sábado, 8 de agosto de 2020



08 DE AGOSTO DE 2020
FABRO STEIBEL

O CENTRO DA CIDADE VAZIO

Os centros das grandes cidades tendem a virar deserto. A pandemia vai passar, mas esses locais terão gradativamente menos pessoas do que tiveram em 2019. O prefeito que não se preparar para isso, além de perder receita, verá cracolândias surgirem.

Rotinas híbridas vieram para ficar. O setor público, sempre conservador em inovar nas rotinas laborais, já anunciou regras para trabalho remoto. Por razões históricas, centros urbanos são cheios de prédios públicos, que passarão a ser mais vazios. O resultado pode ser inclusive bom - veja a experiência do setor público na Finlândia, que nesta pandemia focou em tecnologia, inclusão e sustentabilidade -, mas é um desafio a ser enfrentado. Fato é que a densidade populacional nessas regiões vai cair.

Universidades e centros religiosos também adotarão processos híbridos. Ser híbrido significa adotar rotinas que podem ser escolhidas para acontecer presencial ou digital. Qual aluno vai escolher ir para a faculdade, à noite, após um dia de trabalho, se tiver a aula online ao vivo para escolher? Quem vai deixar escapar um culto temático só porque fica longe de casa?

Empresas já estão esvaziando os escritórios. Quem é do mercado de fintechs já encontra vagas para trabalhar sem nunca ir ao escritório. Para quem é de tecnologia, a contratação de mão de obra já está indo para cidades mais baratas, e locais antes criativos, como o Vale do Silício, já estão ficando caros. E os grandes prédios sem maquinário ou laboratório vão ter de conviver com andares de coworkings espalhados pela cidade.

Os EUA tiveram, no século passado, uma experiência de desertificação dos centros urbanos. Com a moda de comprar casas grandes no subúrbio, centros de cidades ficaram vazios. O preço dos imóveis despencou, e as zonas comerciais inspiraram filmes como Mad Max e Blade Runner. Duas lições aprendidas lá, que valem para cá: primeiro, a relevância de misturar zonas comerciais e residenciais; segundo, a importância de cuidar dos bairros como espaços de resistência, incluindo calçadas, parques, áreas verdes e economia circular para aumentar as interações entre os residentes.

Por aqui, nos acostumamos a alocar o centro da cidade na área de patrimônio histórico. As vias de transporte convergem para lá, e não é à toa que temos o hábito de "dar um pulo no centro" quando queremos resolver algo. Mas esses locais são como a Amazônia: a diversidade aparente pode ser grande, só que o solo é sensível; quando a sustentação do ecossistema começa a ruir, rapidamente a saúde de toda a região murcha.

Como evitar isso? Planejamento. Escutar os urbanistas e arquitetos, olhar os dados da cidade e antever. E pensar na inclusão do espaço público. O prefeito que entender que a cidade já mudou sai na frente, aumenta arrecadação de imposto e se reelege. O prefeito que ignorar a mudança vai pagar caro: verá aumento de crimes e terá jogado fora uma oportunidade de ouro para desenhar a cidade do futuro.

FABRO STEIBEL

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