quarta-feira, 4 de novembro de 2015



04 de novembro de 2015 | N° 18345 
FÁBIO PRIKLADNICKI

INIMIGOS E ADVERSÁRIOS


Lendo textos de pensadores das mais diferentes extrações ideológicas, muitas vezes tenho a impressão de que a visão de mundo que cada um deles propõe só funcionaria, na prática, se todo mundo concordasse prontamente em agir conforme tal filosofia. Mas e se o outro não concordar conosco?

Por isso, embora eu não seja lá muito versado em teoria política, tenho me interessado pela leitura do recém-lançado livro Sobre o Político (WMF Martins Fontes), da belga Chantal Mouffe, professora da Universidade de Westminster, na Inglaterra. Dialogando com uma diversidade de autores que vai de Elias Canetti a Freud, ela argumenta que o dissenso é fundamental na democracia, na contramão de teóricos que defendem a eliminação das diferenças. É uma leitura que ajuda a explicar muito do que ocorre no Brasil hoje.

Mouffe acredita que as divergências políticas não devem ser entendidas como uma disputa entre amigos e inimigos, mas sim entre adversários que se respeitam como agentes legítimos no debate democrático. Cá entre nós, é uma ideia que está em consonância com o que dizem os comentaristas esportivos quando pedem paz nos estádios justificando que os torcedores não são inimigos, apenas adversários. 

Nós, brasileiros, portanto, deveríamos entender com facilidade esse princípio, mas não é isso que ocorre. Com a homogeneização dos projetos ideológicos dos maiores partidos políticos, que praticamente implodem a própria ideia de projeto (ou seja, um conjunto de ideias que se diferencia das outras), o debate se polarizou radicalmente ao ponto de os extremos não entenderem como legítimo quem está no lado oposto. Daí a necessidade, do ponto de vista desses radicalismos, de eliminar o inimigo.

Outro efeito da descrença nos projetos partidários, como adianta Mouffe, é a ocupação do campo por outras instituições, como a religião. Contrariando os advogados do racionalismo, a autora defende que a paixão por uma causa – de direita ou esquerda – é essencial para o político e que, no momento em que almejarmos estar além destas diferenças, a própria democracia estará em risco, pois toda hegemonia pressupõe exclusões.

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