sábado, 6 de maio de 2023


06 DE MAIO DE 2023
LEANDRO KARNAL

Completei 60 e reflito sobre sinais de que estou, de fato, entre as pessoas chamadas de mais velhas. Descreverei tais sinais como índices de maturidade, uma espécie de termômetro de mudança. Não me refiro aos óbvios como no meu tempo era assim; à ênfase em tópicos como remédios e doenças; a achar que toda música está muito alta. Buscarei traços menos evidentes. Veja se você se enquadra em, no mínimo, três dos indicadores seguintes.

Cresce na sua preferência o gosto por sopas à noite. Lembra-se de que chegou a gostar de churrascadas até de madrugada? "Isso não lhe pertence mais", você ama caldos leves. Sopas noturnas trazem o selo Inmetro de maturidade.

O conforto derrotou a elegância. Sapato apertado, blusa colada, calça justa? Saiam! Que venham as roupas que abraçam, os tecidos com os quais o bem-estar derive menos do "caimento", da "aparência" e mais do "eu gosto desta camiseta".

O mesmo princípio anterior vale para a sociabilidade. Festas obrigatórias? Eventos longos e de pouco acréscimo à felicidade? Saem da agenda para encontros intimistas. Poucas coisas ficam tão sedutoras como a casa do indivíduo maduro. Quase sempre 22h passa a ser um bom horário para dormir, quando não antes.

A sinceridade cresce. As coisas incomodam menos, sim, mas, quando emitimos opinião, temos um compromisso conosco maior do que com a diplomacia. Crianças e velhos possuem essa aliança com o real imediato. Aos 10, dizemos "eu quero". Aos 30, temos o "eu devo". Aos 60, é frequente o "tô nem aí".

Você gosta de relógio de pulso? Sente falta do rádio relógio? Prefere livros em papel? De quando em vez, acha importante falar ao vivo, não apenas por mensagens no Zap? As figurinhas não são essenciais na construção dos seus discursos comunicativos? São sintomas inegáveis de outro patamar tecnológico e de comunicação. Existe uma retórica da velhice.

O controle remoto ficou mais complicado com uma quantidade impressionante de funções obscuras? Façamos uma distinção curiosa: alguns maduros só gostam do on-off.

Mais um sinal de avanço etário: a figura dos pais cresce e aproxima-se da perfeição. Geralmente, na terceira idade, já se foram os progenitores... A memória melhora as lembranças. Citamos frases e procedimentos: "Como dizia meu pai", "Como fazia minha mãe". Chegamos a recomendar métodos pedagógicos para os que lidam com adolescentes rebeldes ou crianças mimadas: "Em uma semana com minha mãe, ele voltaria outro!". Quando vivíamos limites educacionais estritos, dados pela geração anterior, achávamos tudo terrível; agora, exaltamos as práticas e ideais que antes nos fizeram sofrer. A mudança chama-se idade. A memória é sempre uma invenção.

O silêncio o seduz de forma crescente. Mais - é capaz de fazer sem voz coisas de longos períodos, como pescar, ver um filme, escutar uma música. Não precisa mais emitir opinião a toda hora? Pode ser que você seja uma pessoa experiente. A capacidade de esvaziar a cabeça e mirar o vazio infinito não é apenas budista, ela é da idade...

Para muitas pessoas, a maturidade é acompanhada do aumento do medo. Estou ficando obsoleto? Conseguirei continuar produzindo dinheiro? Meu corpo será acometido de quais males? A violência física do mundo vai me atingir? Serei assaltado? Conseguirei defender minha casa, meus filhos, meus bens? Talvez o aumento do medo seja o mais complexo e mais firme indicativo da idade.

Por fim, creio, existem maneiras de saber que estamos mais velhos. Um primeiro grupo adota a estratégia de nunca falar nisso. Fica incomodado com temas da senectude e silencia-se. Foge das palavras e das rodas onde o tema seja idade; evita símbolos, como o cartão de estacionamento de idoso.

Um segundo grupo nega de forma veemente a ação do tempo e proclama, sem cessar, que não se sente com tal idade, que sua cabeça é jovem, que possui mais energia do que "muitos adolescentes por aí". Compara-se com pessoas mais novas, mostra como tem boa iniciativa e bons hábitos.

O terceiro grupo, por fim, exorciza seus medos, falando a todo instante sobre ter tal idade (e até, como eu, escrevendo textos sobre isso). Diante de uma situação de medo, há quem emudeça, há quem negue e há quem fale muito. As reações são variadas, a ansiedade é a mesma.

Há muitas formas de lidar com o terço final da existência. Nenhuma afeta o tempo que passa. Envelhecemos todos os dias, sempre! As amarguras existem e podem ser atenuadas pelo fruir mais consciente dos pequenos prazeres, da leitura e do encanto com o mundo. Devemos tentar ver a ave de Minerva que alça voo ao entardecer. Por fim, poética a constatação de que as melhores fotos são feitas no fim do dia. A luz deixa sua dureza, os contornos ficam mais suaves. É minha hora favorita do dia. A esperança de sabedoria pode tornar a fase melhor. Que voe a coruja da deusa!

LEANDRO KARNAL

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