sábado, 10 de abril de 2021


10 DE ABRIL DE 2021
DAVID COIMBRA

Por que parei? Uma explicação para você

Você merece uma explicação. Porque entrei em licença médica para me submeter a uma cirurgia na coluna. Passei pela cirurgia, tudo bem, voltei e, de repente, parei de novo. Sumi das páginas.

O que houve?

O que houve foi que um dia, em meio ao processo de recuperação, senti febre. Atravessei a noite suando e tiritando. Bem, no que qualquer terráqueo pensa quando sente febre, hoje em dia? Na maldita covid, é claro. Então, eu, fraco do jeito que estava, poderia ter que enfrentar o feroz corona. Não era o momento para esse tipo de confronto.

Na manhã seguinte, fiz o teste de PCR, aquele incômodo, do nariz. Enquanto o enfermeiro, muito gentil, aliás, coletava a amostra, lembrei dos antigos egípcios, que, durante a preparação dos corpos para a mumificação, tinham de extrair o cérebro do morto. Sabe como eles faziam isso? Introduziam um gancho no nariz do cadáver e puxavam o cérebro inteirinho pelas narinas. Tenha cuidado, portanto, não apenas com onde mete o seu nariz, mas também com o que mete nele.

Horas depois, veio o resultado: negativo! Urru, que alegria! Quer dizer: mais ou menos, porque, na verdade, eu havia contraído algum outro mal. A suspeita foi de uma infecção urinária, provavelmente causada pela sonda. Não sei se você sabe: eles botam uma sonda no seu tico, quando você vai ser operado, para que você possa urinar sem ter que sair da cama.

A sonda nada mais é do que um caninho que eles ENFIAM no canal do pênis. O procedimento é feito quando você está anestesiado e adormecido. Logo, nada a sentir. Mas, em algum momento, depois da cirurgia, a sonda tem de ser retirada. Vem um enfermeiro e puxa o cano dali. Claro, ele não tira de repelão, ele tem jeito. Mas, mesmo assim, é um cano que introduziram no seu pênis, entende? Talvez você diga: é fininho... Certo, é fininho porque não está no SEU pênis, sortudo leitor. Para mim, parecia que eles haviam metido um cano de PVC no meu assustado Prolegômeno, que é como chamo meu membro, com afeto.

Enquanto o enfermeiro vai tirando aquele troço do mais profundo da sua alma, você pensa no que fez para merecer isso. Mas é um erro, meu amigo, procurar sentido no sofrimento. Até porque, no meu caso, mal sabia que aquilo era apenas o começo do suplício. Eu haveria de lutar contra uma greve do meu próprio intestino e, depois, descobriria que aquela febre não fora originada por uma infecção urinária, e sim por uma prostatite, que é parecida, só que pior. Imagine que você está sempre com vontade de fazer xixi e, quando faz, saem três gotas. Você urina urrando, assustando a vizinhança. Em certo momento, pensei que trocaria na hora aquele padecimento por uma covidezinha moderada, dessas que a gente fica em casa sem sentir cheiro.

Mas, tudo certo, estou tomando remédios e me recuperando. Estou de volta às páginas, feliz, porque, como bem dizia Schopenhauer: a felicidade nada mais é do que a ausência de dor.

DAVID COIMBRA

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