sábado, 7 de novembro de 2015



07 de novembro de 2015 | N° 18348
JJ CAMARGO | J.J. CAMARGO

HORA DE ACORDAR!

TRABALHAR COM TRANSPLANTE É DESCOBRIR QUE AS HISTÓRIAS SE REPETEM


Quem já se submeteu ao convívio massacrante da burocracia sabe bem o quanto o burocrata profissional odeia subir a escada hierárquica em busca da solução de um problema que ultrapassou os limites do seu reinado. Provoque essa situação ameaçando-o com a responsabilização pela perda de uma vida humana e ele cederá, mas terás construído um inimigo feroz e duradouro.


O Cláudio Lacerda é um obstinado por fazer o que deve ser feito e ganhou crachá de inscrição instantânea no clube dos que não aceitam que as mazelas de um país pobre sejam limitantes do tamanho dos seus sonhos.

Há 16 anos, começou um programa de transplante de fígado em Recife, e o livro que publicou com histórias emocionantes descreve uma verdadeira corrida com obstáculos, transpostos um a um com persistência invejável, ultrapassando os mil transplantes.

Quem trabalha com transplante descobre que as histórias se repetem, unidas pela energia contagiante que brota da percepção que, quando uma vida pode ser salva, não há dique burocrático que detenha o tsunami da determinação.

A Rana tinha só quatro aninhos mal-vividos pela doença hepática congênita que, desde logo, anunciou que nenhuma paliação seria efetiva. Com a consciência da enorme dificuldade de se conseguir um doador de tamanho compatível com o seu corpinho mirrado, ela foi colocada numa lista de espera plena de improbabilidade.

O anúncio da existência de um doador pediátrico em Maceió euforizou o grupo que viu renascer a esperança de salvar aquela bonequinha de sorriso triste. E foi no embalo dessa expectativa que a burocracia deu o ar da graça. A pessoa que atendeu ao telefone para responder ao pedido de liberação do helicóptero para busca do órgão na capital vizinha antecipou que naquele horário era impossível e, apesar dos apelos, desligou o telefone.

Claro que a capacidade de luta e a tenacidade de quem tinha feito mil transplantes no nordeste brasileiro tinham sido subestimadas. Os intermediários foram dispensados e ele assumiu o controle da operação “Helicóptero Já”. Confirmada a negativa com uma justificativa estúpida como “não pode e pronto”, o primeiro obstáculo foi removido diante da ameaça de que a morte da criança seria a responsabilidade de alguém e que, antes que o telefone fosse novamente desligado, o nome desse alguém tinha que ser anunciado.

Confirmado que esse tipo de gente não se comove, só restava mesmo a ameaça pertinente de responsabilização pela vida desperdiçada. E dum pingo de gente que nem vivera para entender que existem pessoas que não se importam que alguém possa morrer desde que se cumpra o regulamento. No meio da madrugada, com o estresse em ascensão e o tempo se esgotando, a discussão mudou de nível e, acionado o burocrata grau 4, este lançou mão de um argumento que seu cérebro de ervilha deve ter concebido como definitivo: “Helicóptero, a esta hora, só com autorização do governador!”. Maravilha que alguém podia decidir, porque a resposta estava pronta: “Então, acorde o governador!”.

Pouco provável que, em toda a linda história de Pernambuco, um governador tenha sido acordado por uma causa mais justa.

ENQUANTO ISSO, NA ACADEMIA


Na reunião de outubro da Academia Sul-Riograndense de Medicina, sob a presidência do professor Luiz Fernando Jobim, foi revisitado um tema muito atual, a medicina do sono. O encontro teve a participação brilhante de um renomado especialista, Denis Martinez, professor e pesquisador da UFRGS. Alguns tópicos abordados:


- A obrigação de dormir nasce da necessidade de repor a adenosina trifosfato (ATP) nas áreas de maior consumo, no córtex, que faz processamento e, principalmente, na área responsável pela atenção.

- Eliminar a necessidade de dormir é uma possibilidade real. Nos libertaria dessa escravidão e seria uma revolução na vida em sociedade. Por exemplo, trabalharíamos 40 horas de segunda a terça-feira e depois cinco dias de descanso. Grande oportunidade para o ócio criativo!

- Uma das mais importantes funções do sono é permitir a limpeza de proteínas que se acumulam no cérebro. Isso só acontece durante o sono. O acúmulo dessas proteínas está implicado em Parkinson e Alzheimer.

- Apneia do sono, transtorno conhecido há pouco mais de 40 anos, é a maior causa identificável de pressão alta. Pode ser, também, a maior causa de cardiopatia na idade avançada.

- A síndrome da perna inquieta é uma causa comum de insônia e pode ser tratada com altíssima taxa de sucesso. Novas opções de tratamento estão revolucionando o tratamento de vários transtornos do sono e levando ao desuso os famigerados medicamentos tarja preta.

- Parar de fumar reduz o risco de morrer. Tratar a apneia do sono, principalmente em sua forma grave, aquela em que o individuo tem mais de 30 paradas respiratórias por hora, reduz mais ainda.

- Das pessoas com apneia do sono, um terço tem insônia, 40% têm sonolência e os demais são assintomáticos. Por isso, a apneia é chamada – ironicamente – de “o mal silencioso”.

- Homens apresentam 16 vezes mais apneia do sono do que mulheres jovens. Após a menopausa, a frequência se iguala. E de protegidas, as mulheres se tornam as mais vulneráveis, se não forem tratadas.

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