sábado, 11 de abril de 2020


11 DE ABRIL DE 2020
RODRIGO CONSTANTINO

Beautiful people

O coronavírus é um vírus igualitário, que ataca todas as classes sociais sem distinção, ao contrário de doenças mais associadas à pobreza. Com uma taxa de contágio elevada e uma grande necessidade de hospitalização, a pandemia colocou em xeque toda rede hospitalar, inclusive a privada. Os mais ricos, pela primeira vez, descobriram a realidade do SUS: falta leito para doentes.

Diante disso, a solução parece clara para alguns: fecha tudo, paralisa a economia, isola todos e lança a campanha "fiquem em casa". É bem mais fácil defender esse caminho quando se pertence à classe alta, num apartamento confortável, com reservas financeiras e razoável estabilidade de emprego. Para não soar muito desumano, prega-se o uso do Estado para distribuir recursos aos pobres, como se o Estado criasse riqueza.

Nesse clima, a turma da bolha faz diário da quarentena, bate panela contra o presidente, um "sociopata" que fala de economia numa hora dessas, e politiza até mesmo um remédio, só porque foi Bolsonaro quem defendeu seu uso, que parece eficaz. Artistas gravam vídeo para expor sua "consciência coletiva", que só não inclui no grupo os mais pobres. Veja como ensinar seu filho a pintar, diz aquele que pensa que dinheiro cai do céu.

Enquanto isso, os trabalhadores pobres entram em desespero. Ou ignoram as restrições legais. "Como pedir para deixar uma pessoa doente isolada, se a casa da família tem só um quarto, banheiro e cozinha?", pergunta um epidemiologista realista. E conclui: "A situação é delicada e um grande desafio". Um ativista da Rocinha, favela carioca, constata: "Tem uma avalanche de pessoas nas ruas. Acredito que de 60% a 70% das lojas abriram. O mercado popular está funcionando". O mundo fora da bolha não pode parar.

"Quando artistas começam a fazer #fiquememcasa, você sabe que há algo de podre no reino da Dinamarca", alfinetou o filósofo Pondé. O desespero do povo pobre nas favelas e periferias não parece sensibilizar a turma do lacre, a "beautiful people" hipócrita que vive só de aparências. Mas a realidade cedo ou tarde se impõe. O problema das bolhas é que eventualmente elas estouram.

RODRIGO CONSTANTINO

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