sábado, 6 de fevereiro de 2021


06 DE FEVEREIRO DE 2021
LITERATURA

A hora das LOBAS

No ar desde o dia 31, a revista literária La Loba surgiu como veículo para dar visibilidade à produção artística (não apenas literária) de mulheres.

O projeto tem à frente a escritora Carolina Panta, que é autora de Dois Nós (Ed. Metamorfose, 2019) e que está com o segundo romance engatilhado - a previsão é publicá-lo nos próximos meses pela Zouk.

La Loba Magazine terá edições mensais com ficções, poemas, resenhas e projetos de artes visuais, recebidos por e-mail - nas 49 páginas do primeiro número, entre outros conteúdos, Nathallia Protazio pergunta se "existe escrita feminina?", Clara Corleone publica Um Conto de Verão e Priscila Pasko concede entrevista sobre seu trabalho e o lugar da mulher na literatura.

O perfil do Instagram @lalobamagazine é um catalisador das ações, mas as edições ficarão disponíveis em linktr.ee/lalobamagazine. A seguir, Carolina explica a linha editorial e também a inspiração do nome da revista.

ENTREVISTA COM: Carolina Panta | Escritora, editora da revista La Loba

Por que uma revista literária que só publica mulheres?

Esse tipo de iniciativa é necessária, e cada vez mais, pois os ambientes de discussão no campo da cultura ainda são, infelizmente, lugares de privilégio. A partir de pesquisas divulgadas nos últimos anos, como a da professora Regina Dalcastagnè, pesquisadora do assunto, pode-se perceber que a maioria das publicações literárias das principais editoras brasileiras ainda são, em sua maioria, obras de escritores do sexo masculino. Produzir uma revista que busca o protagonismo feminino na escrita é uma forma de apresentar aos olhos da sociedade mulheres que se colocam como produtoras de arte. Quanto mais textos de mulheres circularem, mais resenhas serão feitas sobre seus livros, suas obras alcançarão mais pessoas, seu fazer artístico irá para além dos limites de uma escrita particular para tornar-se, enfim, pública.

Um dos primeiros posts no perfil da revista, no Instagram, pergunta: "Por que a intensa produção feminina não se reflete em números nas publicações?". Transfiro a pergunta a você: por quê?

Ainda nos tempos atuais, uma mulher inserida no campo intelectual muitas vezes é julgada ou por produzir uma arte vista como "menor" e mais "emocional" ou por trabalhar em sua carreira em detrimento à família. Em uma observação simples dos nomes vencedores nos mais de 60 anos do prêmio Jabuti, por exemplo, configuram menos de 15 mulheres como grandes vencedoras na categoria romance literário. A matemática é simples: somos menos publicadas no grande mercado editorial pois nossa literatura é considerada atrativa a somente um grupo social, enquanto a produzida por homens atinge a todos e a todas. Eles são maiores produtores de capital intelectual e mais numerosos em publicação de resenhas em jornais. Ainda há uma hegemonia masculina que dita, muitas vezes, aquilo que é ou não arte relevante socialmente.

O texto de apresentação do projeto começa com a frase: "A mulher selvagem precisa renascer". O que significa isso?

Em seu livro, grande clássico da psicologia, Clarissa Pinkola Estés nos apresenta o conceito de uma mulher selvagem. Mulheres que Correm com Lobos é uma análise de arquétipos e estereótipos aplicados às mulheres ao longo da história. Nessa obra, a autora nos apresenta o mito La Loba: uma senhora que busca ossos de animais mortos no deserto. Em sua caverna, La Loba remonta os ossos em forma de um lobo que cria vida e corre pelo deserto. Em sua corrida, esse animal transforma-se em mulher. Tal narrativa nos serve para que possamos, ao nos tornarmos selvagens, restabelecer as conexões que nos libertam das amarras sociais a que muitas vezes estamos presas. A mulher selvagem, uma mulher liberta, precisa renascer. É por meio de sua força sui-generis que brotam para a sociedade textos, ideias e imagens por toda parte. Paridos do potencial enraizado na dor e no prazer de nos fazermos mulheres, é com a escrita, com a dança, com a pintura, com um tambor a ressoar que acessamos o nosso repertório carregado de consciências coletivas herdadas de nossas ancestrais.

 DANIEL FEIX

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