sábado, 15 de agosto de 2020


15 DE AGOSTO DE 2020
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Nasceu o sol, comece a correr

"Todas as manhãs, a gazela acorda sabendo que tem que correr mais veloz do que o leão, ou será morta. Todas as manhãs, o leão acorda sabendo que deve correr mais rápido do que a gazela, ou morrerá de fome. Não importa se és um leão ou uma gazela: quando o sol desponta, o melhor é começares a correr" (provérbio africano citado por Mia Couto em A Confissão da Leoa).

Ganhar a vida é uma tarefa e tanto para cada um de nós; sobreviver, mais ainda. Existir não é uma escolha; garantir a sobrevivência também não é. Ninguém decide em que ponto ficará na cadeia alimentar, real ou simbolicamente. Mas há algo que podemos escolher: viver com grandeza e dignidade no espaço em que a existência permite alternativas. Fazer por merecer as noites, os dias, a finitude e a eternidade; aceitar a natureza e o que é inevitável; usar o cérebro e o coração para admitir que mesmo os grandes têm tarefas humildes para cumprir e que manter-se vivo é o propósito de cada um de nós.

O provérbio citado pelo escritor moçambicano me chamou a atenção por mostrar através de uma imagem múltipla - correr/viver/caçar/morrer - que não existe forma de alguém se demitir da vida. Os que deixam o tempo passar em branco adentram a década dos 30 anos como eternas promessas, sujeitos de expectativas que não se materializam e, pior ainda, deixando em branco a privilegiada fase da vida adulta em que é possível arriscar, errar e seguir em frente. 

São indivíduos que chegam à maturidade biológica (que virá de qualquer forma) sem terem conquistado a maturidade emocional. Talvez tenha lhes faltado uma visão mais prática e dura do cotidiano, a renúncia a alguns prazeres, frustrações, respostas negativas e também aceitação, conquistas e desenvolvimento pessoal.

Arcamos com as consequências de nossas escolhas - para o bem e para o mal - e somente assim crescemos. Não cabe perder tempo; a percepção de que lá fora a vida corre velozmente nos põe a caminho, mesmo que sintamos medo, ansiedade e angústia frente ao desconhecido.

A rápida gazela pode matar o leão de fome; o leão, caçador hábil e inteligente, pode cansar a gazela e depois devorá-la. Não é um jogo, não é o destino de cada um e também não é o acaso. É apenas a vida seguindo seus complexos caminhos. Se não compreendermos e aceitarmos as implacáveis regras da natureza, seremos devorados? ou morreremos de fome.

TÚLIO MARTINS

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