sábado, 6 de julho de 2019



06 DE JULHO DE 2019
SCOLA ENTREVISTA - ENTREVISTA | HELEN MACHADO, Diretora-presidente da Carris

"Estabilizar a queda de passageiros é desafio"


Cartazes colados nas paredes dos corredores e nos gabinetes da Carris companhia pública de transporte coletivo de Porto Alegre expõem o slogan que virou mantra na empresa e é perseguido com obsessão pelos servidores: meta 2019 zerar déficit. Para uma empresa que acumula prejuízos contínuos que somam R$ 289 milhões de 2012 para cá, parece improvável que isso possa acontecer. Há apenas dois anos e meio, no final de 2016, fechou o ano com rombo de R$ 74 milhões. 

O caminho natural seria a privatização da estatal que opera as principais e mais movimentadas linhas de capital 155 mil passageiros são transportados por dia. Foi quando desembarcou na Carris a administradora de empresas Helen Machado, especialista em gestão e sem filiação partidária. Com outros dois diretores e sete gerentes de área, têm conduzido uma pequena revolução administrativa na empresa.

- Cada um fazia o que queria, ninguém era treinado, não havia processo algum. Chamei todos e disse: "Lá fora têm 13 milhões de desempregados. E vocês, aqui, recebem o salário em dia mesmo com as dificuldades da empresa. Vamos mudar essa realidade".

Será possível zerar o rombo da Carris neste ano?

Temos dois grandes desafios ao longo do ano: estabilizar a queda de passageiros, tentando fazer com que esse índice não cresça mais do que já está, e a questão da renovação da frota. São dois fatores determinantes para alcançar o déficit zero.

O déficit zero é repetido como mantra. Sem isso, qual será o futuro da Carris?

Qual é o negócio que se mantém vivo se não visar resultado, seja público ou privado? Alguém vai pagar a conta no fim do ano. Se é uma empresa privada, quem paga é o dono. Se é pública, a população. Perseguir essa meta tem de ser o "acordar e dormir" de quem está aqui dentro. Não existe outra alternativa. Ou focamos nisso como objetivo de todas as pessoas que estão aqui ou não tem saída. Tem de ter resultado para poder investir, coisa que não acontecia mais na Carris. Se não investe no negócio, perde capacidade administrativa, ainda mais na era em que vivemos.

Vocês têm 160 projetos de gestão em andamento. Mas gestão tem relação com cultura, mudança de hábitos e comportamento. Como fazer isso numa empresa onde todos pareciam acomodados?

Não é fácil. O processo de mudança cultural e do modelo mental das pessoas é o maior desafio de qualquer gestor e exige muita vontade de quem está sendo liderado. Tento passar para os servidores que o resultado do trabalho não vai ficar para mim. Será um resultado para todos. E sempre reforço que os servidores estão aqui para prestar serviço para o cliente, e não estão aqui só porque passaram em um concurso público.

A sua gestão descobriu uma série de irregularidades. Como foi enfrentar esses esqueletos no armário?

Sim. Trazer a Carris para um novo padrão de correção e padronização de processos não foi fácil. Ainda enfrento resistências. Recebi ameaças que foram veladas, outra nem tanto, mais diretas. Quando tomei a decisão de assumir a empresa, vim com a vontade de fazer algo diferente. Mas costumo dizer: se tu não tem disciplina para estar em um negócio, não pode estar ali. E as pessoas aqui precisavam ter em mente que tudo o que acontece com a empresa é resultado das ações de cada um.

Qual foi a maior distorção que você encontrou na Carris?

São tantas. Para mim, o mais importante é que a empresa não cuidava minimamente de quem entrava e saía daqui. Como cuidar da empresa se a porta está sempre aberta para qualquer um entrar. Não pode ser sério se for assim. Outra coisa importante foi quando implantamos o programa Fumo Zero, porque temos um posto de combustíveis e as pessoas fumavam aqui. Eram coisas gritantes e me perguntava: como que ninguém olha isso? Como pode o gestor não se preocupar com o fato de o servidor faltar, faltar de novo e ninguém tomar providências. A grande questão é o abandono. Como deixaram as coisas serem abandonadas desta forma? É por isso que o resultado financeiro foi esse.

Como enfrentar a redução do número de passageiros e a concorrência com aplicativos?

Uma das ferramentas que vamos usar é o GPS, que dará precisão e condição para o passageiro ter informação em tempo real. A melhora do atendimento é um dos fatores. Investimento na frota, novos ônibus. Estamos tentando enxergar o que acontece no mundo para encarar nossa realidade. Vamos ter novas tecnologias, novos modais. Não tem como ir contra isso. Precisa ser discutido e pensado. Ficamos até agora muito focados no momento da empresa, mas estamos começando a olhar para isso. Principalmente, na questão tecnológica. Hoje, ainda trabalho com sistema DOS. Como serei competitivo com esse modelo? A transformação digital está aí e precisamos nos conectar.

Serão comprados ônibus neste ano?

Temos um passivo muito grande. A idade média da frota é 9,2 anos. O custo de manutenção de uma frota antiga é enorme e quanto mais velhos os ônibus, maior é o gasto. Estamos trabalhando na capacitação para melhorar a manutenção. É um dos nossos focos. A renovação é um ponto importante e estamos perseguindo isso. Infelizmente, não conseguimos fazer antes. Estamos tentando um financiamento para aquisição de 40 novos ônibus.

E os serviços, como tabela horária?

Estamos devendo muito ainda em relação aos serviços. Temos de equalizar a questão do quadro de servidores. Hoje, 20% do quadro está afastado por motivo de licença. Mais 5% de ausências, isso dá em média cem pessoas que faltam todos os dias. É uma ineficiência que não podemos mais absorver no dia a dia. Por isso, acredito que a tecnologia vai nos ajudar muito. O GPS vai permitir uma evolução enorme. Saberemos todos os passos e caminhos que o motorista percorre. Daí, o eventual ajuste é imediato.

Tem algum guru, um livro lhe inspire?

Olha, por incrível que pareça, quando vim trabalhar, li A Arte da Guerra (Sun Tzun). É um livro que carrego na bolsa.

DANIEL SCOLA

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