sábado, 11 de abril de 2020



11 DE ABRIL DE 2020
+ ECONOMIA

"Empresas mesquinhas, sem visão do coletivo, vão acabar"

Daniel Castanho é presidente do conselho de administração da Ânima Educação, grupo com 8 mil funcionários, 12 instituições de ensino superior em sete Estados, nenhuma no Rio Grande do Sul. Propôs a criação do #nãodemita (naodemita.com) há pouco mais de uma semana. Já tem mais de 3 mil adesões de empresas que se comprometem a manter todos os funcionários durante uma crise que piora à medida que o desemprego aumenta. Avalia que a pandemia acelera uma mudança já em curso:

- Empresas mesquinhas, sem visão do coletivo, vão acabar.

Como surgiu a ideia?

Faço parte da ONG Gerando Falcões. O Edu (Lyra, fundador do grupo) ia dar entrevista à TV e sugeri que, além de pedir doação de cestas básicas, apelasse aos empresários para não demitir. Ele não falou, e resolvi escrever um manifesto. Mas pensei: ?com uma pessoa, será revolta, não manifesto?. Liguei para alguns empresários e, em 24 horas, haviam embarcado Santander, Magalu, MRV, Localiza, BRF, Cyrela, Suzano, Alpargatas. Não era mais uma revolta, nem um manifesto, era um movimento.

Como o compromisso de não demitir será monitorado?

Para verificar se as empresas estão cumprindo o combinado, não tem melhor forma do que as redes sociais. Se houver demissões, vão aparecer no LinkedIn, no Twitter, no Instagram.

A adesão surpreendeu?

Tem mais de 3 mil empresas, está crescendo. Vivemos um momento que exige que empresários assumam sua principal responsabilidade social, cuidar das pessoas que ajudam a construir a empresa todos os dias, seus funcionários diretos. Mas também estou provocando para que cuidem dos indiretos, honrando os contratos com terceiros. Se você sabe que uma pessoa que pode pagar demitiu a faxineira e diz que, quando a crise passar, vai ter mão de obra sobrando, você vai achar que é sacanagem de alguém que só pensa nele mesmo. Empresas que tiverem essa atitude com seus funcionários serão julgadas da mesma forma.

O que mudou para permitir o surgimento do #nãodemita?

Está mudando há alguns anos, mas se intensificou com o coronavírus. Não é coincidência que um filme como Parasita tenha ganho o Oscar neste ano. A obra retrata como somos parasitas uns dos outros, mostra a parte pior, mais míope, do ser humano. Se você tem condição melhor, tem de tomar conta de quem não tem. Não adianta dizer que seu dedinho está com uma inflamação, mas o resto do corpo vai bem. Se o dedinho não for cuidado, pode levar à morte.

É uma reação de momento ou uma mudança mais profunda?

É um processo, e a crise é um catalisador desse processo em todo o mundo. Esse movimento surgiu enquanto eu estava em casa. Preso, mas em uma gaiola de ouro. A preocupação maior é ver o que está acontecendo extramuros. Há muitas empresas paradas e podem quebrar. Isso tira o sono. Mas está fazendo o mundo mudar. Há pessoas da empresa trabalhando em hospitais de campanha, fazendo máscaras, fazendo o que for possível. Todos estão pensando em fazer algo a mais do que deve ser feito. Empresas mesquinhas, sem visão do coletivo, vão acabar.

Empresas que participam são mais protegidas, têm caixa?

Tem de tudo, inclusive bem pequenas. O dono de uma, com oito funcionários, disse que teve de tirar dinheiro do bolso depois de assinar o #nãodemita. Tem, inclusive, empresa com problema de caixa. Não há repreensão ou discriminação a quem demite. Ao contrário, há um chamamento a quem pode garantir empregos. Há empresas que vão demitir para sobreviver. É legítimo, se não houver opção e não fizer isso pelo fato de que não tem consciência social. No site, é possível trocar experiências, uma empresa ajuda a outra. As maiores assessoram as menores a se tornar mais online. Estamos fazendo com que se torne um portal, uma curadoria.

MARTA SFREDO

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