sábado, 4 de junho de 2022


04 DE JUNHO DE 2022
OPINIÃO DA RBS

OS CUIDADOS COM O PIB À FRENTE

Em linhas gerais, o crescimento de 1% do PIB do país no primeiro trimestre ficou de acordo com o estimado pelo mercado. O resultado, no entanto, foi acima das projeções feitas entre o crepúsculo de 2021 e o alvorecer de 2022, quando se cogitava, inclusive, o risco de queda na atividade e estagnação ao longo do ano. Pela perspectiva de um período mais longo de observação, de meses atrás, foi uma grata surpresa. Os números, de qualquer forma, refletem o que ocorreu no Brasil de janeiro a março e, neste momento, transcorre o terço final do segundo trimestre do ano. É necessário, a partir de agora, cuidar para que as variáveis possíveis de serem manejadas e que devem ajudar a determinar o desempenho da economia no segundo semestre e em 2023 não se deteriorem.

A maior parte dos economistas e das instituições financeiras projeta certa acomodação da atividade na segunda metade do ano. O impacto do juro alto será mais sentido e não há o efeito da reabertura do setor de serviços, que já ocorreu. A queda dos investimentos nos primeiros três meses do ano (-3,5%), de magnitude inesperada, é fator de alerta. A tensão eleitoral também tende a ser um freio. De positivo deve ser destacada a redução do desemprego, também em ritmo maior do que se imaginava no início do ano. Tende a contribuir com o consumo das famílias, mesmo com a inflação alta e persistente.

Há fatores externos, como os decorrentes da guerra, sobre os quais não se tem controle. Deles decorrem dores de cabeça como o preço alto dos combustíveis. É uma questão complexa e que, idealmente, deveria ter sido enfrentada antes, no bojo de uma reforma tributária vigorosa, sempre procrastinada. Devido às urgências eleitorais do governo e do Congresso, nos últimos dias surgiram propostas controversas. Improvisos são sempre temerários. Cria-se o perigo de, na tentativa de dar uma resposta à população, que ao fim se reverta em votos, começarem a ser incubadas deformações que estourem à frente. Algo como dar com uma mão e tirar com a outra, logo ali.

Vêm ganhando corpo, no Planalto e no parlamento, especulações sobre a possibilidade de um novo decreto de calamidade. Não há justificativa técnica e, se vier a ocorrer, será apenas movido pelo instinto de sobrevivência eleitoral, a quatro meses de os brasileiros irem às urnas. O propósito seria eliminar amarras para dar subsídios aos combustíveis e aumentar outros gastos. Uma nova ideia, ou balão de ensaio, seria uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) com o mesmo propósito, que teria a vantagem de não impedir aumento para o funcionalismo, como ocorre no caso da calamidade. Ao mesmo tempo, o Congresso discute a proposta de um teto de 17% de ICMS para os combustíveis e a energia elétrica.

A redução de impostos, conduzida de maneira responsável e amparada em cálculos robustos, deve ser sempre defendida. É algo a ser perseguido, ainda mais em um país de sufocante carga tributária como o Brasil. Outros países decidiram por medidas emergenciais no mesmo sentido. Mas há dúvidas legítimas quando são feitas de afogadilho, sem medir consequências e a relação custo-benefício em um prazo um pouco maior. O Comitê Nacional de Secretários de Fazenda (Comsefaz) estima perdas de R$ 83,5 bilhões ao ano para Estados e municípios, recursos que podem fazer falta para serviços essenciais, sem que exista certeza de redução significativa de preços aos consumidores. Apenas a área de ensino perderia R$ 21 bilhões, calculam o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) e a União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime). E a educação, ao contrário de ter corte de financiamento, deveria ser prioridade no pós-pandemia. É uma reflexão válida.

A gastança eleitoral sem freios por meio de um possível decreto de calamidade ou de uma PEC, por outro lado, adiciona riscos à economia, na forma de maior pressão inflacionária, curva de juro para cima, expectativas de inflação desancoradas e, por consequência, menos atividade econômica. É uma história bem conhecida, e o final não é dos mais felizes.

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