sábado, 8 de março de 2025



08 de Março de 2025
COM A PALAVRA - Ivette Brandalise

Com a Palavra

Formada em Jornalismo, Ciências Sociais e Psicologia, é a primeira mulher a ocupar um espaço de opinião no rádio e na TV no Rio Grande do Sul

"Vivemos uma crise do pensamento"

Em duas horas de entrevista, Ivette Brandalise mantém o rigor e o olhar apurado ao esquadrinhar o mundo contemporâneo. E envereda pelo fio da memória recordando momentos de sua história, que se funde, muitas vezes, com a do jornalismo gaúcho

Rodrigo Celente

 Há quem diga que vivemos na era em que a tela dos aparelhos digitais é o real. Não achas que a visão crítica das pessoas tem sido deturpada?

Hoje, quando tu falas em crítica, as pessoas entendem como briga. Quando, na verdade, essa análise crítica é fundamental, tem de ter na hora de ler um livro, ver um filme, conversar. As pessoas não entendem mais o que significa discutir. É na discussão que tu te enriqueces.

O sociólogo e filósofo polonês Zygmunt Bauman (1925-2017) dizia que as relações sociais no mundo contemporâneo se liquefazem a cada instante, que vivemos uma eterna insatisfação.

A gente está vivendo uma crise do pensamento, da consciência do eu, de quem eu sou. A gente está mais preocupada em ser interessante para o outro. Usar o cabelo, a roupa que os outros gostam. Você está sempre enxergando como é que o outro está vivendo, e aí tem de buscar fazer aquilo. E daí vem a frustração, a inveja. Na verdade, você tem de descobrir quem você é para você. Você tem que aprender a gostar de você.

Nancy Huston, no livro A Espécie Fabuladora, defende a tese de que o que diferencia o ser humano é nossa capacidade de contar histórias. Que precisamos disso para dar sentido à vida. Tu concordas?

O viver é mais intenso para quem vai construindo a sua história. Mas nem todo mundo tem condições de contar e aprovar a sua história. Às vezes, tu vives e trabalhas e fazes coisas que não gostarias. Se a gente tem capacidade e consciência daquilo que está construindo, até pode mudar de rumo, de repente. Porque, primeiro, tem de respeitar a ti, agradar você, depois o outro. A tua história tem de ser boa e produtiva para ti.

? Nasceste em Videira, no oeste de Santa Catarina. Como foi a tua infância?

Foi uma infância muito boa, porque numa cidade pequena a gente é amiga de todo mundo. Eu brincava na rua, andava de bicicleta, jogava futebol com os guris, subia em árvore.

E por que saíste de lá?

Quando eu cheguei no antigo ginásio, atualmente Ensino Fundamental, o ensino era muito fraco em Santa Catarina. Então, em 1953, eu vim para Porto Alegre, para o internato no Bom Conselho. Fiquei dois anos e meio. Depois, fui para o colégio estadual Júlio de Castilhos (Julinho).

Foi no Julinho que despertou o interesse pelo jornalismo?

Conheci no Júlio de Castilhos uma pessoa que era apaixonada pelo Jornalismo, Gladys Cotliarenko, e ela terminou me seduzindo para a profissão que ela tinha escolhido. Eu me encantei mesmo com as possibilidades do Jornalismo, de conhecer o mundo. Então, na hora de fazer vestibular, optei por Jornalismo na UFRGS e, por garantia, Ciências Sociais na PUCRS.

Como o teatro entrou na tua vida?

Conheci o Antonio Abujamra quando estava na PUCRS. Ele estava aqui a convite do Teatro Universitário, grupo amador. Na ocasião, eu estava fazendo a peça À Margem da Vida, de Tennessee Williams, com Lilian Lemmertz e Luiz Carlos Maciel. Fiz alguns espetáculos com ele, que comandava o Teatro Estúdio.

Caído o pano do teatro, ingressaste na vida de jornalista. Começaste fazendo o quê?

Comecei no Diário de Notícias. Celito de Grandi era o meu editor. Foi uma pessoa que me ajudou muito, me estimulou, me deu confiança. E cheguei, mais uma vez, por intermédio da Gladys. Ela estava passando para outro emprego. E eu te confesso que não tinha experiência. Então, no começo, foi bem difícil.

Como foi essa entrada na televisão?

A Célia Ribeiro, que trabalhava também no Diário de Notícias, me convidou para fazer o programa Revista da Semana, dentro da televisão Piratini. Foi a minha primeira experiência de TV que resultou também na minha inclusão no jornal Show de Notícias, na TV Gaúcha. Eles estavam procurando uma mulher que tivesse autoridade para fazer crítica. Eu fui a primeira mulher a fazer jornalismo opinativo em TV.

Na Rádio Guaíba, ficaste vários anos com um programa. Como foi a tua entrada no rádio?

O Flávio Alcaraz Gomes me chamou para fazer um programa, que foi batizado com o nome de Cinco Minutos com Ivette Brandalise. Durou 20 anos. Era um comentário crítico. Fui a primeira mulher a ocupar um espaço deste tipo no rádio gaúcho.

Atuaste como jornalista durante a ditadura militar (1964-1985). Vivenciaste diretamente algum tipo de censura?

Na Rádio Guaíba, o Osmar Meletti ouvia meus comentários antes de ir ao ar. Foi o Flávio Alcaraz Gomes que designou ele. Aprendi a falar e a escrever nas entrelinhas. No jornal, passei pela censura dos editores, claro, era preciso ter todo o cuidado com o que seria publicado. Lembro que tive crônicas censuradas, então resolvi falar diretamente com o doutor Breno Caldas. Pedi que os editores mandassem para ele quando achassem que poderia ter algum problema. E nunca mais me censuraram.

Qual a história do programa Primeira Pessoa, onde permaneceu por 27 anos?

Era a partir das deixas, das lacunas que eu ia emendando as perguntas e assim a pessoa ia se revelando. E o cenário escurinho, com a câmera mais fechada, deixava tudo mais intimista.

Teu encantamento pelo jornalismo tinha a ver com a ideia de conhecer o mundo. Viajaste bastante?

Eu viajei muito. Meu marido também gostava muito, então aproveitamos. Israel, Dinamarca e Cairo foram lugares impactantes. Claro, sem contar os roteiros tradicionais. Paris, Roma, Nova York, por exemplo, são cidades que eu amo. Mas, não, hoje não consigo mais. Tive um problema de circulação nas pernas, que já não funcionam tão bem. Então, a minha vida ficou mais limitada. 

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