sábado, 2 de novembro de 2019



02 DE NOVEMBRO DE 2019
TENDÊNCIA "COLIVING"

República com grife na Capital

Moradias coletivas atraem pessoas e o mercado imobiliário, que aposta em residências planejadas para a vida em comunidade.

Numa sociedade em que o direito à propriedade está previsto na Constituição, e mais de 70% das residências fixas, segundo o IBGE, são em imóveis próprios, moradias coletivas são frequentemente vistas como alternativa para quem está em dificuldades financeiras ou busca um lar temporário. Nos últimos anos, esse tipo de lugar tornou-se popular também entre quem tem mais recursos financeiros, mas, por conveniência ou filosofia de vida, prefere viver na companhia de outras pessoas.

O chamado coliving, termo em inglês que se refere a residências coletivas - como os já muito difundidos albergues e repúblicas estudantis -, atrai o mercado imobiliário, que aposta em casas ou prédios planejados para a vida em comunidade. Nos colivings "gourmetizados", o espaço individual é pequeno, mas a infraestrutura inclui facilidades como academia, piscina, cinema e escritório.

Como permite a construção de várias unidades no espaço, o modelo chama cada vez mais a atenção dos investidores. Os prédios voltados para o coletivo, em geral, têm apartamentos com 30 metros quadrados ou menos, e foco nas áreas de convivência e uso comum, como lavanderia, cozinha coletiva e sala de estar. Já nas casas e apartamentos compartilhados, a área privativa é restrita a um dormitório, com ou sem banheiro, os demais ambientes são comunitários.

O princípio é mais ou menos o mesmo de uma república, com diferenças consideráveis. Nos novos empreendimentos, os serviços são centralizados em um administrador único, responsável por pagar as contas e garantir a manutenção das áreas de uso coletivo - um valor mensal costuma incluir quase todas as contas, do wi-fi à faxina. Também diferentemente das repúblicas, os colivings destinam-se a um público mais amplo do que apenas estudantes universitários - há, inclusive, empreendimentos voltados à terceira idade.

- Tem desde modelos radicais, com quarto dividido, até outros em que se compartilham só algumas áreas de um prédio. A sociedade atual vem pedindo por formatos alternativos de moradia, e a socialização e a otimização dos espaços fazem cada vez mais sentido - diz Alexandre Lafer Frankel, vice-presidente do Sindicato da Habitação de São Paulo (Secovi-SP).

Ainda não há levantamento específico sobre esse tipo de moradia no Brasil. O Secovi estima que boa parte das 7,5 mil unidades de imóveis para solteiros, construídas nos últimos 12 meses em São Paulo, onde o conceito está mais difundido, agregue características de coliving. Em Porto Alegre, os primeiros empreendimentos assim autodenominados começaram a surgir há cerca de dois anos.

Economia

Se, para quem constrói, o modelo mostrou-se atrativo em razão do potencial lucrativo, a opção de viver em casas compartilhadas dá- se por múltiplos fatores. Um dos principais é o custo-benefício. Por um valor único, que, em Porto Alegre, pode ficar entre R$ 700 e R$ 2 mil mensais, é possível morar em bairros centrais como Bom Fim, Floresta e Moinhos de Vento, com quase todas as despesas incluídas.

Outro atrativo está relacionado à busca por estilo de vida mais sustentável. Como partes da infraestrutura e dos equipamentos são utilizados por várias pessoas, esse tipo de moradia é visto como forma de otimizar recursos, atitude cada vez mais necessária à preservação ambiental.

Mas o ponto mais destacado pelos entusiastas dos colivings não tem viés pragmático. Idealizadores e pesquisadores dizem que a possibilidade de aproximar-se de outras pessoas por meio da convivência, mais intensa que nos modelos convencionais de habitação, favorece o desenvolvimento pessoal de quem abraça a experiência.

- A dimensão colaborativa é uma das mais desejadas, por conta da solidão epidêmica que vivemos, e também a mais desafiadora, porque as pessoas têm muito medo umas das outras. É o vetor mais bonito e fascinante - diz a arquiteta e urbanista Lilian Avivia Lubochinski, que atua como consultora para grupos que pretendem viver de forma colaborativa.

A profissional paulista destaca que há diferença entre dividir e colaborar. Enquanto o compartilhamento implica em cessão - seja do espaço ou de equipamentos -, a colaboração refere-se à soma, à construção de algo enquanto comunidade. Sob essa perspectiva, nem todos as moradias coletivas são necessariamente ambientes colaborativos.

Se nas casas partilhadas a convivência é mais evidente - e inevitável -, nos prédios, administradores costumam propor atividades para aproximar moradores, como eventos gastronômicos ou "reuniões de condomínio" descontraídas, com pizza ou churrasco. Alguns locais têm hortas comunitárias, e outros, atividades em grupo, como aulas de ioga ou idiomas, por vezes ministradas pelos próprios moradores.

Na Capital, dois empreendimentos que adotaram o conceito apresentam propostas diferentes: enquanto o Pueblo 595, inaugurado em 2018, é um prédio com apartamentos, a Oka Coliving, aberto em 2017, conta com quatro imóveis e aluga quartos. Recentemente, a Oka reformou o Cine Teatro Presidente, na Avenida Benjamin Constant, onde deve funcionar em modelo semelhante ao do Pueblo.

BRUNA VARGAS

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