segunda-feira, 26 de outubro de 2020


14 DE OUTUBRO DE 2020
OPINIÃO DA RBS

Trapalhada ambiental 

Em meio ao aumento dos focos de queimadas no país ao longo de 2020, o Brasil mais uma vez dá munição às críticas mundiais de falta de cuidado com a Amazônia e o Pantanal ao patrocinar um atrapalhado episódio de uma desavença interna no governo que levou à ordem para que todos os agentes de combate a incêndio do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) voltassem imediatamente para suas bases, paralisando a luta contra o fogo. Por trás da determinação está um impasse com o Ministério da Economia envolvendo verbas que estariam sendo contingenciadas pela pasta de Paulo Guedes. Menos mal para proteção dos biomas que a situação foi revertida com a promessa de repasse de recursos. Mas, ao permitir que divergências políticas mal resolvidas bloqueassem mesmo que por um curto período as ações do órgão, o governo federal dá novamente um sinal na direção errada e agrava os prejuízos à imagem já chamuscada do país no Exterior.

A questão ambiental está no centro das preocupações globais e é o tema que mais desgasta a marca Brasil, não apenas por força dos desmatamentos e queimadas, mas pelo insistente discurso do Planalto de negação de uma realidade expressa em números e dados consistentes gerados por instituições de grande credibilidade, como o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Os prejuízos para o país e para as empresas brasileiras são potencialmente imensos, a começar pelas chances cada vez maiores de o acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia não ser mais efetivado.

Em junho do ano passado, quando os dois blocos deram um passo decisivo após 20 anos de negociações arrastadas, os cálculos governamentais indicavam a possibilidade de o incremento dos negócios gerar, em 15 anos, um acréscimo de US$ 125 bilhões no PIB nacional. A cifra vultosa mostra o quanto o país pode deixar de gerar de riqueza por uma visão equivocada. Há riscos de boicote a produtos nacionais e alertas reiterados de fuga de investimentos. Especialmente nos países desenvolvidos, os consumidores estão cada vez mais atentos a pontos como a rastreabilidade, para se certificarem de que os alimentos adquiridos não estão associados a degradação do ambiente. Perdem todos, inclusive o moderno agronegócio, inclusive do Rio Grande do Sul, que já mostrou saber conciliar produção e preservação ambiental. O desflorestamento acelerado, alerta a ciência, ameaça inclusive o regime de chuvas, pondo em xeque a produção agropecuária.

É lamentável que uma queda de braço entre dois ministérios - Meio Ambiente de um lado e Economia do outro - tenha reflexos negativos em uma área essencial para os interesses do Brasil. Cuidar do planeta há muito deixou de ser uma questão de ideologia. A preservação está cada vez mais enraizada como um dos sustentáculos do capitalismo de vanguarda.

Um mal-estar semelhante, no final de agosto, quase levou também à paralisação de operações contra o desmatamento ilegal. Agora, foram cerca de 1,4 mil agentes que chegaram a cruzar os braços por falta de recursos, enquanto o país assiste a uma escalada dos focos de incêndio. Espera-se que o governo solucione de forma permanente o embaraço, assegure as verbas necessárias e restaure um mínimo diálogo entre os ministérios e órgãos envolvidos, para as equipes voltarem a campo sem risco de novas paralisações. Apesar de o recolhimento das brigadas de combate a incêndio ter sido revertido, todo o imbróglio fortalece a percepção externa de que a proteção do ambiente não é uma prioridade do Planalto.

OPINIÃO DA RBS

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