sábado, 2 de novembro de 2019


02 DE NOVEMBRO DE 2019
MARTHA MEDEIROS

Boa, Lisboa


Em 2014, quando estive em Lisboa pela última vez, dava até medo de caminhar pela Prata, Augusta e Áurea, as três avenidas paralelas que desembocam na Praça do Comércio. A região conhecida como Baixa era ocupada por lojas decadentes e alguns pedestres arrastando os pés. Quisesse conhecer o lado mais vívido da cidade, o turista deveria perambular pelo Chiado e a Alfama, ainda assim sem criar expectativas: "vívido" nunca foi o melhor adjetivo para classificar a capital portuguesa, mais facilmente identificada por sua melancolia.

Cinco anos atrás é pré-história. Lisboa acordou, e está com saudade nenhuma da antiga sonolência.

Outubro de 2019. Fiquei hospedada exatamente na Baixa, onde agora multiplicam-se bistrôs com mesas na calçada, butiques, cafés, artistas de rua, turistas escandinavos, orientais e muitos, muitos brasileiros - residentes, em sua maioria. Seria exagero dizer que Lisboa hoje é uma cidade que não dorme: ferra no sono. Mas agora em horário de gente grande.

Há restaurantes moderninhos de montão (como o JNcQuoi e o 100 Maneiras), mas bom mesmo é sentir os aromas e sabores tradicionais, sendo o Maria Catita um bom representante da turma, na Rua dos Bacalhoeiros. As casas de fado convivem com um exército de pubs, cevicherias e rooftops - o programa é escolher um vinho do Alentejo e reverenciar o pôr do sol escutando o som de algum DJ. A tristeza, produto tipicamente lusitano, agora só nos versos de Fernando Pessoa.

A arquitetura, sabiamente, continua preservada, não há nenhum monstrengo de 20 andares ocultando a vista do Tejo ou sepultando os casarios coloniais que embelezam a capital portuguesa. As calçadas seguem lindas e escorregadias, as igrejas ladeadas por buganvílias: o bom senso e o bom gosto continuam de mãos dadas. Para quem quer modernidade extrema, a poucos minutos de carro está o Parque das Nações, uma área construída há apenas duas décadas, onde os admiradores de Dubai podem se esbaldar com o design futurista. Uma visita ao Oceanário é obrigatória, leve uma criança se precisar de álibi.

O Mercado da Ribeira, revitalizado, está com uma atmosfera ótima para tragos e tapas. O bar Pensão do Amor é um achado: fica num antigo prostíbulo da Rua do Alecrim. E as livrarias continuam ao pé da rua, como a menor livraria do mundo (nas Escadinhas de São Cristóvão), a Ler Devagar na XL Factory, a tradicional Bertrand no Chiado, a moderna Travessa no bairro Príncipe Real e o sebo Deja Lu, em Cascais, dentro da fortaleza. Livros são mais importantes do que pastéis de nata.

Segurança, emprego, cabeças arejadas, investimento em cultura e no turismo. Este é o socialismo português, que acaba de eleger o parlamento mais feminino da história, com 89 mulheres, sendo três negras de origem africana. Despertar é preciso. Enquanto isso, tendo Trump como modelo, salve, salve o Brazil com zzzzzzz.

MARTHA MEDEIROS

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