sábado, 8 de março de 2025

 Ter consciência do próprio valor tem sido nossa maior conquista, mas dispensar reforços é soberba

Ainda que eu tome conta de mim, não me sentirei diminuída se receber uma mãozinha

Ao ver que o Dia da Mulher cairia em um fim de semana, gelei. Teria que escrever algo a respeito. Pois cá estou, sob pressão da data e com um certo cansaço do discurso das mulheres maravilhas

Lembro de Hannah e Suas Irmãs, clássico de Woody Allen. No filme, o ator Michael Cane é Elliot, marido de Hannah, uma mulher sensata, bem-sucedida e espinha dorsal da família, interpretada por Mia Farrow. Pois Elliot se engraça com a cunhada, a mais jovem e insegura das irmãs da esposa, e justifica a canalhice: “Preciso de alguém que me ache necessário”.

Os homens consentem, apesar do espinho alfinetando o ego: mas se ela dá conta de tudo sozinha, eu sirvo para quê?

A Hannah do filme é definida como “revoltantemente perfeita”, e essa revolta se manifesta numa vingança: foi subtraído dela o direito de ter a lealdade do homem com quem se casou. Se ela não precisa dele, se ela não tem dúvidas, nem fraquezas, nem demandas que seu marido possa resolver, ora, está pedindo para ser traída ou abandonada. Numa versão século 21, estaria pedindo inclusive para ser assassinada.

Hannah também tem dúvidas, fraquezas e demandas, pois é um ser humano, e não um androide. Sua autossuficiência não faz dela um iceberg. Os antenados sabem que é estimulante conviver com uma mulher segura, que administra suas imperfeições e não faz drama por qualquer coisa. Mulheres bem estruturadas resolvem suas pendências sem recorrer ao SOS Bofe, mas nem por isso recusam parceria no cotidiano e colo nos momentos em que a barra pesa.

Quando sou abduzida pelo maldito celular, e isso acontece a toda hora, só vejo postagens de Hannahs revoltantemente perfeitas que levantam da mesa quando o homem diz uma babaquice, que perdem a barriga em 12 minutos de treino e que estão se lixando para a velhice, e o meu cansaço aumenta. Pontuo bem no quesito lucidez e autoestima, mas não sou esta Hannah toda. Quero de volta o direito de ser frágil, em meio à minha força. O direito de falhar, em meio aos meus acertos. 

Ainda que eu tome conta de mim com bastante competência, não me sentirei diminuída se receber uma mãozinha. De um homem, de uma amiga, da terapia. Ter consciência do próprio valor tem sido nossa maior conquista, mas dispensar reforços é soberba. Já é hora de aceitar que ser feliz é um trabalho de equipesem prejuízo à nossa independência. 

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