sábado, 7 de setembro de 2019



07 DE SETEMBRO DE 2019
DAVID COIMBRA

Os dois melhores da zona

Muitos achavam que os melhores da nossa turma eram o Carlos e o Edu Brites. Melhores na bola, obviamente, que era o que importava. Os dois alimentavam certa rivalidade. Eram diferentes em tudo. O Carlos, loiro, canhoto e longilíneo; o Edu, moreno, destro e retaco. O Carlos era colorado; o Edu, gremista.

O Carlos tinha habilidade naquela perna esquerda. Uma vez, fez um gol no futebol de salão dando seis meias-luas nos cinco adversários, até no goleiro. Foram seis porque um levou duas meias-luas. É verdade e aconteceu bem ali, na cancha de cimento e areia da Amovi.

O Edu tinha uma espingarda no pé direito. As goleiras do Alim Pedro, naquele tempo, eram feitas de madeira. Pois corre pelos paralelepípedos do IAPI a história de que, em uma tarde de domingo dos anos 1970, o Edu pegou um rebote de um escanteio bem na linha da grande área e, antes de a bola tocar na grama verde, bateu nela com o peito do pé número 37, o mesmo tamanho da chuteira preta de Roberto Rivellino, o Patada Atômica, e talvez por isso, por essa coincidência, a patada que o Edu deu também foi atômica, tanto que explodiu no travessão, que fez primeiro cr, depois crrrr e, em seguida, CREC!, com grande estalo, rachando ao meio e partindo-se em dois. A goleira ficou feito um eme triste.

Que chute tinha o Edu, e o inhaque dele também era forte, quebrava as jogas da gente, inclusive uma águida que era a minha preferida, era linda linda, toda leitosa e mesclada de azul e amarelo, como um céu com sol na Praia Brava.

Já contei as histórias deles? Talvez, mas contarei um pouco mais, para dizer o que quero dizer.

O Edu era dono de uma personalidade mais reta do que a do Carlos. Era mais, digamos, cristalino. O Carlos era mais sinuoso, seu comportamento levemente lateral, a gente não sabia bem o que ele estava pensando. Como o estilo de jogo de cada um. O Edu, forte, decidido. O Carlos com uma canhota dissimulada. O futebol tem essa propriedade, de tirar para fora o que vai por dentro de quem joga.

Mas o que eu queria contar é que, como os dois eram considerados craques da zona, todo mundo pedia que escolhessem os times, na hora da pelada. Aí, eles jogavam par ou ímpar. Quem vencesse, escolhia o primeiro. E, é claro, pegava o melhor. Então, o outro pegava o segundo melhor entre os que restavam, e assim por diante, até que sobrassem só os dois perebas do grupo.

Tratava-se de um método capitalista selvagem, sem direito a quotas nem considerações politicamente corretas. Mas funcionava, os times ficavam equilibrados.

Muitas vezes, o Edu e o Carlos não queriam escolher os times, ficavam negaceando. Então, eu me apresentava e já apontava para alguém:

- Vamos escolher nós dois!

Fazia isso por pragmatismo. Queria jogar de uma vez, sem mais prorrogações.

Assim, desenvolvi um método: primeiro pegava quem mais fazia gols; depois, o mais habilidoso; em terceiro lugar, o que defendia melhor; em quarto, o mais rápido. Uma espinha dorsal, manja?

Mas, se pudesse escolher dois habilidosos que soubessem marcar gol, ficava com esses. Neste caso, a vitória era quase certa. Se um time dispõe de jogadores técnicos e que sabem fazer gol, eles não podem ser preteridos de maneira nenhuma, mesmo que outros exerçam com mais eficiência as tarefas operárias. É um ensinamento chão do futebol, levado aos píncaros da excelência quando foi forjado o melhor time de todos os tempos, a Seleção de 1970, que reuniu sete meio-campistas na mesma equipe pela única e irrefutável razão de que eram todos craques.

Ou seja: é inexplicável que um grupo conte com jogadores como Tardelli e Luan, habilidosos e marcadores de gol, e eles permaneçam nas sombras da reserva. Trata-se de uma inversão de valores, seja na cintilância dos gramados perfeitos da Copa do Mundo, seja na mais vulgar das peladas do IAPI. Há bons à disposição? Não prescinda deles, reúna-os todos, coloque-os para conversar no mesmo time. Luan e Tardelli juntos. Seria como queijo e goiabada, Buchecha e Claudinho, João e Maria, química e biologia. Seria como o Carlos e o Edu no mesmo time.

DAVID COIMBRA

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