real.

J.J. CAMARGO

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