sábado, 9 de novembro de 2019



09 DE NOVEMBRO DE 2019
FLÁVIO TAVARES

RECUAR OU...??

Às vezes, recuar significa vencer. Recuamos por reconhecer que o outro lado tem mais razões (ou mais poder) e que erramos. E que nosso erro nos destroçará, destruindo a todos. Na guerra ou no futebol, recua-se para adotar o que faz o outro lado e, assim, triunfar antes que ele nos vença.

O dia a dia é assim, também.

O governador Leite soube recuar da absurda mudança do IPVA. Com maturidade e visão, salvou-se da tolice ao perceber o erro. Agora, se espera que repita o feito e recue em erros ainda mais graves.

Mudar o modelar Código Estadual do Meio Ambiente é um erro profundo, como apontam geólogos, biólogos e botânicos, além de todos os ex-secretários da área ambiental dos governos anteriores. A mudança erra ao equiparar o empresário correto e respeitoso com o desleixado e fraudulento, que se guia pela cobiça e abre portas à destruição da natureza.

A proposta de "autolicenciamento ambiental" deixa nas mãos da empresa decidir se a futura atividade agride ou não o meio ambiente. Pode-se confiar nos eventuais espertalhões? Ou, até, em quem se equivoque na boa-fé, por ignorar?

Um relatório de 194 páginas da Agência Nacional de Mineração afirma, agora, que a Cia. Vale sabia da precária situação de Brumadinho (MG) meses antes da tragédia de janeiro, mas omitiu o perigo que representava. Se até uma megaempresa não se importou com o horror, o que esperar das que não dispõem dos meios da maior mineradora do país?

O correto recuo no IPVA, porém, nada é comparado à decisão de perdoar 90% dos débitos das multas dos devedores de impostos. Não será isto um acinte à correção dos que cumprem a lei?

Perdoar os maus significa culpar os bons por serem bons!

Há, também, recuos afrontosos, que agridem até a quem recua, seja pessoa ou organismo. É o caso do Supremo Tribunal Federal ao revogar o que havia decidido, anos atrás, sobre a prisão após condenação em segunda instância.

Nos últimos tempos, voltamos a confiar na Justiça e nos tribunais. Figurões até então intocáveis foram presos. O crime bilionário dos que detêm o controle político ou econômico passou a ser visto como crime mesmo, não como salvo-conduto dos poderosos.

Um ex-presidente da República e dezenas de grandes empresários (ou seus asseclas) foram presos, condenados em duas instâncias após minuciosas investigações. É difícil (ou impossível) que a instância final do processo os declare "inocentes". De fato, o Supremo Tribunal julga, apenas, se o processo seguiu o rito constitucional.

A essência do crime já foi julgada antes, por duas vezes.

As mais lúcidas figuras do STF, como os ministros Edson Fachin, Luís Barroso e Cármen Lúcia, optaram por manter a prisão, em votos memoráveis. O "voto de minerva" do presidente da Corte, porém, decidiu pelo absurdo, num recuo desastroso.

Jornalista e escritor - FLÁVIO TAVARES

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