sábado, 9 de novembro de 2019



09 DE NOVEMBRO DE 2019
MÁRIO CORSO

Do que é feito o superego?

Freud conceituou a ideia sobre a nossa instância moral interna. Ela é herdeira da educação que recebemos dos nossos pais e atende pelo nome de superego. Outra tradução poderia ser "sobre o eu", para não acionar outras ressonâncias do prefixo super.

O problema é que isso é só uma parte do processo. Ele é feito também de outras coisas, nem sempre tão nobres. Aqui vale o dito: é melhor não saber do que é feita a salsicha. A questão é que, justamente sabendo do que ela é feita, pode nos poupar de dissabores.

À primeira vista, o superego seria nossa salvação, afinal, somos seres morais. Um sólido superego pouparia descaminhos e nos faria melhores. Intuitivamente essa é a conduta de muitos, especialmente os religiosos, acreditando que a severidade moral salva. Mas é aqui que entram os outros ingredientes do embutido para atravessar o samba.

O superego de Freud não é um princípio moral que chega de fora e instaura a ordem. Ao contrário, é na experiência da doma das pulsões infantis que ele é forjado, cada um fabrica o seu. Em outras palavras, é na força da renúncia dos desejos proibidos que formatamos a instância que irá regular nosso encontro com a lei e os nossos ideais. Mas, quando a renúncia é imperfeita, isso pode dar errado. Para essas pessoas, o superego frágil vai se agigantar para tentar ter a mesma eficácia que tem nas outras pessoas.

É disto que são feitos os moralistas: seu superego exagerado desborda o sujeito, pois ele tenta convencer os outros daquilo que ele mesmo custa recalcar. Quanto maior a energia para controlar um impulso em si mesmo, mais o sujeito quer para os outros a mesma medida.

Portanto, é possível conhecer alguém pelo seu avesso. Por exemplo, se alguém passa a vida em treta com a homossexualidade alheia, é que nele isso pulsa forte. Tanto que precisa de uma dose maior de recalque, e esta é projetada em quem tem o azar de ser seu vizinho.

Um exemplo real: vocês conhecem Fred Pontes, presidente da Acons - Associação Nacional dos Conservadores? Foi condenado recentemente por crime sexual. Quando tinha 30 anos, abusou de uma menina de 10.

Atenção, a palavra conservador, especialmente fora do Brasil, é uma corrente de pensamento séria. A bronca aqui é com Fred Pontes. Se ele é pela família, pela tradição, pelos bons costumes, o que aconteceu? Justamente porque seu superego superdimensionado não funciona, sua militância é um desespero inútil para fundar algo que pare seu desejo perverso.

Infelizmente, instituições políticas e religiosas, baseadas na ideia de impor interdições e limites como princípios, são um ímã para almas assim perturbadas. O proselitismo moralista militante é o sinal de que algo vai mal no sujeito e, em vez de arrumar a falha em si, ele tenta consertar o mundo.

MÁRIO CORSO

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