sábado, 10 de outubro de 2020


Papel do síndico é "meter a colher"

Projeto de lei aprovado pelos deputados gaúchos prevê que responsáveis por condomínios comuniquem a polícia sobre agressões

O que você faz se souber que um vizinho bate na mulher ou maltrata os filhos ou um idoso? O correto é denunciar. Esta é uma das mais eficazes medidas para combater a violência doméstica. E foi pensando em reforçar essa cultura que deputados gaúchos aprovaram o projeto de lei que determina que responsáveis por condomínios comuniquem a polícia sobre agressões contra mulheres, idosos, crianças e pessoas com deficiência. Só na Capital, a determinação atinge a cerca de 14 mil síndicos. O anonimato está garantido nas denúncias.

Autoridades comemoram mais essa iniciativa, mas alertam: essa não deve ser uma obrigação apenas de síndicos, mas de todos moradores, de toda a sociedade.

- Independentemente de lei, toda pessoa deve ter essa iniciativa. A gente tem de meter a colher. Na situação do marido com a mulher, do idoso com o filho, tem de haver a participação da sociedade para proteger a pessoa vulnerável. Entendo essa legislação nesse contexto, da necessidade de que possamos juntos colaborarmos para evitar essas agressões - destaca a promotora Angela Salton Rotunno, coordenadora do Centro de Apoio Operacional de Defesa dos Direitos Humanos do Ministério Público.

Quando foi proposto, o PL 71, de autoria da deputada Franciane Bayer (PSB), assustou a categoria de gestores de condomínios pela multa que previa para casos de descumprimento. Mas a sanção foi retirada antes da aprovação. Além de determinar que síndicos ou administradores denunciem situações de violência, o projeto prevê que cartazes sejam afixados para divulgar o teor da norma.

- Nossa preocupação era a multa, pois obrigações já existem previstas no Código Civil. Aliás, são obrigações para todos os moradores, todos são corresponsáveis - diz Mauren Gonçalves, presidente da Associação de Síndicos e Subsíndicos de Condomínios (Assosindicos-RS).

No cargo há quatro anos, Mauren recorda de apenas três casos em que síndicos buscaram orientação sobre como agir em relação a situações de violência entre vizinhos. No conglomerado onde Mauren é síndica, desde o começo da pandemia já existem cartazes com telefones para este tipo de denúncia.

- O projeto é bom, pois reforça a obrigatoriedade de colocar cartazes e circulares para conscientizar toda a comunidade - atesta a presidente da Assosindicos.

Anonimato

Estatísticas realçam a importância de cada um estar atento ao que acontece na vizinhança: segundo o MP, entre 80% e 90% desse tipo de caso de violência, contra pessoas vulneráveis, ocorre dentro dos lares. Para quem tem medo de se identificar, se envolver em processo judicial ou se indispor com o vizinho, a boa notícia é de que o anonimato segue garantido. O delegado Thiago Albeche, do Departamento Estadual de Proteção a Grupos Vulneráveis, diz que a maior parte das denúncias são anônimas.

- Todas as formas de incentivo a denúncias são bem-vindas - diz o policial sobre o projeto de lei.

Quanto a eventual responsabilização de síndicos com base no projeto de lei, o delegado explica que não existe responsabilidade penal objetiva por parte deles, ou seja, não basta que exista crime no condomínio para que, caso não notificado, gere a responsabilidade criminal automática dele:

- É preciso omissão voluntária e, ainda, avaliação sobre o quanto essa omissão possa contribuir para casos de violência. Esse, pelo menos, é o aspecto penal que é analisado. Ainda não sabemos ao certo como será controlada essa obrigação que está sendo criada.

O projeto foi aprovado no dia 30 de setembro e está na fase de redação final na Assembleia Legislativa para depois ser enviado ao governo para análise e sanção do governador Eduardo Leite. A expectativa é de que isso ocorra nos próximos dias.

- Estou otimista pela sanção do governador e acredito que vai dar grande diferença nos condomínios com a denúncia pelo síndico. Mas todos nós podemos e devemos fazer a denúncia. As pessoas ficam com receio de estar interferindo no convívio da família, mas temos de entender que a violência doméstica está acima disso. Essa violência está na sociedade e nossa denúncia pode salvar uma vida - explica a deputada Franciane Bayer.

ADRIANA IRION 

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