
Gerente-executivo de jornalismo digital e membro do Conselho Editorial da RBS
Maratonas de cobertura
Um dos grandes desafios brasileiros é criar políticas de Estado que ultrapassem mandatos e não dependam da boa vontade dos governantes. Afinal, grandes desafios não se resolvem em quatro anos e precisam de consenso na sociedade para que sejam encarados de forma eficiente.
São maratonas, não corridas de 100 metros rasos. No Rio Grande do Sul, a reconstrução após as enchentes e o aumento da resistência às mudanças climáticas são exemplos disso.
O jornalismo é responsável por ajudar a sociedade a superar esses desafios ao provocar o debate público sobre os temas que exigem um olhar de longo prazo. Mas este papel, que é fundamental em uma democracia, também é cada vez mais complexo para a imprensa:
1) É preciso ter jornalistas nos veículos que entendam em profundidade os assuntos. Conheçam não só os desafios, mas também como funcionam os mecanismos, no setor público e no privado, que farão um projeto ter sucesso ou não. Por exemplo, ao acompanhar uma obra relevante para uma comunidade, os jornalistas precisam compreender o projeto, mas também as formas de financiamento e repasse das verbas, a costura política que leva a sua definição, as decisões técnicas tomadas. Tudo isso para fazer as perguntas corretas e, sobretudo, traduzir as respostas para o público.
2) É preciso chamar atenção para o assunto de um público que tem cada vez menos atenção disponível. Melhorar a educação, a saúde ou a economia são tarefas complicadas, cheias de prós e contras e sem uma resposta 100% certa. Tipo de conteúdo que dá alergia na dinâmica de polarização que domina as redes sociais, em que os primeiros dois segundos de um vídeo são quando o usuário decide se vê ou não o conteúdo.
É natural. Bem menos gente clicaria numa notícia sobre qual maratonista lidera o 14º quilômetro da corrida do que na matéria que informa o vencedor. Mas, quando o assunto é o desenvolvimento do lugar em que vivemos, saber a situação parcial é muito importante, e o jornalismo precisa achar a forma adequada para atrair o público.
Conhecer o que funciona melhor para cada tipo de assunto é um caminho. As experiências das redações em personalizar o conteúdo para seus leitores fiéis também ajudam. Explicar a cada um quais são as consequências dos grandes desafios em sua vida e apostar em reportagens investigativas e formatos interativos, como infográficos, vídeos e podcasts, pode ser essencial para garantir o engajamento do público.
Às vezes, é desanimador cobrir assuntos em que os avanços são lentos, as discussões são muitas, a disputa política atrapalha e as novidades não abundam. Por isso é tão importante o trabalho paciente, dentro das redações, de acompanhamento criterioso dos grandes temas: há pouca gente disposta a fazer isso. É um compromisso do qual o jornalismo não pode se abster. _
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